O risco fiscal no curto-prazo e o ajuste necessário em 2015
Mansueto Almeida
Nas conversas sobre economia que tenho com economistas brasileiros e estrangeiros tenho destacado que, apesar de o Brasil “ainda” não correr o risco de uma crise fiscal, houve uma clara deterioração dos indicadores fiscais, uma visão que, me parecer ser compartilhada por todos os Secretários de Política Econômica da gestão Palocci (2003-2005) e Mantega (2006-2014) que antecederam o economista Márcio Holland: Marcos Lisboa (2003-2005), Bernard Appy (2005-2009) e Nelson Barbosa (2009-2010).
Essa piora fiscal pode ser sintetizada por um conjunto de indicadores que mostro em seguida e não há como esperar nenhuma grande melhora no curto prazo, mas é importante conhecer esses dados para que se tenha consciência da magnitude dos desafios pós-eleição de 2014.
No âmbito doméstico, passamos de uma situação de relativo conforto fiscal, com um superávit primário de 3,1% do PIB, em 2011, muito acima do necessária para estabilizar a dívida pública liquida e bruta, para uma situação de moderado risco fiscal. Se o Brasil estivesse com um crescimento do PIB de 4% ao ano, taxa de juros nominal (Selic) de 8% ao ano e inflação de 5% ao ano, um superávit primário de 1,5% do PIB seria suficiente para reduzir, ainda que de forma lenta, a dívida bruta e liquida como porcentagem do PIB.
Mas esse nível de superávit primário de 1,5% do PIB, que é o valor esperado para 2014 por vários bancos e consultorias, passa a ser muito baixo para uma economia na qual o PIB cresce na faixa de 2% a 2,5% ao ano, e taxa de juros Selic caminha para dois dígitos - 10% ao ano.
De 2002 a outubro de 2008, o superávit primário (12 meses) do setor público consolidado ficou entre 3,5% e 4% do PIB. A forte recuperação observada deste indicador no pós-crise, em 2010 e 2011, foi rapidamente revertida em 2012 e 2013, anos de baixo crescimento do PIB no qual o crescimento da despesa primária será, pelos meus cálculos, em torno de 1,3 pontos do PIB - um crescimento muito forte para dois anos.
Superávit Primário em 12 meses – Setor Público Consolidado - % do PIB - 2002-2013
Fonte: Banco Central
A situação fiscal é ainda mais grave porque o governo adotou novos programas para reativar a economia que aumentaram o custo fiscal dos benefícios financeiros e creditícios. Segundo cálculos da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, anexados à Proposta de Lei Orçamentária anual de 2014, o custo fiscal dos diversos subsídios, benefícios financeiros e creditícios, passará de uma média de R$ 44 bilhões, em 2011 e 2012, para R$ 72 bilhões, em 2013 e 2014; um crescimento nominal de mais de 60% (clique aqui para ver as tabelas).
Vale ressaltar que o custo da conta de subsídios dos programas do governo federal só não será maior porque uma parte desses subsídios teve seu pagamento postergado. Este é o caso, por exemplo, das operações de equalização de taxa de juros no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), um programa que permite que até R$ 312 bilhões dos empréstimos do BNDES sejam subsidiados.
De acordo com a Portaria nº 357, de 15 de outubro de 2012 do Ministério da Fazenda, os subsídios deste programa, a partir de abril de 2012 só passam a ser devidos depois de 24 meses. Isso significa que, a conta dos subsídios do PSI ao longo de 2013 e 2014 só aparecerá nas contas fiscais no próximo governo. (se quiser saber mais sobre esse tema leia o meu post “truques fiscais" com o PSI).
Essa é uma conta que ninguém sabe exatamente o tamanho, mas que, de acordo com o balanço do BNDES, no final de 2012, já chegava a R$ 12 bilhões. Esse era o montante que o Tesouro Nacional tinha que pagar ao BNDES para ressarcir o banco o seu prejuízo por emprestar à uma taxa de juros abaixo do seu custo de captação (Taxa de Juros de Longo Prazo) mais spread (1% ao ano) nos programas no âmbito do PSI.
Apesar da piora fiscal, não se observou ainda um forte crescimento do investimento público do governo federal. Este foi de apenas 1,4% do PIB, em 2012, ante 1,2% do PIB, em 2010 (incluindo aqui o Minha Casa Minha Vida). Assim, a forte queda em 12 meses do superávit primário mostrado acima não pode ser creditado ao crescimento do investimento. Neste ano, a situação é pior, pois o investimento público acumulado está com queda nominal de R$ 350 milhões até agosto, apesar de o crescimento da despesa não financeira do governo federal ter sido de R$ 65 bilhões, ante o mesmo período do ano passado.
Superávit primário menor com taxa de juros em alta, significa déficit nominal do setor público maior. Recentemente, em julho deste ano, o déficit nominal de 12 meses do setor publicou voltou a ultrapassar a barreira de 3% do PIB, maior valor desde agosto de 2010 (3,25% do PIB). Hoje, o déficit nominal do setor público já superou 3% do PIB, apesar da taxa de juros Selic atual (9,5% ao ano) ser inferior à taxa de 10,75% ao ano de 2010. Ou seja, apesar da taxa de juros menor, a nossa economia fiscal (resultado nominal) piorou.
Déficit Nominal em 12 meses – Setor Público Consolidado - % do PIB - 2002-2013
Analistas econômicos de bancos e consultorias esperam que o déficit nominal permaneça acima de de 3% do PIB e alcance 3,5% do PIB, em 2014.. Esse valor ainda é muito inferior ao que era em 2003 (superior a 5% do PIB), mas muito acima aquele que seria esperado para um país que, desde 1999, fez um enorme esforço fiscal que foi parcialmente revertido no período recente.
