A entrevista do Secretário de Política Econômica, Márcio Holland, no Valor Econômico no dia 17 de dezembro de 2012, nunca me saiu da cabeça. Nessa entrevista, o economista Márcio Holland mostrou a lógica do que viria a ser conhecido como a “Nova Matriz Econômica” (clique aqui para ler a entrevista) baseado em uma combinação virtuosa dos seguintes fatores: (1) taxa de juros baixa; (2) taxa de câmbio competitiva, e (3) consolidação fiscal amigável ao investimento.
(1) Taxa de juros: O secretário falou, no final de 2012, que:
“A primeira perna (da nova matriz econômica) é a taxa de juros, que caiu 5,25 pontos percentuais no intervalo de 12 meses. Os agentes econômicos aguardavam esse ciclo de alteração da política macroeconômica. Com essa mudança, a estrutura de incentivos está sendo preparada para um ambiente de juros baixos. Os investidores, bancos, economistas, analistas em geral, estão revendo seus modelos de negócio. Há uma fase de transição”.
O que de fato aconteceu? No início do governo Dilma a taxa de juros Selic estava em 10,75% ao ano, cresceu para 12% ao ano para combater a inflação no primeiro ano do governo, que foi de 6,5%, e depois foi reduzida até alcançar 7,25% ao ano em outubro de 2012. Economistas do governo acreditavam que o Brasil havia alcançado um novo equilíbrio de juros baixos, o que não aconteceu.
A nossa experiência de juro muito baixo foi fruto do excesso de liquidez internacional e de taxas de juros reais negativa nos países desenvolvidos. A combinação da redução da expansão monetária nos EUA com a elevação da inflação doméstica nos levou novamente para uma taxa de juros Selic que hoje é de 11% ao ano – superior a taxa de juros do início do governo Dilma. A nova matriz econômica e seu efeito permanente sobre a queda da taxa de juros não ocorreu e, dados os sucessivos erros de política econômica com a postergação dos reajustes de tarifas, é possível que tenhamos mais alguns anos com taxa de juros em dois dígitos - Leiam aqui a excelente coluna do Samuel Pessoa de hoje na Folha de São Paulo: a conta ficou salgada.
(2) Taxa de Câmbio competitiva: E o que falar da “taxa de câmbio competitiva”? Há diversas formas de calcular taxa de câmbio real, mas aqui vou me concentrar em uma medida calculada pelo Banco Central que é a relação câmbio/salário corrigida pela produtividade. Se essa relação cresce, as exportações do país se tornam mais competitivas e, se essa relação diminui, as exportações do país – ceteris paribus– se tornam menos competitivas.
O que aconteceu no governo Dilma? No início do governo Dilma, essa relação era de 66,1 (base 1994 =100). Com a recuperação da taxa de câmbio chegou a 77,6 em gosto de 2012, depois despencou para 62,81 em fevereiro de 2013 e, em março de 2014, estava em 80,88. Sem dúvida, comparando ao início do governo houve uma melhora na competitividade, mas há dois problemas.
Índice da Relação Taxa de Câmbio/Salário corrigida pela produtividade – jan/2011-mar/2014 – 1994 =100
Fonte: BACEN. Linha escura é a média móvel de seis meses.
Primeiro, como se observa no gráfico do Banco Central acima, essa relação sobe e desce sem tendência definida, o que dificulta afirmações que a taxa de câmbio passou a ser competitiva. Segundo, quando a taxa de câmbio é corrigida pelos salários e produtividade, o seu crescimento ao longo do governo Dilma é muito menor do que que sugere a desvalorização da taxa de câmbio nominal (R$/US$) que passou de 1,67, em janeiro de 2011, para 2,32 em março deste ano – crescimento nominal de quase 40%. A inflação (aumentos salariais) e a produtividade estagnada comeram quase metade dessa desvalorização nominal.
