Meu repórter favorito em temas fiscais, Ribamar Oliveira, fez uma excelente entrevista hoje no VALOR com o Secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. A conclusão que tiro da entrevista é que o secretario acha normal as sucessivas emissões de divida pública para emprestar ao bancos públicos (BNDES e CEF), como também acha normal que, simultaneamente, o bancos recolham mais dividendos ao Tesouro, pois os bancos não estão sendo capitalizados por meio divida. A expansão da divida é apenas uma simples operação de empréstimo de longo-prazo.
O tom da entrevista deixa muito claro que o secretario acho tudo isso normal e, assim, a tendência desse tipo de operação é continuar. Acontece que o custo desse tipo de operação, mesmo que o governo tente esconder (assunto de outro post) começa a aparecer na rigidez da queda da taxa de juros implícita da Dívida Líquida do Setor Público. Vamos explicar cuidadosamente porque emissões de divida bruta que não afetam a divida liquida do setor púbico é um problema. Vamos assumir que a dívida bruta do setor público seja de R$ 1.000.
Primeiro exemplo: divida bruta igual à divida liquida: Vamos supor que o governo faça uma emissão de R$ 100 para gastar e pague juros de 8% ao ano para levantar o dinheiro no mercado. Apenas com essas operação, a divida bruta e liquida cresceram em R$ 100. Como a divida bruta do governo é igual a líquida e vamos supor por simplicidade que todos os títulos sejam negociados por Selic, os juros total da divida bruta será de: 8% * (R$ 1000+ R$ 100) = R$ 88. Como Divida bruta e liquida são iguais as taxa de juros da divida bruta (Selic) e a taxa de juros implícita da dívida líquida serão iguais.
Segundo exemplo: divida bruta diferente da divida liquida: Vamos supor agora que um certo Secretário do Tesouro tem a seguinte ideia. Por que não aumentamos a divida bruta e emprestamos para nosso banco público estatal para ele subsidiar várias coisas? Assim, não precisaremos colocar a conta dos nossos subsídios no item “equalização de taxa de juros” que é uma despesa primária e, assim reduziria o nosso esforço fiscal (superávit primário). O secretario rapidamente convence todo mundo afinal, ele “quer o bem para o país” e as pessoas não estão preparadas para entender as discussões técnicas.
Assim, o governo faz algo diferente. Faz a mesma emissão de títulos para levantar R$ 100 a um custo Selic de 8% ao ano e, em seguida, empresta para o banco público o valor total a um juros de 4% ao ano. Aqui começa o problema. A dívida bruta neste caso aumenta como no caso anterior em R$ 100. Assim, os juros que incidem sobre a divida bruta com a nova emissão será o mesmo do caso anterior = 8% * (R$ 1000+ R$ 100) = R$ 88.
Mas agora a Divida Liquida não se alterou por que a nova emissão de R$ 100 foi emprestada ao Banco de Desenvolvimento. No entanto, como o governo recebe uma taxa de juros pelo empréstimo ao seu banco de desenvolvimento menor (4% ao ano) do que aquela que paga para levantar recursos no mercado (8%) essa operação tem um custo financeiro que afeta a taxa de juros implícita da Dívida Liquida do Setor Público (DLSP). Neste caso:
Juros sobre a Divida Bruta = 8% * (R$ 1000+ R$ 100) = R$ 88. (a)
Juros que o Tesouro recebe do Banco de Desenvolv. = 4% * (R$ 100) = R$ 4 (b)
Juros Líquidos = (a) – (b) = R$ 84
Aqui começa a complicação. Como a DLSP é a mesma que antes R$ 1.000 (a nova emissão de títulos foi, integralmente, emprestada ao banco de desenvolvimento), antes da emissão os juros sobre a divida bruta e liquida era de 8%*R$ 1.000 = R$ 80. Agora para a mesma DLSP de R$ 1.000, o juros implícitos são de R$ 84 que, dividido pelo estoque da Divida Liquida de R$ 1.000, equivale a uma taxa de 8,4% ao ano que é maior que a taxa de 8% (Selic) que corrige a divida Bruta. Imaginem agora várias operações sucessivas desse tipo como o governo vem fazendo desde 2008.
Terceiro Exemplo: Expansão do modelo e o caso do Brasil. Assim, qualquer operação que não afeta a Dívida Liquida do Setor Público (DLSP) mas que cria um passivo – novas emissões de títulos- que paga uma taxa de juros maior do que aquela que o governo recebe pelo seu ativo-empréstimos p/ seu Banco de Desenvolvimento ou aplicação em reservas- faz com que o custo da Div. Liquida do Setor Público fique elevado e seja pouco sensível à queda da Selic.
No caso do Brasil, como mostro a seguir, essa diferença é gritante porque hoje temos uma DLSP de 35% do PIB e uma divida bruta de 60% do PIB (ou de 68% do PIB pelo critério FMI). O Brasil aumentou muito a diferença entre divida bruta e liquida porque aumentou fortemente o saldo de reservas internacionais e fez várias operações de empréstimo para BNDES e CEF; claro que a grande maioria para BNDES. O resultado dessas operações no custo da dívida que o nosso Secretário do Tesouro Nacional acha normal são os dois gráficos abaixo.
Taxa de Juros SELIC – % ao ano – 2002-2012
Taxa de Juros Implicita da Dívida Líquida do Setor Público – % aa – 2002-2012
Fonte: Banco Central
Apesar de mais de uma década de esforço fiscal com elevado superávit primário, a taxa de juros implícita da DLSP hoje é a mesma de 2002, 15% ao ano, enquanto a Selic no período foi reduzida de 25% para 7% aa. Na minha modesta opinião, uma economia na qual o secretário do Tesouro Nacional acha isso normal é motivo para preocupação. O Brasil vai continuar pagando uma conta monstruosa de juros porque o governo acha normal aumentar a divida para financiar o crescimento – algo que não tem paralelo para países com o nosso nível de desenvolvimento.
Assim, fica difícil acreditar em responsabilidade fiscal de um governo no qual o secretário acredita que o maior endividamento é o “missing link of economic development”. Boa sorte, secretário!
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