Diplomacia e Relações Internacionais
Mais uma morte em posto diplomatico: evitavel?; inevitavel? - dois protestos
Recebido pela internet e postado aqui, sem necessidade de qualquer comentário de minha parte, apenas como manifestação de solidariedade, pois que muitos já sabem o que, ou como eu penso a respeito disso. Não preciso de adjetivos ou palavras eloquentes para expressar minha desconformidade com o que vem acontecendo em certos postos, criados pela diplomacia ativa e altiva de certos protagonistas da fase recente.Paulo Roberto de Almeida
Addendum em 17/11/2012: A AC Berenice Ferreira, segundo laudo médico efetuado por dois médicos especialistas, aferiu que a causa de sua morte não foi provocada por malário ou febre, mas por aneurisma. Fica, portanto, descartada a razão apressadamente alegada pelo sindicato e por colegas da vítima. Ainda que ela também tivesse sido afetada por malária, se tratava de doença contraída no Brasil em fase anterior, não diretamente relacionada a sua morte.PRA
Um diplomata de muito valor, ética e coragem postou a seguinte mensagem acerca da morte da Assistente de Chancelaria Berenice Ferreira:
'Peço desculpas desde já pelo desabafo muito longo no Facebook, mas é necessário. Tudo que digo aqui - com exceção do texto que cito ao final - é de minha inteira responsabilidade e autoria. Reajam como bem entenderem, mas é algo que precisa ser dito.
Anteontem, 7 de novembro, faleceu Berenice Ferreira, servidora do Ministério das Relações Exteriores, em decorrência de malária e febre tifóide adquiridas durante missão realizada a Malabo, Guiné Equatorial.
Menos de um ano atrás, em dezembro de 2011, a Milena, minha colega de turma no IRBr, também faleceu em decorrência de malária adquirida em missão a Malabo.
Casos de profissionais da iniciativa privada ou do serviço público que sucumbem por motivos semelhantes não faltam. Milena e Berenice não foram as primeiras vítimas das intempéries várias que encontramos no serviço exterior. Infelizmente não devem ser as últimas, se virmos o que foi feito pelo Itamaraty a respeito - e principalmente o que não foi feito.
O que foi feito até agora? O MRE colocou no formulário de autorização de viagens a trabalho uma cláusula - que deve ser obrigatoriamente assinada pelo funcionário que viaja - que afirma que este funcionário está ciente dos riscos e das orientações a serem seguidas em viagens a locais com endemias e epidemias, bem como da necessidade de se consultar médicos antes e depois da viagem.
Problemas com a ideia e com a execução dessa cláusula não faltam. Implicitamente, ela busca eximir o MRE de qualquer culpa no envio de seus funcionários a locais de risco, uma vez que a responsabilidade pela prevenção (quando possível e necessária) passa a ser do funcionário. Na prática, incorre em gastos de capital e de tempo adicionais, porque se o funcionário resolve levar essa disposição a sério, acabará gastando um bom tempo para atendimento no serviço de saúde pública ou um bom dinheiro com o (horrível) atendimento da saúde particular em Brasília. O serviço de atendimento médico do MRE não tem sequer remédios para dor de cabeça ou gripe; quem dirá instrumentos para diagnóstico de malária, que são facilmente encontráveis na África e no Norte do Brasil.
Essa cláusula foi introduzida ao dito formulário algumas semanas após a morte da Milena. Não por acaso, a sensação de asco e de revolta não foi pouca.
Mas - como boa parte dos problemas relacionados à "coisa pública" e ao Estado no Brasil - isso é apenas a ponta do iceberg; apenas um sintoma de um mecanismo "decisório" há muito apontado como falho e pouco profissional.
O próprio procedimento de autorização de viagens é feito por via completamente manual. Você imprime o formulário e tem que sair caçando assinaturas de seus superiores em um processo por vezes humilhante, quando sistemas informatizados e impessoais já existem e já são utilizados por outros órgãos do serviço público brasileiro. Casos em que viagens são perdidas porque o formulário misteriosamente sumiu são inúmeros. Evidentemente, considerando que a diplomacia é uma profissão que precisa de viagens, termos - em 2012! - um sistema que dependa de carimbos e de "lobby" pessoal é, no mínimo, patético.
O processo de remoção de funcionários do serviço exterior é notoriamente complexo, pouco transparente e muitas vezes pré-arranjado. Todo e qualquer funcionário do Itamaraty, de qualquer geração, de qualquer categoria, conhece histórias de horror de pessoas que tinham qualificação e até especialização acadêmica para servir em um posto X, mas por razões de politicagem (me recuso a chamar de "política" ou "interesse da administração") acaba sendo mandado para outro posto Y. Pessoas desperdiçam estudos e esforços em prol de um melhor serviço exterior porque não há um planejamento e uma análise objetivos sobre as reais necessidades da política externa brasileira.
