Diplomacia e Relações Internacionais
Retratos do pensamento militar - Paulo Roberto de Almeida
O pensamento militar brasileiro e a conjuntura econômicaPaulo Roberto de Almeida
Tendo recebido um artigo, reproduzido abaixo, de um general de reserva (cujo nome prefiro resguardar), procedo, como é meu hábito, após leitura cuidadosa de uma matéria relevante: anotações à margem do texto, nos trechos que me pareceram merecer ressalvas, observações, comentários, ou até correções, no caso encapsulados entre colchetes, com tipos em itálico, para o devido destaque de meu texto, desta forma: [PRA:
Comentário.].
Brasília, março de 2011
O DESCASO PELAS FORÇAS ARMADASGeneral da Reserva Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx
A onda dos movimentos por liberdade nos países do Norte da África e do Oriente Médio deve ser analisada em seus reflexos na disputa entre as potências por espaços e poder, cenário permanente nas relações internacionais, que também abrange outras importantes questões conflituosas.
[PRA:
O que menos se deve destacar, na onda de movimentos libertários naquelas regiões é justamente o aspecto geopolítico, uma vez que todos os movimentos, ainda que inspirados em mesma matriz e eventualmente guiados por considerações de ordem externa, obedecem, basicamente, ao mesmo padrão: revoltas de jovens humildes a propósito de sua condição social e de jovens universitários conectados ao mundo, mas neste caso usando apenas as ferramentas da globalização; se pudéssemos enfeixar esses movimentos numa rubrica geral, seria a de “emprego e liberdade”, não a de troca de hegemonias externas, o que reflete apenas a fixação do autor do artigo pelos equilíbrios de poder mundial.]
Os estudos de temas dessa natureza realizados no Brasil refletem ideias de renomados estrategistas europeus, norte-americanos e asiáticos quanto aos impactos no jogo entre as grandes potências, mas não apontam possíveis consequências no campo militar, para o Brasil, restringindo-se aos reflexos nas expressões política e econômica. O desfecho dos movimentos no mundo islâmico terá consequências, cujo significado para a defesa nacional dependerá do saldo ou do déficit de poder dos EUA naquela região.
[PRA:
Fixação indevida nos temas de segurança e de poder, em detrimento das causas internas, econômicas e políticas, dessa onda de revoltas.]
O quadro atual dos conflitos no mundo revela a volta da onda, que emergiu da II Guerra Mundial e levou os EUA à hegemonia global.
[PRA:
Quais conflitos? Certamente não os atuais do mundo árabe, que não têm absolutamente nada a ver com a hegemonia, ou perda dela, pelos EUA.]
Ela começa a recuar pressionada por novos atores poderosos, alguns deles velada ou ostensivamente antagônicos aos EUA e com os quais este último terá de compartilhar espaços e poder.
[PRA:
O autor quer provavelmente referir-se à China, enquadrando-a no mesmo cenário de conflitos geopolíticos de meados do século XX; por isso se costuma dizer que os generais estão sempre combatendo a última batalha, não as que vêm pela frente.]
Ao final da primeira década do século XXI, ficou evidente que os EUA já não podiam impor a um custo suportável, isolada e rapidamente seus interesses em todo mundo, condição que desfrutaram por duas décadas após a queda da União Soviética. Os EUA também encontram dificuldade crescente para empregar a OTAN em ações globais, seja pela falta de consenso quanto às ameaças seja pela impossibilidade econômica de seus aliados sustentarem operações militares distantes e de grande envergadura.
[PRA:
Nenhuma dessas questões está em causa na onda de revoltas árabes, que não tem maiores conotações geopolíticas e sim de política doméstica.]
Há, ainda, a ascensão da China e sua projeção em todos os continentes, limitando progressivamente a liberdade de ação da outrora potência hegemônica.
[PRA:
Salvo avanço sobre matérias primas em várias partes do mundo, não se vê a China confrontando diretamente os EUA ou limitando o poder deste.]
