Crítica Antecipada Posted: 23 Apr 2012 06:52 PM PDT Paulo Werneck Rubens Ricupero, ao comentar os "tratados desiguais" firmados entre Portugal e a Grã-Bretanha em fevereiro de 1810, assevera que: Os historiadores brasileiros são unânimes em condenar os tratados, retomando os argumentos de um observador contemporâneo privilegiado, o jornalista Hipólito José da Costa, que acompanhou passo a passo as negociações nas colunas de seu Correio Braziliense, editado em Londres. A análise partia de uma verdade incontestável: não tinha sentido transplantar ao Brasil estipulações decorrentes da peculiar situação de Portugal em relação à Inglaterra pela evidente diferença das condições vigentes na colônia. Um deles foi o "Tratado de commercio e navegação entre o Principe Regente de Portugal e ElRei do Reino Unido da Grande Bretanha e Irlanda", assinado no Rio de Janeiro aos 18 de fevereiro de 1810 e ratificado pela Carta de Lei do dia 26. Crítica aos fundamentos desse tratado encontra-se na edição nº 9 do Correio Braziliense, de fevereiro de 1809, Seção Commercio e Artes, p. 129 a 133. Não era um crítica ao tratado, que não existia, mas uma análise das dificuldades de sua elaboração, já em curso, uma vez que o Príncipe Regente tinha concedido, em 7 de setembro de 1808, plenos poderes a D. Rodrigo de Souza Coutinho para ajustar um tratado de aliança e comercio com a Grã-Bretanha. Vejamos o artigo do Correio Braziliense: Extracto dos jornaes de Londres de 8 de Fevereiro. "Em uma assemblea publica, que houve a semana passada, onde se ajunctáram os Negociantes interessados no Commercio do Brazil, o Presidente informou a assemblea, de que tanto aqui, como no Brazil, se tinham obtido varios importantes objectos. Os Directores da Companhia do Mar do Sul liberalmente consentîram, em que os Ministros de S. M., no Rio de Janeiro, concedecem licenças da companhia, para a protecçaõ geral do Commercio da America Meredional. O Ministro abolio, aqui, os direitos, que pagavam os productos Portuguezes, guardados em armazéns para exportaçaõ. No Brazil concordou-se em uma nova tarifa a qual reduz concideravelmente a avaluaçaõ das mercadorias Inglezas, sobre a qual se cobravam os direitos de alfandega nos portos do Brazil; e entende-se que este regulamento terá um effeito retrogado. Estava em contemplaçaõ um systema de metter as fazendas em armazens, que seria arranjado, de maneira semelhante ao nosso: assim como se tratava de outras medidas, para pôr n'um pé mui liberal a communicaçaõ commercial com aquelle paiz. Nos estamos persuadidos, que todos estes pontos serîam comprehendidos no tratado, que se diz estar negociando o Lord Strangford com o Príncipe Regente." Alem desta informaçaõ, sabe-se, que na quella assemblea se leo uma copia da memoria apresentada, pela parte da Inglaterra, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, no Brazil, e a resposta deste Ministro, a qual parece ser escripta com mais reserva do que se esperava. Um tratado de commercio, entre o Brazil, e a Inglaterra, he uma das mais delicadas emprezas, em que pode entrar a Corte do Brazil; porque o Negociador Braziliense naõ tem precedentes, que o guiem. Os tratados que existîam entre a Inglaterra, e Portugal, éram fundados nos interesses mútuos da exportaçaõ dos artigos Portuguezes, de grande consumo em Inglaterra, taes quaes o vinho, azeite, &c. e na situaçaõ politica da quelle pequeno Reyno, que ameaçado constantemente por seus vizinhos, se vîa obrigado a solicitar a protecçaõ da Inglaterra, ainda á custa de pezados sacrificios. Estas duas razoens céssam agora; porque os productos principaes do Brazil estaõ taõ longe de terem grande consumo em Inglaterra, que saõ nella prohibidos, por causa da competencia em que se acham com as Colônias Britânicas : e quanto á situaçaõ Politica, do Brazil, este immenso território