Ministros do Supremo vao oficializar racismo no Brasil (e justificar o Apartheid oficial sendo criado...)
Diplomacia e Relações Internacionais

Ministros do Supremo vao oficializar racismo no Brasil (e justificar o Apartheid oficial sendo criado...)


Desculpem a crueza do título e a acusação premonitária, mas é o que eu acho que vai ocorrer proximamente no Brasil: racismo oficial, legal, legítimo e estimulado pelos poderes públicos, um novo Apartheid sendo instituído com toda a sanção legal dos supremos magistrados da nação (tudo com letra minúscula, claro) e para regojizo dos novos racistas, brancos, pretos, ou de qualquer outra cor...
Tenho certeza de que com a atual composição do STF -- ministros que mostraram o que pensam (ou não) em julgamentos recentes, notórios, para dizer o mínimo -- a corte suprema deste país que já não é o meu vai decidir que praticar racismo é, sim, legal e legítimo, desde que seja para reparar injustiças históricas advindas de uma situação secular de opressão de toda uma categoria de pessoas que, mesmo não tendo sido escravizadas, padecem ainda hoje de algum mal incurável que faz com que o Estado tenha de vir em seu socorro com esse tipo de medida discriminatória.
Não tenho nenhuma dúvida de que esses ministros que aí estão -- com algumas exceções, que me parecem ser a daqueles que foram indicados antes da era do Guia Genial do Povos -- votarão a favor do racismo no Brasil. Não só isso: eles justificarão, por meio de alguma argumentação abstrusa cuja fundamentação filosófica desconheço agora, mas que saberei dentro em pouco, a sua tomada de decisão como um meio, entre outros, de reparar essas injustiças históricas. Só desejo que eles durmam em paz depois de votarem. Claro, um ou outro podem sempre pensar se não estão se dobrando às conveniências do momento, ao "clamor das ruas", ao Zeitgeist, seja lá o que for, mas acredito que os preclaros ministros dessa corte algo bizarra ratificarão, em sua maioria o regime de cotas raciais, que se encaixa perfeitamente no Estatuto da (Des)Igualdade Racial já aprovado no parlamento (também com letras minúsculas), e que visa as mesmas coisas: ou seja, a construção do racismo no Brasil e a legalização do Apartheid.
Nessas horas sempre penso na minha avó italiana, que veio ao Brasil muito pequena para substituir os escravos de origem africana (alguns já nascidos no Brasil, é verdade) nas fazendas de café, cujas condições de trabalho não diferiam muito daquelas dos seus predecessores. Ela morreu analfabeta, mas tinha orgulho de meus estudos, e sempre me dizia para estudar bastante para "ficar inteligente".
Não tenho certeza, mas acho que alguns ministros do supremo não estudaram bastante...
Paulo Roberto de Almeida

