Diplomacia e Relações Internacionais
Siria: entre o sofrimento, o cinismo e mais sofrimento - Reinaldo Azevedo
Creio que, excluindo Rússia e China, que pretendem preservar o status quo na Síria (ou seja, a preservação do regime atual), nenhuma das outras grandes potências, inclusive os EUA, sabem bem o que fazer dessa batata quente. Provavelmente a opinião pública as impede de declarar publicamente, e cinicamente, que a única solução viável, no momento, é a preservação do atual status quo, ou melhor, impasse total. Nem o ditador pode prevalecer, ou seja vencer a oposição, nem esta pode ganhar, pois não se trata da "boa" oposição, mas de fundamentalistas fanáticos.
Assim, a solução por enquanto é ter as duas frentes alimentadas respectivamente pelos dois blocos de grandes potências, se matando reciprocamente, até alguém desistir, e não creio que vai ser o ditador.
Não existe muitos outros caminhos. O ditador vai pagar um preço, mas este seria muito maior se os jihadistas tomassem o poder em seu lugar.
Triste Síria, está se acabando. Não creio que volte a ser como antes... infelizmente (o que não quer dizer que fosse uma maravilha, ao contrário: era uma ditadura ordinária, mas não havia muçulmanos massacrando cristãos...).
Paulo Roberto de Almeida
Entre dois males e sem um terceiro caminho, a única escolha ética e moral é o mal menor
Reinaldo Azevedo, 29/08/2013
No post anterior, informa-se que o Parlamento britânico, prudentemente, negou-se a dar uma autorização ao governo para participar de um ataque miliar à Síria. A rigor, David Cameron poderia mandar as forças britânicas numa espécie de expedição punitiva, mas preferiu ter a chancela do Parlamento — e não foi bem-sucedido. Como se vê, a questão é bem menos simples do que faz crer certa imprensa. E, desde o primeiro dia, tenho chamado a atenção de vocês para essa complexidade. Raramente fui tão criticado por aquilo que não escrevi — e eu jamais sugeri (afirmar então…) que Bashar Al Assad é alguém em que se deva confiar. Não! É um carniceiro. Ocorre que, entre dois males, quando inexiste uma terceira opção, a única escolha ética e moralmente aceitável é o mal menor. Escolha, note-se bem, não para um engajamento na causa desse mal menor. Isso nunca!
Também o Parlamento britânico tem fundadas dúvidas se foram mesmo as forças de Assad que determinaram o ataque químico. A ONU ainda não tem as provas — os EUA dizem que já fizeram a sua própria investigação e concluíram que sim. Já vi “provas irrefutáveis” sendo desmoralizadas depois. Como esquecer o caso de Richad Goldstone (leia aqui ), que fez um relatório condenado Israel no caso da incursão em Gaza, admitindo, mais tarde, o erro?
Assad é carniceiro, mas não é burro. Pode até ser que gente da sua laia tenha feito o ataque, mas duvido que seja uma tática de guerra — ele sabia que esse era o limite que poderia efetivamente derrubá-lo.
O tirano, infelizmente para os sírios e para o Oriente Médio, ainda é o mal menor no país. Seus adversários armados — e que não vão entregar as armas se ele cair — são os terroristas da Al Qaeda, são os jihadistas. Se Assad for deposto, as forças militares regulares vão se decompor. Os alauítas, que estão no comando, vão dar o fora — ou correm o risco de morrer. Um arsenal químico — que, então, os EUA e a Europa admitem existir — estará ao alcance dos terroristas.
O país tem 90% de muçulmanos e 10% de cristãos — quase 2 milhões de pessoas. Mais de 70% do total são sunitas. Os alauítas, que governam o país (minoria muçulmana à qual pertence Assad), ficam em torno de 10% também. Os principais grupos terroristas que atuam hoje no país são sunitas e incitam o ódio contra as duas outras comunidades. Os cristãos, particularmente, já enfrentam um clima de terror.
Assim, a queda de Assad não traz consigo apenas o risco de o país ficar à mercê dos terroristas — a menos que Obama esteja disposto a ter o seu próprio Iraque; há também o perigo de uma guerra religiosa. Os cristãos ficarão entre a fuga em massa e a perseguição implacável dentro do país. Aqui e ali são censurados porque dariam apoio ao ditador. Não é bem assim: estão entre Assad, que sempre lhes garantiu a necessária segurança, e o jihadismo, que os quer mortos ou fora da Síria. Qual seria a sua escolha, leitor?
Isso, obviamente, não implica que Assad possa sair por usando armas químicas e matando quem lhe der na telha porque, afinal, o terror seria muito pior. Se usou ou autorizou as tais armas, alguma sanção há de haver. Derrubá-lo, no entanto, para garantir que seus atuais adversários cheguem ao poder seria uma prova de estupidez.
Autorização da ONU para atacar, enquanto China e Rússia não mudarem de ideia, os EUA não terão. A Grã-Bretanha, por enquanto, ficará fora de uma possível intervenção. Isso é muito menos do que foi concedido à Otan no ataque à Líbia.
Obama, nesse caso, junta imprudência e hesitação. Por imprudente, seu governo anuncia ter as provas; hesitante, não quer atacar sozinho — ou fora de um arco mais amplo. A ação, dizem os EUA, não é para derrubar Assad. Mas, se não é, então serve a que propósito que não seja a ainda mais sofrimento? A confusão encontraria uma solução natural se, do outro lado, houvesse ao menos forças aptar a participar do concerto internacional. Ocorre que estamos falando de terroristas.
Creio que a maioria do Parlamento britânico andou operando com os mesmos critérios que me pautaram até aqui.
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