Diplomacia e Relações Internacionais
E por falar em Cuba: passando ferias no parque dos dinossauros...
Há décadas, amigos me convidam para visitar Cuba. Não são comunistas. São pessoas que vêem algo de exótico no socialismo. Tenho um amigo francês, que nada tem a ver com o castrismo, que vai lá pelo menos uma vez por ano. Gosta de sentir-se em um museu. Carros dos anos cinqüenta, arquitetura degradada, mais o calor dos trópicos. Y las jineteras, por supuesto.
De minha parte, jamais irei a Cuba. Para ver miséria, não preciso viajar. Países socialistas, já conheço. Na Romênia, anos 80, tive uma experiência brutal do socialismo. Me consta que hoje os romenos vivem melhor. Pode ser. Mas sair do comunismo é algo que leva décadas. Sem falar que não pretendo contribuir com divisas para uma ditadura.
Nada como um dia depois do outro para rirmos um pouco. Mentira alguma foi mais prejudicial à América Latina que o mito da revolução cubana. Instalou-se na ilha uma ditadura comunista que levou os cubanos a um nível de miséria desconhecido nos dias de Fulgencio Batista. Castro alegava na época que a Cuba de Batista era um bordel dos Estados Unidos. Com Castro, o bordel internacionalizou-se. Virou bordel do mundo todo. A tal ponto que, interrogado porque as universitárias se prostituíam em Cuba, defendeu-se: “Nada disso. É que em Cuba até as prostitutas têm nível universitário”. Não estou fazendo piada. Isto foi dito pelo ditador.
Em 59, intelectuais do mundo deram apoio logístico e de mídia a Fidel e Che, para instalar a mais longa ditadura da América Latina. De Paris, um filósofo feio, baixinho e confuso veio dar seu aval ao tirano do Caribe. Uma foto da época é das mais emblemáticas: Sartre, de pescoço espichado para o alto, adorando Castro como um Deus. Em La Lune et le Caudillo (Gallimard, 1989), Jeannine Verdès Leroux nos relembra este momento de extraordinária poesia.
- Todos os homens têm direito a tudo que eles pedem - pontifica Castro. - E se eles pedem a lua? - pergunta Sartre. O ditador retoma seu charuto e se volta para o filósofo baixinho: - Se eles pedem a lua, é porque têm necessidade dela.
Pediam a lua no bestunto do ditador e do filósofo. Em verdade, os cubanos queriam dólares, pão e liberdade. Da mesma forma que a Espanha, em 36, foi um campo de treinamento para a Segunda Guerra, a América Latina era laboratório de experimentos sociais para os filosofadores europeus que, no dizer de Camus, assestavam suas poltronas no sentido da História.
Em março do ano passado, Luciana Genro convidava, via Twitter, para curso sobre a atualidade do marxismo em Porto Alegre. Comentei na ocasião:
Pode? Em pleno século XXI? Será que as notícias sobre a queda do Muro ainda não chegaram a Porto Alegre? Nem sobre o desmoronamento da União Soviética? Essa gente ainda não se deu conta do ridículo de ser marxista nestes dias? Nunca ouviram falar de Kravchenko? Das denúncias de Nikita Kruschov no XX Congresso do PCUS, de 1956? Trotskista, Luciana nunca ouviu falar de Kronstadt?
Que o pai da Genro continue stalinista, se entende. Árvore velha não se dobra. Sempre defendeu o comunismo e o stalinismo e renunciar ao obscurantismo seria negar tudo o que escreveu. Esclerose é isso mesmo, enrijecimento do cérebro. Mas Luciana Genro tinha 18 anos quando caiu o Muro. Tinha 20 quando a União Soviética esfacelou-se. Terá tapado a cabeça com um travesseiro para não ouvir o rumor do mar?
Hoje, às duas horas da matina, o clã dos Genro partiu para merecidas férias na Disneylândia das Esquerdas: Tarso e consorte, suas duas filhas e mais um neto. “Vai ser ótimo, sempre quis conhecer Cuba! – twitou Luciana -. Quando voltar conto as minhas impressões. Até!”
Serei todo ouvidos. Seu pai será certamente recebido com todas as honras pelos irmãos Castro. Em 2007, o capitão-de-mato Tarso Genro – então ministro da Justiça – mandou como regalo ao tiranete do Caribe dois pugilistas que haviam fugido da delegação cubana durante os Jogos Pan-americanos. Foram deportados para o gulag caribenho sem que tivessem cometido crime algum, a menos que fugir de uma ditadura seja considerado crime.
Mas Tarso é generoso quando se trata de proteger companheiros de ideologia. Em 2009, quando ministro da Justiça, concedeu asilo político a um terrorista foragido da justiça italiana, Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos entre 1978 e 1979. Ex-militante comunista das Brigadas Vermelhas, ele foi preso no Rio em março de 2007 e hoje vive no Rio livre como um passarinho.
Battisti viveu por mais de uma década na França, abrigado inicialmente pelo governo de François Mitterrand, sob a condição de ter renunciado à luta armada. Na Itália, foi condenado à prisão perpétua à revelia, a partir de provas fornecidas pelo depoimento de Pietro Mutti, fundador do Proletários Armados pelo Comunismo, do qual Battisti fez parte.
"A sua potencial impossibilidade de ampla defesa face à radicalização da situação política na Itália, no mínimo, geram uma profunda dúvida sobre se o recorrente teve direito ao devido processo legal", diz o texto assinado por Tarso ao justificar a concessão do refúgio. Como se a Itália contemporânea fosse uma ditadura onde um réu não tem direito à defesa. Battisti foi condenado à revelia porque estava refugiado na França, sob as asas protetoras do colaborador nazista François Mitterrand.
Tarso tem tudo para ser bem recebido em Cuba. Devolveu aos Castro dois dissidentes e deu sombra e água fresca a um terrorista italiano. Luciana também. Uma das últimas almas penadas do marxismo, a ex-deputada pelo PSOL certamente vai se sentir bem na ilha dos Castro.
Estou esperando as impressões da moça na volta da Disneylândia das esquerdas. Vai render crônica. As esquerdas tupiniquins até admitem criticar Moscou. Mas Havana continua intocável.
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