É preciso repensar a Petrobrás
19 de abril de 2014 |
O Estado de S.Paulo
ADRIANO PIRES E PAULA BARBOSA
A delicada situação econômico-financeira e operacional que a Petrobrás vem apresentando nos últimos anos sofreu considerável deterioração com os eventos e as revelações ocorridos a partir de março. Embora a companhia apresente plenas condições para sua recuperação e retorno a uma trajetória de êxitos, é necessário corrigir a rota e promover mudanças estratégicas. Em especial, reduzir a interferência que o governo passou a ter na companhia ao longo dos últimos anos.
Refletir sobre erros e acertos talvez ajude a empresa a reencontrar seu rumo e sua vocação. De seus primórdios, em 1953, até 2004, a contagem de acertos e elementos que atraíram admiração e orgulho do povo brasileiro se sobrepõe à contagem dos erros. De 2005 para cá, no entanto, a balança se inverteu e a Petrobrás passou a ter de um cenário de céu azul para nuvens e tempestades.
Desde 2005, a companhia sistematicamente não consegue entregar a produção de petróleo nos níveis pretendidos, vindo esta a crescer apenas 10% nos últimos sete anos, de aproximadamente 1,8 mil barris diários, em 2006, para pouco mais de 2 milhões de barris diários, em 2013. Em paralelo, o endividamento da companhia cresceu vertiginosamente 260% no mesmo período, de R$ 64 bilhões, em 2006, para quase R$ 240 bilhões, no fim de 2013. Já o lucro, em moeda constante, decresceu 46% no período, para R$ 20 bilhões em 2013, revelando uma gestão que ou é falha ou afetada por fatores alheios à pura e simples boa governança.
É notório que uma grande fonte de perdas de recursos para a Petrobrás vem sendo a administração política dos preços dos combustíveis, de modo a evitar o contágio para os índices de inflação, mas produzindo uma destruição de R$ 40 bilhões, aproximadamente, de janeiro de 2010 até dezembro de 2013, valor que é subtraído do acionista e que provavelmente jamais retornará ao caixa da empresa.
O ajuste dos preços dos combustíveis é um fator indispensável e reconhecido pela própria direção da companhia, que já o propôs no fim de 2013, sem êxito, por causa da decisão do governo federal de evitar impactos na inflação e possíveis desgastes eleitorais. Enquanto essa visão do governo não mudar, a Petrobrás continuará a punir os acionistas minoritários com a sua perda de valor de mercado e a enfrentar sérios problemas em várias frentes:
nos resultados operacionais e financeiros e na avaliação das agências de classificação de risco, que recentemente rebaixaram a nota da empresa e a do País;
na totalidade da cadeia produtiva, que alcança os mais diversos setores e movimenta bilhões de reais e milhares de empregos;
e na capacidade de desenvolver o pré-sal e de se tornar uma das líderes mundiais do setor de petróleo e gás, enquanto nações como os Estados Unidos já avançam a passos largos na indústria do petróleo e do gás não convencional, ameaçando inundar o mercado com enormes volumes de hidrocarbonetos, reduzindo preços e, com isso, sufocando as aspirações nacionais de ter na Petrobrás uma líder nessa indústria.
Diante de tão críticos fatos, é necessário começar a adotar medidas precisas, austeras e corajosas.
Duas medidas já foram publicamente anunciadas pelo corpo técnico da empresa, mas a interferência do governo vem impedindo a sua adoção.
A convergência dos preços domésticos dos combustíveis com os preços internacionais é absolutamente imprescindível. A diretoria da companhia indica que isso ocorrerá apenas em 2015, ou seja, após as eleições deste ano. O atraso é um erro.
A segunda medida, anunciada recentemente pela presidente Graça Foster, consiste na priorização da curva de produção sobre o conteúdo local. Não poderia ter encontrado melhor acolhida pelo mercado. O acelerado programa de investimentos da empresa no pré-sal é absolutamente incompatível com o atual nível de exigências de conteúdo local, explícito na regulamentação vigente.
Ativos. Desinvestir (ou vender) ativos que foram adquiridos e que não têm afinidade com a vocação e foco da empresa no pré-sal é outra ação sine qua non. Entre esses ativos, as refinarias dos Estados Unidos e do Japão, hoje tarefa difícil, e outros ativos espalhados pelo mundo, adquiridos por razões incompatíveis com o momento atual.
Reestruturar o portfólio de ativos no Brasil também é imperativo. Como proprietária de dutos de transporte, plantas de regaseificação e distribuidoras de gás natural, a Petrobrás aufere baixa rentabilidade e entrega a seus clientes um serviço de baixa eficiência, que poderia ser desempenhado com melhores resultados por empresas com outro perfil, e puramente dedicadas a esses serviços.
Analogamente, não faz sentido que a Petrobrás detenha o controle da BR Distribuidora, um tipo de negócio totalmente diverso do segmento de exploração e produção, em que reside a sua vocação e no que deveria residir também o foco da Petrobrás. A oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) da BR Distribuidora se configura como um avanço na estrutura organizacional e no foco estratégico da companhia.
No exterior, grandes petroleiras de capital privado (por exemplo, Exxon, Shell, Chevron, BP, BG) iniciaram recentemente programas dedesverticalização, isto é, fazendo desinvestimentos e vendas dos segmentos com os quais têm menor afinidade e nos quais têm menor vocação, como abastecimento (refinarias) e distribuição (postos de gasolina, gás natural, dutos diversos). A elevação acentuada dos custos dessas indústrias na última década, aliada à manutenção do preço do petróleo no patamar de cerca de US$ 100,00 o barril, vem gerando contínua perda de rentabilidade e a urgente necessidade de reorganizar suas estruturas produtivas, justificando, portanto, os movimentos dedesverticalização.
Por fim, está claro que esse elenco de medidas não será posto em prática em 2014, um ano de eleições. Entretanto, é absolutamente imprescindível discutir a Petrobrás e seu futuro nestas eleições, sem demagogias e com bastante pragmatismo. A companhia, seus acionistas, funcionários, fornecedores, clientes e o próprio País agradecem.
ECONOMISTAS, SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRA ESTRUTURA E ESPECIALISTA NO MERCADO DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL
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