Espionagem e Diplomacia: afinidades eletivas?
Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questões colocadas por jornalista.
1) Os diplomatas foram muito associados à espionagem na Idade Média e Moderna. Qual seria o perfil mais comum dos "espiões" ou agentes de inteligência contemporâneos? Os diplomatas continuam ocupando a primeira fila no atual imaginário coletivo ou outras ocupações ganharam espaço?
PRA: De fato, os primeiros “espiões” (certamente não de carreira), no final da Idade Média e no início da era moderna, costumavam ser diplomatas. Os soberanos mandavam “enviados” (algumas vezes “plenipotenciários”) junto a alguma corte estrangeira, amiga ou inimiga, com o intuito principal de se manterem informados sobre os pontos fracos e fortes da potência acolhedora, o estado de suas forças militares, as possibilidades de conquista, de aliança em vista de algum outro inimigo potencial, etc.
Isso deixou de ser verdade depois do Congresso de Viena, quando começaram a ser codificadas as primeiras regras de relações diplomáticas, e quando os Estados nacionais também formalizaram serviços de inteligência que serviam aos governos, especificamente para as forças armadas, mas eventualmente também para os serviços diplomáticos. Sempre houve certa osmose entre os dois serviços de informação, com a diferença que o espião geralmente não negocia, nem representa, mas pode se apresentar como diplomata, o que confunde um pouco as coisas e torna tudo mais complicado para as chancelarias, que têm de conviver com “intrusos” não controlados diretamente por elas, que são serviços civis e burocráticos.
Os modernos serviços de espionagem – digamos EUA, URSS-Rússia e outras grandes potências – costumam atribuir status diplomáticos a seus designados no terreno, mas eles geralmente não têm nada a ver com os serviços diplomáticos, nem costumam passar suas comunicações pelo chefe da missão, possuindo canais próprios, separados da correspondência diplomática. Essa “osmose” indevida, ou essa contaminação do trabalho diplomático pelos espiões profissionais é, sem dúvida alguma, prejudicial ao trabalho diplomático, que possui regras relativamente transparentes, codificadas nos estatutos de Viena (Convenção sobre Relações Diplomáticas).
Em resumo, diplomatas profissionais não são treinados para atuar como espiões, embora seus relatórios e informações possam servir aos serviços de espionagem. Em contrapartida, os serviços de espionagem podem treinar seus agentes a se comportarem como diplomatas, pois é sob essa cobertura que eles vão desempenhar, em parte, suas funções, e é com esse status que eles geralmente escapam de serem capturados e processados pelos governos dos países nos quais atuam. Eles – ou seja, os que dispõem dessa condição – geralmente são considerados personae non gratae e expulsas sumariamente.
2) Quais são as principais mudanças nos serviços de inteligência nestes últimos anos?
PRA: Se tornaram bem mais sofisticados, sem aquele ar de James Bond que só existe no cinema, e sem mais o ranço ideológico dos tempos da Guerra Fria. Permanecem os mesmos objetos de “informação”: forças e fraquezas do país em causa, natureza do processo decisório, posições do país em questões sensíveis do relacionamento bilateral ou da agenda internacional, e agora, cada vez mais, segredos tecnológicos e competição comercial. Ou seja, os agentes ainda são os mesmos, mas as formas de atuação e as ferramentas do ofício saíram daquele terreno nebuloso dos romances de espionagem para o universo mais sofisticado da penetração nas comunicações do país visado. Algumas velhas fórmulas permanecem: compra de informantes, chantagens financeiras, escândalos sexuais, promessas tentadoras, etc.
3) Em sua opinião, por que o governo do premiê Benjamin Netanyahu aceitaria fazer uma nova troca de de prisioneiros por um israelense apenas uma semana depois da liberação do soldado Gilad Shalit?
PRA: Não tenho realmente condições de opinar, pois não venho seguindo o caso, mas me permito responder genericamente. Todo governo que possui um serviço de inteligência profissional, que é caro, tem interesse em preservar e recuperar seus agentes: eles custaram muito a serem formados, e precisam ser “rentabilizados”. Em última instância, também é uma questão corporativa e de lealdade ao funcionário dedicado e fiel (do contrário poucos seriam os candidatos ao serviço, se fossem “abandonados”).
4) Você considera que Ilan Grapel reúne os elementos para ser um agente de inteligência israelense?
PRA: Não tenho condições de responder, por não conhecer o tema e o caso em espécie, mas estimo que qualquer pessoa, por mais “inocente” que pareça, pode ser um agente oficial de espionagem. Aliás, se busca justamente alguém que tenha a capacidade de atuar sem despertar suspeitas, mas são muitos os tipos de espiões, inclusive os “dormentes”, que atuam no longo prazo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27/10/2011
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