Editorial O Estado de S.Paulo
Depois de esnobar por três anos o Fórum Econômico Mundial, a presidente Dilma Rousseff desembarca hoje na Suíça para participar do ritual praticado por dezenas de governantes, todo fim de janeiro, na paisagem branca de Davos. Com ela deve chegar uma comitiva de ministros e altos funcionários. Alguns dos acompanhantes, como o ministro da Fazenda, Guido Mantega, também já demonstraram desprezo à grande celebração anual do capitalismo - uma festa prestigiada, habitualmente, por autoridades da mais nova potência capitalista, a China.
Autoridades de velhas potências, como Estados Unidos, França e Alemanha, e de emergentes de peso e de muito respeito, como México e Chile, batem ponto regularmente no centro de congressos da cidade. Neste ano, o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe; o presidente do Irã, Hassan Rouhani; e o presidente do México, Enrique Peña Nieto, estão entre os participantes.
No ano passado só um funcionário brasileiro de primeiro escalão apareceu em Davos. Foi o ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota. Convidada, a presidente Dilma Rousseff recusou-se a valorizar o evento com sua presença. O ministro da Fazenda também preferiu ficar longe da reunião. O Fórum de Davos, disse na ocasião o chanceler Patriota a dois jornalistas brasileiros, é procurado por pessoas interessadas em ganhar projeção. Não seria esse o caso da presidente brasileira e de sua equipe econômica.
No dia anterior, em Davos, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, havia conversado com jornalistas de várias nacionalidades. Devia estar, segundo a teoria das autoridades brasileiras, em busca de promoção pessoal. Esse devia ser o caso também de seu colega Ron Kirk, principal negociador comercial americano e equivalente, nessa função, ao ministro brasileiro de Relações Exteriores.
Geithner deixou o governo há alguns meses. Mas seu sucessor, Jack Lew, está, neste ano, entre as autoridades esperadas para os eventos do Fórum. A reunião é também frequentada por figuras como o presidente do Banco Central Europeu e dirigentes de entidades como o FMI e a OMC.
Alguma novidade muito importante deve ter motivado a presidente Dilma Rousseff a aparecer em Davos com sua comitiva. Não deve ser apenas a mudança no cenário mundial, um tanto mais luminoso que nos últimos anos. Em toda reunião do Fórum há discussões sobre o estado e as perspectivas da economia global, sempre com a participação de acadêmicos, empresários e políticos importantes. Neste momento, as perspectivas para a maior parte do mundo são melhores que as do começo de 2013. As do Brasil, nem tanto. Deve estar aí o motivo mais forte para a presidente confraternizar com os frequentadores de Davos.
A melhora do quadro mundial abre a perspectiva de mais comércio, mais produção e mais prosperidade para a maioria dos países, mas prenuncia também alguns perigos. Com a recuperação da economia americana, o Federal Reserve (Fed) começa a reduzir os estímulos monetários para a recuperação econômica. Não se espera um aperto, mas apenas uma redução gradual do dinheiro emitido para estimular os negócios. Essa mudança envolve riscos para alguns países.
O Brasil é um dos menos preparados para a mudança da política monetária americana. Suas contas externas estão mais fracas do que há alguns anos e sua economia, menos atrativa para capitais estrangeiros. Além disso, o crescimento econômico projetado é medíocre, a inflação é elevada, as contas públicas estão mais frágeis e a credibilidade do governo despencou. O risco de rebaixamento pelas agências de classificação de risco é tangível.
Esse quadro ruim ajuda a entender a decisão presidencial de se misturar com a multidão de empresários, banqueiros, funcionários internacionais e líderes políticos de todo o mundo. Seu programa em Davos inclui um pronunciamento numa sessão especial. Conseguirá a presidente resistir à inclinação de dar lições ao mundo?