Luciana Martinez
Considerado um dos maiores intelectuais da França na atualidade, o filósofo e jornalista Bernard-Henri Lévy foi um grande defensor da intervenção na Líbia e chegou a pedir pessoalmente ao presidente francês, Nicolas Sarkozy, uma ação contra Muamar Kadafi.
Um ano depois, BHL, como é conhecido em seu país, pressiona por uma ação na Síria, criticando o Brasil por se apresentar como obstáculo à operação militar, e chama atenção para a impotência da comunidade internacional diante do "cinismo desconcertante" da Rússia e da China. "É uma guerra justa, de último recurso.
Não há escolha", diz o escritor em entrevista, por e-mail, ao GLOBO.
O GLOBO: O senhor foi um dos defensores da guerra na Líbia e agora apoia uma ação militar na Síria. A intervenção estrangeira é a única saída para deter a violência do regime de Bashar al-Assad? Por quê?
BERNARD-HENRI LÉVY: Não há outra escolha. Estamos lidando com um regime autista, que enlouqueceu e enveredou numa espiral de crimes alucinante. Nós tentamos a diplomacia, e nada foi feito. De alguma forma, estamos exatamente na situação descrita por teóricos clássicos como a "guerra justa". É uma guerra necessária, de último recurso. Claro, é um conflito terrível, como todos os outros, mas é uma guerra de mal menor, a qual recorremos quando não há mais opções.
A intervenção militar na Síria tem encontrado dificuldade para ser aceita pelo Conselho de Segurança, e por muito tempo, também não foi uma opção para opositores. O que deve ser feito para que a Síria pós-Assad não se torne um país dividido?
LÉVY: Primeiro, a intervenção deve ser uma demanda, um desejo dos principais interessados, como aconteceu com a Líbia, quando rebeldes pediram ajuda da Liga Árabe e da França. É preciso, sem dúvida, que a operação de resgate de civis seja conduzida, total ou parcialmente, por potências regionais.
Para mim, a Turquia teria papel fundamental, ou talvez o Qatar. Agora, se isso é o suficiente para impedir que a nova Síria, aquela que virá depois de Assad, seja dividida, eu não sei. O que sei é que nós não podemos ficar de braços cruzados, com medo do que pode vir, e aceitar o que acontece agora, quando dezenas de pessoas são mortas com armas pesadas diariamente diante da indiferença da comunidade internacional.
O senhor andou conversando com opositores sírios. Como tem sido esse diálogo?
LÉVY: É comovente. Os relatos são terríveis. O que eles me contam sobre os métodos de Assad e seu regime vai além do imaginável. Ao mesmo tempo, eu os escuto com um certo sentimento de impotência. O que podemos fazer quando sabemos que há, no Conselho de Segurança, dois países, Rússia e China, que, com um cinismo desconcertante, estão decididos a tudo para o banho de sangue continuar. Poderia ser mais simples. Homs é Benghazi.
Aquilo que a comunidade internacional, liderada pela França, fez na Líbia, ela poderia fazer amanhã em Homs. Mas, indo contra o que nos contam, decidimos não agir e procuramos desculpas para nossa inação vergonhosa.
Ano passado, o senhor procurou o governo francês para pedir uma ação militar na Líbia. Pretende fazer o mesmo em relação à Síria?
LÉVY: Claro, até já fiz, mas milagres demoram a se repetir. Houve, ano passado, uma conjuntura milagrosa, pela qual eu, independentemente de nossas discordâncias e da minha opção política, sou grato ao presidente Sarkozy. Se isso vai se repetir com a Síria? Seria preciso. Eu gostaria. Mas, até agora, não consegui.
Muitas críticas foram feitas à ONU e ao plano de paz de Kofi Annan. Em 1994, Annan foi também criticado por seu papel no genocídio de Ruanda, chegando a admitir que poderia ter feito mais pelo país africano.
Quase 20 anos depois, o senhor acha que ele vai conseguir sucesso na Síria?
LÉVY: Há dois pontos negros que pairam sobre a comunidade internacional: a Bósnia e Ruanda. Além disso, há uma série de líderes (como Sarkozy, Hillary Clinton e David Cameron) que vivem assombrados por essas lembranças, com uma certa obsessão de nunca mais ver algo parecido se repetir na História.
Esses são os chefes de Estado que apoiaram a intervenção na Líbia. E são eles que hoje defendem uma ação militar na Síria. Annan faz parte desse grupo. Ele também pertence a esse clube informal de pessoas, cuja impotência diante do genocídio ruandês é coberta por vergonha e obsessão. Isto é um bom sinal.
Em sua opinião, onde a comunidade internacional tem errado?
LÉVY: China e Rússia sempre conduziram mal seu poder de veto no Conselho de Segurança. O Brasil também adere a uma posição bizarra, comportando- se como um obstáculo à intervenção. Por que isso? Não consigo entender, até por admirar a presidente brasileira. Talvez seja a ideia de que não se deve interferir nos assuntos domésticos de um Estado que já foi colonizado. Ou a percepção de que o Ocidente deveria se manter longe de qualquer intervenção nessas regiões do mundo.
Ou ainda aquele velho disco arranhado de anti-imperialismo. Mas o resultado está aí. Um país grande como o Brasil, que serve de modelo para seus vizinhos, mas que age contra os civis sírios assassinados junto com a complacência de Pequim e Moscou. É chocante.
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