Diplomacia e Relações Internacionais
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Paulo Roberto de Almeida
O Brasil no jogo chavista
09 de janeiro de 2013
Editorial O Estado de S.Paulo
A presidente Dilma Rousseff interrompeu as férias que o seu assessor internacional Marco Aurélio Garcia passava no México e o despachou no fim do ano a Cuba para se inteirar do quadro clínico do caudilho Hugo Chávez e ajudá-la a avaliar a instável situação política venezuelana, diante das crescentes dúvidas sobre a sua recuperação depois da quarta tentativa de extirpar o câncer na região pélvica que o acometeu há um ano e meio.
Garcia esteve com os seus bons amigos Raúl e Fidel Castro, além de se reunir com o vice chavista Nicolás Maduro, príncipe regente e herdeiro designado da autocracia bolivariana. Decerto também deve ter transmitido aos interlocutores a garantia da presidente de que apoiará seja lá o que os chavistas e os seus mentores cubanos decidirem - ainda que atropelando a Constituição criada pelo próprio regime -, a se consumar a hipótese altamente provável de que o Jefe não tornará a pôr os pés no Palácio Miraflores. Afinal, sob Dilma, o alinhamento automático de Brasília com Caracas continua o mesmo dos anos Lula, apenas com menos gritaria.
Não se sabe em que medida o homem da presidente em Havana conseguiu desincumbir-se da missão. Especialistas em segredo e jogo duplo, os líderes castristas e os seus pupilos venezuelanos não devem ter corrido a abrir os corações (muito menos os relatórios dos seus serviços secretos) ao enviado brasileiro, conquanto dispense comprovação adicional a sua fidelidade ao socialismo autoritário. Mas o fato é que, mistificado pela própria ideologia - para ressuscitar uma expressão dos velhos tempos marxistas -, Garcia saiu falando pelos cotovelos, como é de seu feitio. E se pôs a dizer o que as autoridades venezuelanas deveriam ou poderiam fazer, além de pontificar sobre o que a oposição há de considerar conveniente ou não para seus interesses na pantanosa conjuntura do vizinho país. Ora deu a entender que endossa o autogolpe chavista de estender por tempo indeterminado o mandato do líder ausente, que termina oficialmente amanhã, quando deveria tomar posse para o novo período a que foi eleito em novembro último; ora mencionou que existe "cobertura constitucional" para adiá-la por até meio ano.
Ora ecoou o pretexto dos lugares-tenentes de Chávez para a manobra que reduz a posse na data prevista a uma "formalidade dispensável", ao afirmar que "Chávez sucede a si próprio, não é que um novo presidente foi eleito"; ora invocou o artigo 234 da Constituição venezuelana, segundo o qual a Assembleia Nacional pode declarar a ausência temporária do presidente por 90 dias, prorrogáveis por outro tanto, e só então, se for o caso, considerá-lo permanentemente incapacitado, com o aval de uma junta médica, o que abriria caminho para novas eleições em 30 dias.
O problema é que a letra do texto deixa claro que a norma se aplica apenas a presidentes já no exercício de suas funções - tanto que prevê, na referida circunstância, a interinidade do vice, que obviamente terá sido empossado juntamente com o titular. De todo modo, a impropriedade do assessor internacional do Planalto está muito menos no seu ensaio de exegese da Constituição de outro país do que em ele não ter se lembrado da famosa interpelação do rei espanhol Juan Carlos ao próprio Chávez: "¿Por que no te callas?".
O governo brasileiro não tem que se manifestar sobre assuntos internos alheios. Se tivesse, em situações-limite, seria apenas para expressar a certeza de que o país em questão saberá resolver seus problemas no marco da ordem democrática. Ocorre que, no plano externo, o apreço da presidente Dilma pela democracia é seletivo. Ano passado, excluiu o Paraguai do Mercosul porque o colega Fernando Lugo foi destituído pelo Congresso, com endosso da Justiça, em menos de 48 horas. O Planalto entendeu que ele não teve suficiente direito de defesa e invocou a Carta Democrática Interamericana da OEA. Fizera o mesmo quando a Justiça hondurenha removeu o presidente Manuel Zelaya, em 2009.
Mas, na Venezuela, o chavismo fará o que bem entender com a Constituição, investirá contra a oposição - acusando-a cinicamente de golpista - e não será Dilma quem objetará.
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