As projeções do próprio governo federal, em 2012, no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA 2013), apontavam um déficit nominal de 1% do PIB, em 2013, uma projeção que se mostrou excessivamente otimista frente à queda observada (e não esperada) do superávit primário em conjunto com a pequena economia de juros.
Nos últimos 12 meses até agosto, a conta de juros nominais do setor público foi de 4,9% do PIB. No início do ano passado, projeções oficiais chegaram a apontar que a conta de juros poderia ser inferior a 4,5% do PIB, em 2012, e até mesmo inferior a 4% do PIB, em 2013/2014. Ninguém mais espera que isso aconteça e parece claro que, em decorrência do crescimento da divida pública bruta nos últimos cinco anos (2008-2012), a conta de juros diminuiu sua sensibilidade em relação à queda da Selic e continuaremos com uma conta de juros elevada próxima a 5% do PIB.
É importante lembrar que, em 2007, a Dívida Bruta do Setor Público era de 57,97% do PIB e a Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) era 45,53% do PIB, uma diferença de 12,4 pontos do PIB. Em um exercício contra factual simples, se essa diferença tivesse se mantido nos últimos cinco anos, a Dívida Bruta do Setor Público deveria ter sido, em 2012, de 47,57% do PIB ao invés de 58,56% do PIB. A divida bruta não caiu por dois motivos: (i) dobramos o estoque de reservas e, (ii) expandíamos o estoque da dívida bruta para emprestar para bancos públicos em mais de 8 pontos do PIB.
Por fim, no cenário de piora fiscal aqui detalhado, merece destaque a contratação de novas dívidas pelos estados que, segundo a Comissão de Assuntos Econômicos do Senador Federal, já monta a R$ 88,9 bilhões, R$ 61,1 bilhões já contratados e R$ 27,8 bilhões em tramitação no Congresso Nacional ou Tesouro Nacional. Esses números tendem a crescer com a renegociação da divida dos estados e municípios, que levará a contratação de novas dívidas não incluídas nos valores acima.
Apesar da liberação dessas novas dívidas ocorrerem apenas ao longo deste e dos próximos anos, a magnitude do seu crescimento (R$ 88,9 bilhões), equivale a dois pontos do PIB de 2012. É mais um sinal preocupante, pois indica mais um entrave à redução do endividamento bruto do setor público. Dado esse cenário como será o início do próximo governo?
O que esperar para o início do próximo governo?
O próximo governo começará com o desafio de garantir um superávit primário que sinalize para a redução da dívida bruta ao longo dos próximos anos e recupere um pouco a capacidade de investimento do setor público. Não haverá nenhum espaço para redução de carga tributária e uma pressão crescente de novos gastos que não estavam sendo pagos (o custo do PSI a que me referi no post anterior).
A magnitude desse ajuste fiscal, ou seja, a meta de superávit primário a ser fixada, dependerá da elevação da taxa de juros dos EUA, da inflação doméstica e do ritmo de crescimento da economia brasileira. Mas é certo que virá, restando ao presidente (quem quer que seja) apenas negociar com o Congresso Nacional os detalhes desse novo ajuste, que não será necessariamente dramático, mas necessário se o país quiser aproveitar plenamente o seu crescimento potencial.
O grande risco é que o presidente não consiga criar o consenso político e convencer a sociedade da necessidade de uma maior parcimônia fiscal. Neste caso, não há muito o que fazer a não ser esperar que a agenda fiscal seja imposta à sociedade pelo menor crescimento econômico e/ou maior inflação; algo que fatalmente ocorrerá ainda ao longo do próximo mandato.
O motivo para otimismo no pós-2014 é o seguinte. Tenho convicção que pela natureza de suas declarações os candidatos Aécio Neves (PSDB) ou Eduardo Campos (PSB) utilizarão o seu capital político para recuperar o esforço fiscal – será um ou dois anos de austeridade para ter crescimento mais robusto nos dois anos finais do governo.
Mas se a presidenta Dilma Rouseff for reeleita, acho também que ela poderá fazer algo inusitado, iniciar o seu governo com uma equipe econômica totalmente nova (isso já foi imposto pelo humor do mercado doméstico e internacional). Isso pode significar resgatar antigos colaboradores da gestão PT como Bernard Appy, Nelson Barbosa, Octaviano Canuto e mesmo levar Alexandre Tombini para a Fazenda. Se a presidente for reeleita e der uma guinda mais liberal, a eleição de 2018 ficará indefinida.
Mas se o governo da presidente Dilma for reeleito e insistir no modelo chamado de nova matriz econômica, uma experiência que comprovadamente não deu certo, neste caso, é possível que algum dos candidatos derrotados no pleito do próximo ano seja o presidente eleito em 2018.
A minha aposta é que prevalecerá o bom senso e faremos um ajuste fiscal em 2015/ 2016, quem quer que seja o vencedor das eleições presidenciais no próximo ano. Por isso que, nesta semana, em um encontro que tive com um grupo de Embaixadores da União Européia, fui muito claro: “senhores, eu estou pessimista no curto-prazo, mas moderadamente otimista no médio prazo, independentemente do resultado das eleições.”
Resta saber se o bom senso prevalecerá, mas mesmo que prevaleça, não esperem crescimento acima de 3,5% ao ano ao longo dos próximos quatro anos. Se ficarmos perto disso já será uma grande vitória frente aos desafios que teremos pela frente. Aqui me concentrei apenas na questão fiscal e nem chegamos a falar da questão de educação, comércio exterior, reforma tributária e produtividade. Falo sobre isso em outra oportunidade.