É difícil achar que a taxa de câmbio atual nos levou a um novo padrão de competitividade internacional. É possível que a taxa de câmbio volte a se depreciar dado o nosso ainda elevado déficit em conta que se aproxima de 4% do PIB. Mas a desvalorização da taxa de câmbio seria o resultado de uma maior vulnerabilidade criada pela nova matriz econômica e não o resultado, por exemplo, da melhora dos fundamentos econômicos como um forte crescimento da poupança doméstica que possibilitaria uma taxa de câmbio real mais desvalorizada.
(3) consolidação fiscal amigável ao investimento: o nome dessa terceira perna da matriz econômica é muito bonito. Mas há um grande problema. Não houve consolidação fiscal coisa nenhuma, mas sim o aumento da vulnerabilidade fiscal que nos levou agora a uma situação incômoda de ter que, desesperadamente, elevar novamente o superávit primário para algo entre 2,5% a 3% do PIB.
O economista Márcio Holland falou na tal entrevista de dezembro de 2012, poucos dias antes de o governo promover uma verdadeira maracutaia fiscal com vários truques contábeis, que ocorreria um forte crescimento do investimento público e o governo ainda entregaria, em 2013, a meta de superávit primário cheia sem desconto algum
Valor: Em 2012, o governo não cumpriu a meta de superávit primário. Esse programa de investimento público não impedirá que a meta de 2013 também seja cumprida?
Holland : Em hipótese alguma. A política fiscal tem sido anticíclica. Há um efeito adicional: a cada ano, a base de arrecadação tem crescido por causa do aumento considerável da formalização do mercado de trabalho. A desoneração da folha favorece esse processo porque, agora, o custo do trabalho é menor. A inclusão social também ajuda. No ano que vem, voltamos à meta de superávit cheia, sem desconto [3,1% do PIB].
O que aconteceu? Mesmo se contabilizarmos o Minha Casa Minha Vida como investimento, em 2013, a despesa não financeira do governo central cresceu R$ 109 bilhões, ante 2012, e o investimento público da União respondeu apenas por R$ 3,8 bilhões desse crescimento. Como porcentagem do PIB, o investimento público da União (sem estatais) passou de R$ 59,4 bilhões (1,35% do PIB), em 2012, para R$ 63,2 bilhões (1,31% do PIB), em 2013. O investimento com porcentagem do PIB caiu ao contrário da previsão do Secretário de Política Econômica, mesmo contabilizando o Minha Casa Minha Vida.
E no caso do superávit primário? O erro do secretário aqui foi ainda maior. Enquanto no final de 2012 ele falava que a meta cheia de 3,1% do PIB seria cumprida sem descontos, em 2013, o superávit primário do setor público consolidado no ano passado foi de 1,9% do PIB. Na verdade, se retirarmos receitas atípicas de concessões (Refis e o leilão de concessão de Libra) e atrasos de pagamento no final do ano (restos a pagar) o resultado primário real seria algo muito menor e mais próximo de 0,9% do PIB.
Novamente, não se tem ideia do que seja “consolidação fiscal amigável ao investimento”, mas sim consolidação fiscal que aumentou o risco fiscal e reduziu a confiança dos empresários no crescimento econômico.
O que supostamente seria a nova matriz economia falhou. A taxa de juros Selic hoje já supera àquela do início do governo Dilma, a taxa de câmbio melhorou muito pouco a nossa competitividade e no período os déficits da balança comercial e da conta corrente cresceram e, do lado fiscal, terminaremos o governo com a menor economia do setor público (superávit primário) desde o início do regime de metas, em 1999, e com a necessidade de o próximo governo recuperar a economia fiscal para algo entre 2,5% e 3% do PIB.
Sinceramente, alguém ainda tem coragem de falar em “Nova Matriz Econômica”? o que se deveria tentar entender e explicar agora é porque deu errado. E não adianta culpar o resto do mundo por decisões que são tomadas aqui.
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