acha-se de maneira isolado pela natureza; que nenhuma potencia da terra lhe pode metter susto; nem ainda causar prejuizos consideráveis; salvo se for a Inglaterra, embaraçando-lhe o Commercio. Donde se segue que, faltando os dous principios (do interesse mutuo e do temor,) que originaram as principaes estipulaçoens dos tratados de commercio, entre Portugal e Inglaterra, naõ podem aquelles servir de norma a este tratado do Brazil. Outra difficuldade, em que se deve achar o Negociador Braziliense, he a impossibilidade de prever a vereda, que tomaraõ os differentes ramos de agricultura, ou de manufacturas do Brazil; principalmente se o tratado tiver de existir em força por muitos annos; porque, supponhamos ser um dos artigos deste tratado a admissaõ do papel de Inglaterra, avaluado a tal preço, e pagando tanto de direito, continuando o tratado em vigor por 20 annos: suppunhamos mais, que antes de cinco annos algum genio inventor descobre alguma substancia vegetal, ou mineral, capaz de fazer papel, estabelece uma fabrica no Brazil; esta fabrica deve ficar desde o seu principio arruinada pela importaçaõ do mesmo artigo de Inglaterra, que, segundo o supposto tratado, nem se pode prohibir, nem proporcionar com a fabrica interna; pela addiçaõ de novos direitos da alfandega. Supponhamos outra hypotese (mui provavel) de que varios artigos, que agora se tem de receber da Inglaterra, saõ offerecidos dos Estados Unidos a mais commodo preço: ¿será politico que o Governo Braziliense se constitua agora, na necessidade de naõ aceitar depois aquella vantajosa offerta? He logo uma das consideraçoens importantissimas do Negociador Braziliense, a probabilidade, que ha, de que taes, ou taes artigos se possaõ, com o tempo, manufacturar no Brazil, ou importar de paizes d'onde resultem maiores vantagens que da Inglaterra. Até que ponto os homens de talentos, e sciencia politica, que passáram com a Corte para o Brazil estaraõ em circumstancias de conhecer a fundo o estado actual da agricultura, e industria do Brazil, naõ se pertende por hora decidir; mas até aqui he certissimo, que as circumstancias actuaes da insdustria do Brazil eram mui pouco conhecidas em Portugal; e os productos naturaes do paiz totalmente ignorados; de maneira que por mais talentos e perspicacia, que supponha no Negociador Braziliense, se elle naõ tiver a mais profunda experiencia das produçoens do Brazil, e provável caminho, que tomaraõ os differentes ramos de industria, arrisca-se seguramente a lançar os grilhoens áquelle paiz, demaneira, que o reduza a uma se naõ perpetua, ao menos mui duradoira dependencia das naçoens estrangeiras. Mas he possível, dir-me-haõ, achar-se entre os grandes Políticos, que fôram para o Brazil, um homem, que, conhecendo a fundo o estado actual da quelle paiz, e sabendo conjecturar, com justeza, a provavel vereda, que levará a insdustria dos Brazilienses, possa comparar os males, que resultam de certas estipulaçoens commerciaes, com o bem que se pode obter das offertas, que Inglaterra fizer para sua compensaçaõ. A isto diria eu, que he possível obter de uma naçaõ taes vantagens reciprocas, que se lhe dê a preferencia, a outras naçoens, na importaçaõ de certas mercancias ; mas o pezar com exacçaõ estas vantagens he ponto de grande difficuldade. Quanto á introducçaõ de productos ou manufacturas estrangeiras, em prejuízo da industria nacional, naõ ha vantagens, que lhe sejaõ equivalentes. Quando pois aquelle paragrapho, dos jornaes de Londres, annuncia a diminuiçaõ na avaluaçaõ dos preços das mercadorias Inglezas, para o fim de se cobrarem os direitos da alfandega, e igualmente diz, que este regulamento terá um effeito retrogrado ; isto he que comprehenderá as mercadorias, que de Inglaterra fôram para o Brazil, antes dos mesmos regulamentos; naõ pode deixar de trazer á lembrança as