Deja vu comercial, all over again: de volta aos anos 1950-60?
Diplomacia e Relações Internacionais

Deja vu comercial, all over again: de volta aos anos 1950-60?



Na mira da OMC

Editorial O Estado de S.Paulo, 13 de outubro de 2012

Nem todas as medidas adotadas pelo governo brasileiro para proteger a produção nacional ferem as regras do comércio internacional, mas nem todas estão inteiramente de acordo com as normas e, assim, livres de contestações formais na Organização Mundial do Comércio (OMC) que podem resultar em alguma forma de sanção. Todas, porém, têm sido alvo de críticas cada vez mais acerbas dos principais parceiros comerciais do Brasil, pois afetam o livre fluxo de bens e serviços, o que tem forçado o governo brasileiro, em alguns momentos, a elevar o tom para tentar justificar suas decisões. Nem assim, porém, o Brasil tem conseguido convencer os críticos.
"A atitude do Brasil manda um sinal negativo e deve afetar o fluxo de investimentos diretos para o País", advertiu a União Europeia na reunião do Comitê de Investimentos da OMC realizada em Genebra. A crítica - acompanhada da ameaça velada de suspensão de investimentos - se referia ao fato de que medidas de proteção da indústria brasileira anunciadas como temporárias e de emergência tendem a se perenizar.
Uma das decisões do governo brasileiro mais criticadas na OMC foi a imposição de alíquotas diferenciadas do IPI para os automóveis, com aumento de até 30 pontos para aqueles com menos de 65% de conteúdo nacional. Essa medida, de acordo com seus críticos, é discriminatória e, por isso, passível de sanção pela OMC.
Também representantes dos Estados Unidos, do Japão e da Austrália na OMC criticaram o aumento da taxação dos automóveis estrangeiros no mercado brasileiro, bem como a exigência de pelo menos 60% de conteúdo nacional para as empresas poderem participar dos leilões para telefonia de quarta geração (4G), o primeiro dos quais foi realizado em junho.
Em geral, o governo brasileiro tem respondido às críticas com acusações. Tem dito, por exemplo, que os países ricos também são protecionistas, sobretudo na agricultura. Quanto aos Estados Unidos, a crítica da presidente Dilma Rousseff - e repetida por ela no discurso de abertura da Cúpula América do Sul-Países Árabes realizada em Lima, no Peru - é ao que chamou de "tsunami monetário", que desvaloriza o dólar e, assim, torna os produtos americanos mais competitivos, constituindo o que ela considera um "protecionismo disfarçado".
Já a diplomata Márcia Donner Abreu, respondendo às críticas na reunião do Comitê de Investimentos da OMC, afirmou que as medidas tomadas pelo governo brasileiro não são discriminatórias, atendem às regras do comércio internacional e se destinam a melhorar a competitividade do Brasil. O representante americano reagiu com ironia, perguntando se conteúdo nacional implicava uma "tecnologia brasileira", e como seria definida essa tecnologia.
São variadas as medidas protecionistas que o Brasil passou a utilizar nos últimos tempos, sob a alegação de que elas são necessárias para evitar danos à economia decorrente do súbito aumento das importações. Entre elas estão o aumento das tarifas de IPI, das tarifas do Imposto de Importação para 100 produtos (ainda que dentro dos limites permitidos pela OMC), a inclusão proximamente de mais 100 itens na lista dos que terão sua taxação elevada e aumento do rigor dos controles administrativos e da fiscalização, que retardam a entrada de produtos estrangeiros no País.
A prática deverá demonstrar que medidas como essas não compensam as dificuldades crescentes que, por causa delas, o País enfrenta no relacionamento com seus principais parceiros comerciais nem são eficazes para melhorar a produção interna. Por enquanto, o descontentamento dos principais parceiros com as medidas protecionistas tomadas pelo Brasil tem se limitado aos questionamentos cada vez mais frequentes e mais enfáticos na OMC. No plano interno, porém, o aumento do protecionismo torna o setor produtivo mais acomodado e cada vez menos disposto a se modernizar, buscar mais eficiência e oferecer ao consumidor brasileiro bens de qualidade internacional.
O País já viu isso acontecer - e pagou caro.



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