Portanto, a capacidade político-militar norte-americana de assegurar o acesso a regiões com relevante posição geoestratégica e detentoras de recursos vitais, situadas “do lado de lá do mundo”, como o Oriente Médio, a África e a Ásia Central, vai sendo reduzida.
[PRA: O
avanço chinês assume características basicamente econômicas, sendo sua projeção militar reduzida, até aqui, ao cenário regional.]
Assim, aumentará a necessidade dos EUA garantirem o acesso a regiões “do lado de cá do mundo” com aqueles atrativos, leia-se América do Sul e Atlântico Sul, para o que empregarão seu poder militar se for preciso.
[PRA:
Manifesta-se novamente aqui a velha paranoia militar brasileira, segundo a qual os EUA pretendem dominar o continente e o Brasil, para melhor explorá-los. Não que isso não seja relevante, mas não é o vetor principal da ação externa dos EUA.]
Ao mesmo tempo, interessa-lhes limitar a projeção e influência de potências extra-regionais que possam tolher sua liberdade de ação nas áreas mencionadas. Hoje, espaços dessas regiões de tradicional influência norte-americana já estão sendo disputados pela China e, em sua esteira, virão á Rússia e a Índia.
[PRA:
Cenários à la Mackinder grandemente exagerados.]
Como reagirão os EUA, altamente dependentes de recursos naturais, ante a presença de poderosos rivais cada vez mais próximos de seu território, experiência vivida apenas em 1962 na crise dos mísseis da então URSS em Cuba?
[PRA:
Obsessão securitária: quais “poderosos rivais” estão cercando os EUA?]
O mundo não é o mesmo e as estratégias não serão as mesmas, mas os EUA não ficarão de braços cruzados. Em sua expansão, a China ocupa espaços também cobiçados pelo Brasil, inclusive em áreas da cooperação militar, pois nossa indigência bélica, fruto do descaso de sucessivos governos, não nos deixa muito a oferecer. Perdem-se excelentes oportunidades para gerar empregos, receita comercial e desenvolvimento industrial e científico-tecnológico e consolidar vínculos com a América do Sul e a África.
[PRA:
Ou seja, a grandeza econômica deveria vir como consequência do poderio militar? Mas isso é o inverso da realidade. O poderio americano não vem do Pentágono, e sim da professorinha de aldeia, desde o século XVII, que forjou uma nação essencialmente produtiva e inovadora. Os EUA são poderosos A DESPEITO do Pentágono, não por causa dele.]
Entre a águia e o dragão está o Brasil com sua aspiração pela liderança regional e seus interesses no Atlântico Sul.
[PRA:
??!! Essa polaridade não tem nenhum fundamento na realidade; apenas um jogo de palavras.]
A disputa de poder no entorno estratégico brasileiro deveria ter motivado providências, há muito tempo, antes de o cenário de risco estar delineado de maneira tão clara.
[PRA:
Visão distorcida do jogo estratégico na América do Sul.]
Política exterior engloba diplomacia e defesa e estes setores do Estado não podem esperar uma ameaça passar de possível a provável para então buscar os meios de neutralizá-la. Defesa não se improvisa! Um forte poder militar confere maior robustez à política exterior, atrai alianças, dissuade ameaças e desagrava afrontas. Para alcançar tal status o governo deveria ter vontade política de queimar etapas, priorizando e fixando o investimento em defesa, e coragem para enfrentar desafios. O Brasil amargará a perda de oportunidades e patrimônio, no campo material, e de auto-estima e dignidade, no imaterial, pois será incapaz de reagir a pressões político-militares alienígenas, se não estiver no nível das maiores potências militares no lapso de uma década. A globalização, o desenvolvimento nacional e a projeção internacional colocaram o País, outrora periférico, no eixo dos conflitos entre as potências.
[PRA:
Compreende-se que um general defenda recursos para as FFAA, dentro da lógica da maior capacitação possível. O cálculo do estadista, contudo, deve focar não apenas a maior defesa possível, mas a melhor defesa comensurável com os meios disponíveis e as ameaças percebidas, reais e potenciais. Se dependesse dos militares, o orçamento militar seria compreensivelmente várias vezes maior: restaria saber para o quê, exatamente.]