circumstancias em que ellas daqui sahîram, o estado em que se achavam as propriedades Portuguezas detidas em Inglaterra, e muitas outras observaçoens, que a seu tempo sahiraõ a publico. A inteligencia das Ordens, em Conselho, que a Inglaterra promulgou, sobre o Commercio das naçoens neutraes, e que forma uma das queixas do Governo dos Estados Unidos, he de summa importancia, na formaçaõ deste tratado de Commercio com o Brazil; porque he certissimo, que duas naçoens podem offerecer uma a outra os mesmos artigos de um tratado, perdendo uma, e ganhando a outra. Por ora baste o que fica dicto, mas logo que o tratado sahir á luz do dia, se lhe fará a sua analyse, com aquella franqueza, e imparcialidade, que se deseja sejaõ characteristicas de Correio Braziliense. A Inglaterra pode, sem duvida offerecer vantajens ao Brazil, que nenhuma naçaõ da terra poderîa appresentar-lhes. Os Inglezes podem enriquecer-se no Brazil, fazendo felizes os seus habitantes. As sciencias, as artes, a industria, só podem passar ao Brazil da Inglaterra, no estado actual das cousas, e no caso de que os Inglezes trabalhem por communicar aos Brazilienses aquelles bens reaes, de que elles gozaõ no seu paiz, seja a gratidaõ da quelles povos igual aos beneficios, que receberem; mas aquelle Ministro, aquelle Negociador, que consente em contractos leoninos, fazendo-se objecto de escarneo de seus contrarios, merece a execraçaõ da sua Pátria. Na Coleção das Leis do Brasil de 1808 e 1809 não há nenhuma referência a qualquer redução de tributos em favor das mercadorias inglesas, mas, apenas, duas decisões, a de nº 45, de 18 de outubro de 1808, que permitiu aos comerciantes ingleses o descarregarem suas mercadorias, pagando os direitos de baldeação correntes, para aguardarem o resultado das negociações, e outra, a nº 47, de 2 de novembro do mesmo ano, explicando a anterior, ou melhor, restringindo a aplicação da mesma, de modo a preservar a arrecadação. Não havendo modificação da tarifa, ou seja, da alíquota do imposto, a matéria inglesa citada deve se referir à pauta, ou seja, à lista de mercadorias usada pelos fiscais, que determinava o quantum a ser cobrado por mercadoria, por base na avaliação dos preços correntes do mercado. Talvez os comerciantes ingleses tenham negociado com as autoridades aduaneiras e demonstrado, de uma maneira ou de outra, que os preços anteriormente utilizados para a elaboração das pautas estariam muito elevados, resultando assim na redução efetiva dos tributos a serem arrecadados. De resto, a avaliação que Hipólito fez ANTES do tratado ter sido negociado e firmado concorda com a avaliação dos historiadores, dois séculos DEPOIS... Fontes: PORTUGAL. Colecção das Leis do Brasil de 1808. Plenos Poderes de 7 de setembro de 1808. Dá plenos poderes a D. Rodrigo de Souza Coutinho para ajustar um Tratado de Alliança e Commercio com a Gram Bretenha. PORTUGAL. Colecção das Leis do Brasil de 1808. Decisão nº 45. Brazil. Em 18 de outubro de 1808. Concede aos negociantes inglezes baldeação das mercadorias que estiverem a bordo dos navios fundeados neste Porto. PORTUGAL. Colecção das Leis do Brasil de 1808. Decisão nº 47. Brazil. Em 2 de novembro de 1808. Explica o despacho de baldeação concedidas ás mercadorias inglesas. PORTUGAL. Colecção das Leis do Brasil de 1810. Carta de Lei de 26 de fevereiro de 1810. Ratifica o Tratado de commercio e navegação entre o Principe Regente de Portugal e ElRei do Reino Unido da Grande Bretanha e Irlanda assignado no Rio de Janeiro aos 18 deste mez e anno. COSTA, Hipólito José. Correio Braziliense, nº 9, fevereiro de 1809, Seção Commercio e Artes, p. 129 a 133. RICUPERO, Rubens. O Brasil no Mundo. in COSTA E SILVA, Alberto (org). Crise Colonial e Dependência 1808-1830. Rio de Janeiro: Fundación Mapfre; Objetiva, 2011 [História do Brasil Nação: 1808-2010, v. 1] |