Diplomacia e Relações Internacionais
Revoltas nos paises arabes - Luis Felipe Pondé
Poucas vezes concordo, integralmente, com o que escreve este colunista da FSP, embora ele destoe (e como; muito) da maior parte dos idiotas (desculpem o termo, mas é isto mesmo) que assinam artigos e têm cadeira cativa (ainda que temporariamente) nesse jornal semi-populista e pretensamente "inteliquitual" da imprensa paulista.
Ainda que por vezes achando engraçado (acho que é o termo) a iconoclastia e a irreverência desse colunista aberto e arejado, sempre acho que colunistas de jornais se dão ao trabalho de comentar coisas sobre as quais eles não entendem, pesquisaram pouco, leram menos ainda e ainda assim pontificam com algumas frases definitivas sobre algum problema complexo (que eles "liquidam" em poucas palavras, de maneira definitiva, ao que parece). Não é o caso desse colunista, mas ainda assim, mantenho meu "pé atrás".
Desta vez, acho que concordo com a maior parte do que ele escreveu, e por isso mesmo transcrevo aqui sua crônica, que me parece ir ao ponto certo. Posso discordar de uma coisa ou outra -- a referência aos "paquistaneses", em geral, por exemplo -- mas no essencial estou de acordo com o que ele disse, sobretudo as platitudes que se ouvem e se lêem sobre a idiotamente famosa "revolução de Maio de 1968" na França e sobre a natureza das revoltas nos países árabes.
Em essência é isso: os "descamisados" cansaram de viver na miséria -- em regimes incapazes de prover crescimento e emprego -- e os mais informados protestam contra a falta de liberdade e a corrupção das elites dominantes.
Em síntese é o que aconteceu na Tunísia e está acontecendo no Egito, embora aqui a Irmandade Muçulmana tente aproveitar o descontentamente popular para fazer avançar suas teses e posições, o que ela obviamente conseguirá, pois as grandes massas sempre são idiotamente religiosas.
Bem, vou parar por aqui -- na minha função de "filtro" do que vai publicado por aí, como já escreveu alguém a respeito deste blog -- e deixar vocês lerem algo um pouco mais inteligente que aparece (de vez em quando) na imprensa brasileira.
Paulo Roberto de Almeida
Quibes, queijos e vinhosLuis Felipe Pondé
Folha de S.Paulo. 7/02/2011
Quem está na rua no Egito quer emprego; se fala em "liberdade", é porque aprendeu com o Ocidente
OS ÁRABES foram às ruas. Os paquistaneses (muçulmanos, mas não árabes) vivem nas ruas pedindo a cabeça de algum inimigo do Islã. Pensar que estamos diante da "aurora" de um novo mundo árabe democrático é uma piada.
Imagino como alguns "sacerdotes da religião do povo" (populismo para intelectuais de esquerda?) devem ficar emocionados, lembrando (fantasiando?) os grandes dias do Maio de 68 na França.
Se lermos as colunas de Nelson Rodrigues (editora Agir) da época, encontraremos questões como: afinal, o que querem esses estudantes parisienses se não cortaram nenhuma cabeça? Que revolução é essa que acabou em croissant?
De uma hora para outra, a moçada francesa voltou para casa para tomar vinho e comer "un petit fromage". Centenas de teses pelo mundo tentam até hoje explicar a razão de a "revolução do desejo" de Maio de 68 ter acabado de repente, sem nenhuma razão.
Diferentemente dos jovens americanos, que tinham um motivo concreto para protestar (a horrível Guerra do Vietnã), os meninos franceses estavam cheios de tédio, naquela vidinha chata de gente rica, e resolveram brincar de "comuna de Paris".
No fundo, queriam "o direito" de transar com as colegas nos dormitórios da universidade, alguns meninos queriam "o direito" de transar com outros meninos (sob a bênção filosófica do mestre Foucault, que, aliás, no começo da Revolução Islâmica do Irã, tinha frisson por ela), e alguns, como sempre, não queriam mesmo é ir para a aula e virar gente grande.
Mas os "sacerdotes do povo" fizeram seu trabalho e transformaram aquela festa em grande fenômeno histórico.
A verdade é que não se sabe no que vai dar essa "revolução do quibe" no mundo árabe. Pessoalmente, espero que consigam viver melhor e se livrem dos "partidos de deus".
Mas o que é viver melhor? Para mim, que não sou relativista e acho a democracia liberal ocidental o melhor sistema político conhecido e gente que amarra toalha na cabeça para gritar "morte aos infiéis!" gente atrasada, viver melhor é poder ganhar dinheiro e pagar suas contas, consumir coisas que queremos consumir, transar com quem você quiser, não ter que aturar maridos espancadores, não ser obrigado a sustentar mulheres de que você não gosta mais, não ser obrigado a rezar se você não quiser, poder rezar se você quiser para o deus que você quiser, não ter que achar seu governante "o salvador do povo". Enfim, coisas básicas, não?
Mas o fundamentalismo islâmico (que não é a mesma coisa que islamismo) não pensa assim.
Se, por um lado, não se pode afirmar que o Egito vá virar o Irã (que alguns ainda acham ótimo porque "enfrenta o imperialismo americano"... risadas...), por outro, negar o risco do fundamentalismo islâmico na região em questão é uma piada. Pura má fé teórica.
Risco aqui não significa apenas tomar o poder, significa minar a sociedade, enterrando as pessoas nesse "pântano de deus" onde fundamentalistas crescem como praga na lama.
Essas pessoas que estão nas ruas querem emprego. Se eles falam em "liberdade", fazem-no porque aprenderam com o Ocidente capitalista malvado. Não estão movidos por ideologias de Maio de 68. Espera aí... qual era mesmo a ideologia? Reclamar da TV, do cinema, de ter que arrumar o quarto, de ter que fazer prova na faculdade?
Que tal o Líbano, que virou refém do Hizbollah (o partido de deus), esse grupo muito pacifista e democrático? Ou a irmandade islâmica do Egito, que está "gozando" com tudo isso? E os democráticos do Hamas? Que tal mandar um desses populistas de esquerda passar uns dias com eles para discutir "liberdades individuais"? E se o voto direto por lá eleger outro Hamas?
Muitas análises são feitas a partir do que em filosofia se chama "wishful thinking" (pensamento contaminado por "desejos escondidos"). Muita gente projeta sobre esses fenômenos seus pequenos sonhos de grandeza teórica.
Esses países não têm a divisão moderna entre religião e Estado. Negociar com eles é negociar com o Islã, não nos enganemos. O necessário é falar com o Islã e seus líderes, a fim de "isolar" a praga do fundamentalismo.
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