Protecionismo aumenta no mundo; relatorio da OMC
Diplomacia e Relações Internacionais

Protecionismo aumenta no mundo; relatorio da OMC


Países criam uma barreira por dia
Jamil Chade CORRESPONDENTE / GENEBRA
O Estado de S.Paulo, 5.09.2010

Medidas protecionistas tomadas em meio à crise já afetaram um fluxo de bens equivalente a US$ 1,6 trilhão no mercado internacional

Uma nova barreira comercial foi criada por dia no mundo desde que o G-20 prometeu que não recorreria ao protecionismo para lidar com a crise econômica, dois meses depois da quebra do Lehman Brothers, em 2008. Esse é, por enquanto, o legado da crise econômica internacional no comércio. Especialistas alertam que poderá levar anos para que essas barreiras sejam desmanteladas.

A proliferação de medidas ocorre à medida que setores continuam a patinar, acumulam dívidas e pressionam governos a tomar medidas para se proteger. De olho em votos e em manter as contas nacionais em dia, alguns governos vêm sucumbindo à pressão.

A análise é da organização Global Trade Alert, formada por alguns dos principais economistas da Europa e dos EUA e financiada pelo Banco Mundial. Segundo os especialistas, as medidas protecionistas estabelecidas por governos em meio à crise econômica já afetaram um fluxo de bens equivalente a US$ 1,6 trilhão no mercado internacional e as barreiras criadas em menos de dois anos já atingiram 10% do comércio mundial.

A avaliação obtida pelo Estado seria, segundo o grupo de especialistas, a principal prova que o G-20 não cumpriu sua promessa, feita de forma solene pelos presidentes, de que evitaria medidas protecionistas.

650 medidas. Desde novembro de 2008, quando a cúpula do grupo se reuniu pela primeira vez e declarou que não recorreria a barreiras comerciais, cerca de 650 novas medidas protecionistas foram adotadas em todo o mundo para frear importações ou incentivar a produção local para garantir maior competitividade contra bens importados.

Os dados contradizem a avaliação da Organização Mundial do Comércio (OMC), que monitorou o surgimento de novas medidas. Críticos alertam que, por ser formada pelos mesmos estados que aplicam as barreiras, a organização evitou entrar em choque com os governos.

Em um relatório publicado em junho, a organização afirmou que os governos não aderiram às medidas protecionistas como resposta à crise. Segundo a OMC, as medidas protecionistas, quando existiram, afetaram apenas uma fração do comércio mundial e estão em queda. Em outubro de 2008 e outubro de 2009, apenas 1% das importações mundiais haviam sido atingidas pelas barreiras. Neste ano, o volume seria de apenas 0,4%.

Mas dados obtidos pelo Estado mostram que o impacto das medidas é maior que se imaginava. Segundo o levantamento, 22 medidas atingiram um comércio de US$ 10 bilhões cada, incluindo os pacotes de estímulo nos EUA privilegiando a compra de produtos nacionais - o programa "Buy American".

Europa e Brasil. Segundo o levantamento, o maior número de medidas protecionistas foi adotado pela União Europeia. Entre as medidas está a distribuição de novos subsídios aos produtores de açúcar, o que provocou a irritação do Brasil diante da perspectiva de prejuízos para os exportadores nacionais.

Outros países que adotaram as medidas em grande número são Rússia, Argentina e Nigéria.

A discrepância entre os números da OMC e do grupo de especialistas é explicada pela decisão da organização multilateral de não avaliar o impacto dos incentivos internos criados pelos países e de lidar apenas com barreiras nas fronteiras.

"A contribuição da OMC está sendo superestimada. As medidas adotadas driblaram as regras da entidade", afirmou Simon Evenett, coordenador do grupo e professor da Universidade de St. Gallen na Suíça. "Os custos das promessas não cumpridas do G-20 aumentam a cada trimestre."

Crise de 29. Olivier Cadot, professor da Universidade de Lausanne, alerta que o comércio mundial apresentou a mesma taxa de contração que foi identificada em 1929, após a quebra da Bolsa de Nova York. Segundo ele, o comércio mundial sofreu uma queda acima de 10% no terceiro trimestre de 1929, seguido por uma queda de 7% no fim daquele ano. "O que ocorreu em 2009 foi muito similar. É algo para se preocupar", disse Cadot.

O que preocupa os especialistas é que o discurso protecionista não desapareceu e novas legislações estão sendo aplicadas. O país mais atingido é a China. Nesta semana mais uma polêmica foi aberta, desta vez com os Estados Unidos.

De olho nas eleições legislativas, a Casa Branca anunciou que vai desenvolver 14 medidas para lidar com a importação de bens que receberiam incentivos ilegais em seus países de origem, principalmente China e Vietnã.

A proposta é parte do esforço dos EUA de dobrar as exportações nos próximos cinco anos para gerar empregos. A meta havia sido estabelecida no discurso anual de Barack Obama no Congresso, em janeiro. A China reagiu imediatamente à medida e alertou que poderia ter "implicações muito graves" para o comércio internacional.

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O relatório da OMC, de 2010, sobre o comércio mundial pode ser visto aqui, em sua versão francesa: http://www.wto.org/french/res_f/publications_f/wtr10_f.htm
(versões em inglês e em espanhol também estão disponíveis)



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