Seria possível escrever um livro sobre tudo isso. Mas o Itamaraty, do alto da torre de marfim na qual acredita estar empoleirado, tenta tratar disso tudo com aquela pretensa altivez romântica da diplomacia - altivez essa que já não existe há muito tempo. Todos esses problemas - os citados acima e outros tantos que quem me ler aqui e for "da Casa" saberá - são sintomáticos de uma crise seríssima de mentalidade, que poderia ser tomada em tom mais leve se não tivesse levado à morte irresponsável de duas funcionárias nos últimos 12 meses.
Ao contrário do que qualquer romântico ou aposentado disser, diplomacia - seja lá por quem seja exercida - não é sacerdócio, não é militar, não é uma casta, não é a realeza da República. É uma profissão civil. Tem suas peculiaridades, obviamente. Mas, como qualquer profissão, deve conter como elementos essenciais à sua sobrevivência duas coisas: respeito à pessoa do profissional e respeito às regras do jogo.
O que se vê no Itamaraty - não apenas hoje, embora recentemente isso tenha vindo à tona mais vezes - é exatamente o oposto: todos nós cansamos de ouvir episódios grotescos de desrespeito, de descaso, de desatenção com o trabalho alheio, de assédio moral... Ou casos de distorções das regras para benefício de poucos, aplicação seletiva de restrições, indefinições, medo de decidir...
Eu tenho muito respeito e muita admiração pelas pessoas do MRE que tentam, por todas as vias possíveis, fazer e administrar a diplomacia de um jeito diferente. Elas não poucas, algumas delas felizmente estão em posições de chefia e elas sabem quem são. Tenho ainda mais respeito por aqueles que tentam fazê-lo em ambientes insalubres e/ou perigosos, em postos em locais difíceis, ou junto a chefias que claramente perderam - ou sequer tiveram - o equilíbrio psicológico e o conhecimento necessários para exercer a diplomacia (ou qualquer outro cargo de chefia em qualquer lugar da iniciativa privada ou do serviço público). Mas é profundamente desanimador perceber que, por mais que tentamos fazer as coisas melhor, o "sistema" impede que esse avanço se consolide.
O Itamaraty só terá uma chance de ser relevante dentro e fora do País se acordar para a realidade. O processo decisório deste Ministério tem que mudar para se adaptar às reais necessidades da diplomacia do século XXI. Não é necessário desmontar a tal hierarquia que alguns da velha guarda tanto defendem; hierarquias são necessárias para a plena execução de planos e políticas. Basta apenas que essa velha guarda lembre-se de um aspecto simples de qualquer sociedade republicana: uma instituição é feita de pessoas, não de peças ou de papéis.
Não somos fungíveis. Somos profissionais. E já passou da hora do Itamaraty profissionalizar-se. Só assim para que o MRE esteja preparado para prevenir e ajudar em casos como os da Berenice, da Milena e de tantos outros.
Da minha parte, se o MRE não descer da torre de marfim, não sou eu que vou ficar.
Xxxxx
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Segue, abaixo, mensagem publicada hoje pela Erika Vanessa, amiga da Berenice, na página do MRE no Facebook.
"Venho manifestar o meu repúdio a uma situação infelizmente tão comum no MRE, mas pouco conhecida de toda sociedade. Veio a falecer uma querida colega que estava em Malabo. A Assistente de Chancelaria Berenice Ferreira faleceu em decorrência do agravamento do quadro de malária e febre tifóide adquiridos durante sua missão. Foi mandada com urgência ao Brasil e não resistiu. Muito se falou e muito se repercurtiu após o falecimento da Diplomata Milena, mas o que acontece de fato é que pessoas continuam morrendo. Servidores públicos a serviço do país continuam morrendo de graves doenças, principalmente em postos C e D no exterior. Muita coisa precisa ser mudada e repensada no tratamento dos servidores públicos a serviço do Governo brasileiro em outros países. Não se pode mais admitir tanto descaso. O apoio necessita ser integral, efetivo. Quantos mais precisarão morrer até que finalmente alguma providência efetiva possa ser tomada? Quantos mais precisarão perder a vida? Isso precisa ser divulgado para toda sociedade, para aqueles que, por desconhecimento, muitas vezes pensam que nós vivemos vida de luxo no exterior. Casos como o da AC Berenice não são divulgados, mesmo sendo o retrato da realidade. Fica aqui o meu manifesto, o meu repúdio à falta de estrutura no exterior. Queremos DIGNIDADE!"'
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