A lei dos juízes
Demétrio Magnoli
O Estado de S.Paulo, 4 de agosto de 2011

Franschhoek, cidade de vinhedos e alta cozinha na província sul-africana do Cabo Ocidental, é o núcleo cultural dos descendentes dos huguenotes franceses que emigraram para a Colônia do Cabo após a revogação do Edito de Nantes, em 1685. Esses refugiados da perseguição religiosa se somaram aos também calvinistas holandeses estabelecidos na região para configurar a colonização bôer na África do Sul. Eles adquiriram escravos, se insurgiram contra a abolição da escravidão promovida pelos britânicos em 1833, participaram do Grand Trek que resultou na fundação das colônias africânderes do interior e ajudaram a sustentar as leis do apartheid, introduzidas a partir de 1949. Desde 1789, até hoje, Franschhoek celebra a Revolução Francesa, que derrubou a monarquia católica dos Bourbons.
Liberdade, para eles, significava as liberdades de falar com Deus segundo suas próprias regras e de possuir escravos. Igualdade significava, exclusivamente, o estatuto de equivalência de direitos religiosos com os católicos consagrado pelo Edito de Nantes. Não se tratava da igualdade dos indivíduos perante a lei, mas da igualdade de direitos entre distintas comunidades religiosas cristãs. Nessa acepção, a igualdade pressupunha a diferença: os nativos africanos não teriam prerrogativas de cidadania, pois não eram cristãos.
Igualdade significa coisas diversas em sociedades diferentes. Breve, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará uma ação contra o programa de cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB). O veredicto terá repercussões que transbordam largamente os limites do sistema de seleção de candidatos à UnB: estará em jogo o significado do princípio da igualdade no Brasil. A Constituição é cristalina, traduzindo a igualdade como equivalência de direitos de cidadania, independentemente de cor, raça, sexo ou crença. O sistema de cotas raciais implica a negação disso e sua substituição por um conceito de igualdade entre comunidades raciais inventadas. Mas há indícios consistentes de que o tribunal pode votar pela anulação de um dos pilares estruturais da Constituição.
O regime do apartheid costuma ser descrito como um Estado policial semifascista devotado a promover a exclusão política dos negros. De fato, ele também foi isso, mas seu traço essencial era outro. Os fundamentos doutrinários do apartheid emanaram do pensamento dos liberais Wyk Louw e G. B. Gerdener, da Universidade de Stellenbosch, que propugnaram a segregação de raças como imperativo para a manutenção da liberdade dos brancos e das culturas dos nativos. Louw e Gerdener conferiram forma acadêmica às ideias de Jan Smuts, comandante das forças africânderes na Guerra dos Bôeres de 1899-1902. Smuts promoveu a reconciliação entre os africânderes e os britânicos, antes de se tornar primeiro-ministro do país unificado. Em 1929, numa conferência proferida em Oxford, ele delineou o sentido da "missão civilizatória" dos brancos na África Austral: "O Império Britânico não simboliza a assimilação dos povos num tipo único, não simboliza a padronização, mas o desenvolvimento mais pleno e livre dos povos segundo suas próprias linhas específicas".
Louw e Gerdener devem ser vistos como precursores do multiculturalismo. Eles criticavam as propostas de criação de uma sociedade de indivíduos iguais perante a lei, que representaria a "assimilação dos povos". No lugar da "padronização" política e jurídica, sustentavam a ideia de direitos iguais para grupos raciais separados. O grupo, a comunidade racial, não o indivíduo, figuraria como componente básico da nação. É precisamente esse conceito que alicerça o sistema de cotas raciais.
Na UnB, um candidato definido administrativamente como "negro" por uma comissão universitária tem o privilégio de concorrer às vagas reservadas no sistema de cotas. Mesmo se proveniente de família de alta renda, tendo cursado colégio particular e cursinho pré-vestibular, o candidato "negro" precisa de menos pontos para obtenção de vaga do que um candidato definido como "branco", mas oriundo de família pobre e escola pública. Na lógica da UnB, indivíduos reais não existem: o que existe são representantes imaginários de comunidades raciais. O jovem "negro" funciona como representante dos antigos escravos (mesmo que seus ancestrais fossem traficantes de escravos). O jovem "branco" funciona como representante dos antigos proprietários de escravos (mesmo que seus ancestrais tenham chegado ao Brasil após a Abolição). Se o STF ornar tal programa com seu selo, estará derrubando o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.
O apartheid fincava raízes nas diferenças de língua e cultura entre os grupos populacionais sul-africanos. A classificação étnica dos indivíduos, seu requisito indispensável, derivava de realidades inscritas no passado e refletidas na consciência das pessoas. O projeto da "igualdade racial" no Brasil, cujo instrumento são os programas de cotas, exige uma fabricação acelerada de comunidades étnicas. As pessoas precisam ser transformadas em "brancos" ou "negros", a golpes de estatutos administrativos impostos por órgãos públicos e universidades. Todo o empreendimento desafia a letra da Constituição, que recusa a distinção racial dos cidadãos. O STF está perto de escancarar as portas para o esbulho constitucional generalizado.
Seria o STF capaz de corromper escancaradamente o princípio da igualdade dos indivíduos perante a lei? A Corte Suprema é um tribunal político, no sentido de que sua composição reflete as tendências políticas de longo prazo da Nação. Há oito anos o lulismo aponta os novos integrantes da Corte. O STF rejeitou a mera abertura de processo contra Antônio Palocci, que, como agora reconhece a Caixa Econômica Federal, deu ordem para a violação do sigilo bancário de Francenildo Costa. Os intérpretes da Constituição não parecem preocupados com a preservação do princípio da igualdade.



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