Editorial O Estado de S.Paulo
O necessário ajuste de contas do contribuinte com o Fisco, que deverá ser feito em março e abril, poderia ser apenas uma tarefa extra dos brasileiros com renda regular se, ao seu final, muitos que se dessem ao trabalho de fazer algumas contas não constatassem que pagarão proporcionalmente mais Imposto de Renda (IR) do que pagaram no ano anterior. Tem sido assim pelo menos desde 1996. É verdade que, hoje, o contribuinte perde para o Fisco menos do que perdia na década passada. Mas, de maneira imperceptível para muitos, a carga tributária sobe sempre.
É conhecido o mecanismo pelo qual - por omissão deliberada ou por correção insuficiente - o governo aumenta a tributação sobre a renda. Trata-se da não correção, como ocorreu entre 1996 e 2001, ou da correção insuficiente, como ocorre desde 2007, da tabela do Imposto de Renda, que define o enquadramento dos contribuintes nas diferentes alíquotas e fixa o limite de isenção.
Estudo divulgado pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) constatou que, em 16 anos, a defasagem da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) alcançou 66,4%. Ou seja, se tivesse acompanhado a inflação do período 1996-2012, descontos e isenções teriam de ser dois terços maiores.
Para a declaração a ser feita em 2013, essa tabela teve correção de 4,5% em relação à do ano anterior. Esse porcentual, que vem sendo aplicado desde 2007, é igual ao centro da meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional para balizar a política monetária conduzida pelo Banco Central.
A correção anual, mesmo que por um porcentual prefixado, é menos danosa para o contribuinte do que a inexistência de qualquer correção, como já ocorreu. Mas não é suficiente. Para ter uma ideia das perdas, basta lembrar que a inflação foi de 5,90% em 2008, 4,31% em 2009, 5,91% em 2010, 6,50% em 2011 e 5,85% em 2012. Nesse período, apenas em um ano ficou abaixo do centro da meta; nos demais, ficou bem acima.
Com o reajuste, a faixa de isenção para o recolhimento do IR passou de R$ 1.637,11 em 2012 para R$ 1.710,78 em 2013. Se, desde 1996, a tabela tivesse sido corrigida de acordo com a inflação, a faixa de isenção seria de R$ 2.784,81. A defasagem se repete, na mesma proporção, na definição das faixas das alíquotas.
Isso significa que mais pessoas são obrigadas a recolher Imposto de Renda, pois seu rendimento, mesmo tendo sido corrigido somente de acordo com os porcentuais definidos em negociações trabalhistas, ultrapassou o limite de isenção. Das que já recolhiam, muitas recolhem parcelas cada vez maiores de seus rendimentos com base em alíquotas mais altas. Em resumo, a carga tributária aumentou para todas essas pessoas.
Proporcionalmente, o efeito negativo da correção insuficiente da tabela é mais perverso para quem ganha menos. Num exemplo apresentado ao jornal O Globo (24/2) pelo diretor de Estudos Técnicos do Sindifisco, Luiz Antonio Benedito, um contribuinte com renda mensal de R$ 3 mil pagaria R$ 29,44 de imposto se a tabela tivesse sido corrigida integralmente de acordo com a inflação. Com a correção insuficiente, o mesmo contribuinte terá de recolher R$ 129,39, ou quase 340% mais. Já quem ganha R$ 100 mil pagará R$ 26.709; se a tabela tivesse tido correção integral, pagaria R$ 26.295. No último exemplo, a variação se reduz para 1,6%.
Além da correção insuficiente da tabela, as regras do IRPF impõem outras perdas aos contribuintes. Alguns limites de deduções são irrealmente baixos, como os permitidos para despesas com educação do declarante ou de seus dependentes.
Não é de estranhar que, desse modo, seja cada vez maior, proporcionalmente, o número de declarantes que, concluída a declaração de ajuste anual com o Fisco, constatam que ainda terão de recolher mais imposto. Até o início da década passada, cerca de um terço dos declarantes constatava que ainda tinha imposto a recolher depois de concluída a declaração. Hoje, mais da metade precisa recolher imposto adicional ao que recolheu ao longo do exercício.