2. A reação dos perdedores: resistência política e luta armada(ver neste link)
3. A passagem à luta armada: a insensatez em ação
Repercutia então – em torno de 1966 – a palavra de ordem de Ché Guevara que era a de “criar dois, três, muitos Vietnãs”, como forma de ajudar a guerrilha vietcong a vencer o imperialismo. Não se sabia, então, onde estava o comandante Ché Guevara, que se tinha despedido oficialmente de Cuba, e de seus cargos cubanos, desde 1965, para continuar, como diziam os líderes cubanos, sua obra de revolucionário em outros continentes. Dois anos depois ele terminaria a vida nas selvas da Bolívia, maltrapilho, faminto, entregue à sua própria sorte, já que o Partido Comunista boliviano ignorou-o.
Pouco depois, mesmo em face do completo fracasso da aventura guerrilheira de Ché Guevara na Bolívia, os grupos que se estavam se preparando para a luta armada no Brasil passaram à ação, com ataques a quarteis, atentados a bomba, assaltos a bancos (chamados de “expropriações”) e de municiamento em armas e munições, embora de forma desorganizada e improvisada, como logo se constatou. Em 1966, um dirigente do PCB, Carlos Marighella, que tinha participado das reuniões de Havana e rompido com o Partidão, criou, com alguns outros companheiros e muitos recrutas do movimento estudantil, a Ação de Libertação Nacional: esta passou imediatamente a emitir palavras de ordem no sentido de atacar os militares e outros representantes da ditadura.
Numa primeira fase se tratava de ações simbólicas, e logísticas – ou seja, de levantamento de fundos – que seriam seguidas, esperava-se, de revoltas populares e de greves de trabalhadores, que todas contribuiriam para o “acirramento de contradições” e a passagem à fase ulterior da luta, com brigadas e unidades completas armadas, que seriam capazes de vencer o exército a serviço da burguesia e do imperialismo. Em qualquer hipótese, a passagem às ações armadas se deu muito tempo antes do AI-5, de dezembro de 1968. A partir daí, em vista do recrudescimento dos ataques de grupos armados de guerrilheiros urbanos, é que ocorreu o verdadeiro endurecimento do regime militar, desafiado por ataques diretos às suas instalações, com perda de vidas dentre os seus membros.
O ano de 1968 parecia ensejar, de fato, grandes progressos para os movimentos de resistência à ditadura. A despeito da morte de Ché Guevara, na Bolívia, em outubro do ano anterior, pipocavam por todas as partes, na região e no Brasil, ações armadas que pareciam prenunciar a ascensão dos grupos guerrilheiros que iriam se lançar na “guerra” contra o regime militar. Não se percebia muito bem que, por mais espetaculares que fossem as ações do punhado de militantes que tinham decidido pegar em armas – assaltos a bancos, roubos de armas, ataques a quartéis, “justiçamento” de um “espião americano” (como o capitão Charles Chandler) ou de algum “esbirro da ditadura” –, elas não iriam levar, por si só, à formação das colunas guerrilheiras (ao estilo cubano) ou do “exército popular” (como no exemplo chinês) que conduziria os grupos guerrilheiros à tomada do poder.
A população permanecia relativamente indiferente a esses apelos à “luta armada”, e os trabalhadores já tinham preocupação suficiente com a defesa de seus salários, num ambiente inflacionário que permanecia renitentemente inercial e sustentado. A relativa intensidade dos ataques a bancos e a outros alvos táticos dava a impressão que os movimentos de luta armada estavam crescendo, quando na verdade eles apenas procuravam sustentar-se a si próprios, independentemente de qualquer debate político mais estratégico ou de ações efetivas de organização da população. A situação se inverteu rapidamente: padres dominicanos – um dos quais continua ativo e com as mesmas ideias que tinha naquela época – que serviam de contato com um dos líderes mais famosos da guerrilha, Carlos Marighella, foram presos no segundo semestre de 1969.
Poucos dias depois, mais exatamente em 4 de novembro de 1969, Marighella foi morto num “encontro” com a polícia política, encontro ao qual um dos dominicanos foi levado como “isca”. O choque foi brutal, e a partir daí o ambiente psicológico foi, na verdade, não mais de avanços na luta contra a ditadura, mas de simples busca de sobrevivência, quando os grupos existentes – bastante divididos entre si – e os seus “combatentes” procuravam, mais concretamente, encontrar meios e formas para continuar livres, e vivos, esperando alguma mudança positiva no futuro de médio ou longo prazo, ou seja, uma crise do sistema, greves operárias e levantes da população contra o regime. Nada disso ocorreu, obviamente.
A fase seguinte da guerrilha urbana foi marcada por diversos sequestros de diplomatas, apenas como forma de libertar os guerrilheiros ou opositores já presos, e submetidos a tortura, muitos deles. Se tratava de uma luta de sobrevivência, que se arrastou durante dois ou três anos mais, até a completa dispersão dos grupos de luta armada. No refluxo dos movimentos de guerrilha urbana anti-regime militar, cada um buscou as melhores soluções de sobrevivência num quadro de aumento da repressão ditatorial, de censura, de prisões arbitrárias. Essa fase coincidiu com a descoberta de núcleos rurais preparatórios a uma futura guerrilha na região do Araguaia, sob a responsabilidade do PCdoB: essa “frente” – na verdade, focos dispersos numa região de penetração muito difícil – foi desbaratada, depois de muito esforço por parte das forças do Exército, não sem novas exações e abusos por parte dos militares.
(continua...)