As Forças Armadas (FA) procuraram, em vão, sensibilizar a liderança nacional sobre a importância de fortalecer o poder militar.
[PRA:
A sociedade, que é maior que as FA, também poderiam sensibilizar a liderança nacional para a importância de fortalecer o poder educacional, que vem antes do poder militar, ao que parece...]
A resposta foi o descaso hoje camuflado por um discurso inconsequente, pois de prático pouco se faz, e tardio, pela incerteza quanto à possibilidade de recuperar o tempo perdido. Em 2011, mais uma vez, postergou-se a aquisição de aviões de caça para a Força Aérea, que se arrasta há mais de uma década, e houve um forte contingenciamento no orçamento de defesa, com prejuízo do desenvolvimento do submarino nuclear e de projetos do Exército. A relevância das FA para a liderança nacional resume-se a missões de paz, apoio às obras do PAC e participação na segurança pública e defesa civil, ou seja, no que é marketing para o governo.
[PRA:
Nisso inteiramente de acordo: o governo petista vive de marketing, de mistificações e de engano.]
Há um descaso com o equipamento e o preparo para a defesa da Pátria, prioridade, razão de ser e identidade de qualquer força armada. Mas o descaso é também com a profissão e o militar como mostra a crescente defasagem salarial que rebaixa a carreira das armas em relação a outras de Estado e do serviço público.
[PRA:
Os salários do setor público são uma anarquia indescritível, com abusos notórios nos poderes Judiciário e Legislativo, abusos tópicos no Executivo, mas uma evidente injustiça com os militares, que estão no piso subterrâneo dessa escala salarial altamente deformada.]
O chefe militar manifesta essas preocupações pela cadeia de comando, como é sua obrigação. À presidente da República, comandante supremo das FA, cabe preservar a relevância dessas Instituições, obrigação moral e funcional de quem sabe que elas não abrem mão do compromisso com a Nação, o dever e a disciplina e que os instrumentos de pressão de outros segmentos da sociedade são inadmissíveis nas Forças Armadas.
[PRA:
o General tem razão quanto ao rebaixamento, não apenas orçamentário, que as FFAA vêm sofrendo desde a redemocratização, duplicado pelas perversões políticas dos petistas no poder, alguns notórios inimigos da democracia, amigos de ditaduras como a cubana, e no limite traidores da pátria, pelos seus objetivos não confessados. Mas, numa época de descontrole fiscal, de extensão indevida dos gastos públicos, os militares não podem se julgar isentos de participação no esforço de contenção de gastos. O que deve ser discutido são os critérios, obviamente, dos gastos públicos e não tomar as missões constitucionais das FFAA como isoladas do contexto nacional. O fato é que o governo gasta muito e gasta mal, com excesso de auto-publicidade, gastos demagógicos com o curral eleitoral do Bolsa-Família, e subsídios para todos os amigos do poder, enquanto extrai recursos dos cidadãos e das empresas compulsoriamente e abusivamente. Cabe em todo caso defender o orçamento das FFAA, mas tudo deve ser colocado em perspectiva: quanto se gasta por habitante, como correlacionar isso à renda per capita, ao PIB, e aos requerimentos específicos da defesa, sem exageros “defensistas” que todas as FFAAs exibem pelo mundo. A END é notoriamente irrealista quanto aos gastos de defesa, como se o Brasil fosse uma grande potencia estratégica com responsabilidades inclusive na estratosfera...
O mais relevante, porém, no artigo acima, é a tentativa de traçar um paralelo entre acontecimentos políticos nos países árabes, que a rigor não afetam a paz e a segurança internacionais, só trazendo problemas para os seus próprios povos, e a situação geopolítica mundial, e daí com o orçamento militar brasileiro; isso é exagerado, equivocado e contraproducente.]
Paulo Roberto de Almeida - Brasília, 7 de março de 2011
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