Hoje, dia 19 de janeiro de 2014, o Valor Econômico fez uma excelente matéria sobre a dificuldade de o governo cortar os gastos para gerar uma economia adicional de 50 bilhões. Eu fiz algumas simulações na noite de sexta-feira para o jornal e mostro que, deixando de lado os gastos sociais, o espaço para corte é muito pequeno.
O custeio administrativo no ano passado (sem incluir aqui a compensação pela desoneração da conta de luz) , pelo SIAFI, foi por volta de R$ 71 bilhões. Essa conta exclui o custei de todas as funções sociais (previdência, assistência social, trabalho, educação e saúde). Assim, essa seria o universo potencial de corte preservando os programas sociais e o investimento público.
Tabela 1 - Estrutura da Despesa Não Financeira do Governo Federal - 2013
Fonte: SIAFI. Elaboração: Mansueto Almeida
OBS:   1/ Não inclui distribuição de receita (elemento 81). 2/ Investimento: GND-4 + GND-5 - Elemento 66 (empréstimos).  3/ Minha Casa minha Vida: Elemento 66  do Ministério das Cidades: integralização das cotas do FAR.
OBS: Os dados da tabela acima do SIAFI são um pouco diferentes da tabela do Tesouro. Por exemplo, a conta de pessoal tem obrigações patronais e a tabela não inclui despesas do Banco Central. 
Mas há um problema. A conta na verdade é menor porque desses R$ 71 bilhões,  há ainda algumas contas que são difíceis de cortar:  (i) sentenças judiciais = R$ 10 bilhões;  (ii) Indenização e restituição = R$ 2,9 bilhões; (iii) Compensação ao RGPS = R$ 9 bilhões. Assim, o universo do custeio exclusive social que a tesoura poderia trabalhar seria  R$ 48,9 bilhões. Se cortar metade, o que acho impossível porque teria que parar a execução de vários programas, economizaria menos de R$ 25 bilhões.
Que droga! droga mesmo! E que tal passar a tesoura nos investimentos públicos? sim, fizemos isto em 1999 e 2003, anos nos quais houve aumento da meta de superávit primário. Mas 1999 e 2003 foram anos de início de governo e, assim, fica mais "fácil" cortar o investimento. Em ano de eleição não acredito nisso e adoraria estar equivocado.
Pelos meus cálculos, em 2013, a despesa primária cresceu em mais de R$ 100 bilhões e o crescimento do investimento público do governo federal (mesmo com o Minha Casa Minha Vida) deve ter sido de apenas R$ 5 bilhões - vai cair com % do PIB. Querem cortar ainda mais em um ano eleitoral? Como diriam os americanos: "good for you".
O que resta então fazer em 2014 para garantir um superávit primário real de 2% do PIB? Aqui mora o problema. Se não fosse ano eleitoral ,eu apostaria em reversão das desonerações com aumento da carga tributária e corte de investimentos. Mas em ano de eleição ........
Por que não cortamos o gasto social? primeiro porque esse gasto é difícil de cortar de um ano para o outro. Na saúde o espaço para corte é "zero". Nos programas de transferência de renda a possibilidade de corte é "zero" porque envolve mudança de regra que não há mais tempo hábil para ser feito. Resta a educação e aqui de fato há, teoricamente, espaço para corte. Mas acho dificílimo como explico abaixo, ainda mais que essa é uma das vitrines do governo federal (independentemente da qualidade).
O corte na educação: é possível? 
Na educação há teoricamente um espaço grande para corte, pois  a obrigação constitucional é que o governo federal gaste 18% de suas receitas de impostos liquidas de transferência com a manutenção e desenvolvimento do ensino, o que seria R$ 49,5 bilhões em 2014 (de acordo com a receita projetada).
Pela proposta de 2014, o governo planeja gastar R$ 82,4 bilhões, o que seria equivalente a 30%, de suas receitas de impostos liquidas de transferência, muito acima do limite mínimo constitucional. Mas vai cortar exatamente o que?
Nos últimos anos, além dos programas Prouni e FIES, que fizeram a alegria das universidades privadas e de alguns fundos de investimento, o Governo Federal aumentou muito o investimento em educação que em um período subsequente se transforma em aumento de gasto de pessoal e custeio. Quem vai dar aulas nas novas escolas técnicas e nas novas universidades que foram construías? e os demais programas que envolvem transferencias para estados e municípios?
Se analisarmos as subfunções do orçamento da educação para 2014, 62% dos R$ 82,4 bilhões referidos acima, ou R$ 50,7 bilhões, estão distribuídos em apenas três subfunções: (i) ensino profissional (R$ 10,6 bilhões); ensino superior (R$ 26,2 bilhões) e transferências para educação básica (R$ 13,9 bilhões). Mas mesmo no caso (i) e (ii) seria difícil cortar e explico porque.
Primeiro, o gasto com ensino profissional no ano passado foi de R$ 9,4 e com ensino superior R$ 24,9 bilhões. Assim, o orçamento para este ano representa um crescimento de apenas R$ 1,2 bilhão para o ensino profissional e de R$ 1,3 bilhão para o ensino superior. Assim, se cortar todo o crescimento economiza R$ 2,5 bilhões. O corte teria que ser maior e portanto o governo arcar com corte nominal na execução do ano passado.
Segundo, 42% do orçamento do ensino profissional e 52% do orçamento do ensino superior é com gasto com pessoal. Esse é um gasto difícil de cortar de um ano para o outro. Daria para cortar custeio mas vai enfrentar resistência e o investimento nessas subfunções é pequeno: 10% do orçamento. Mas se cortar todo o investimento teria uma economia perto de R$ 4 bilhões. Ou seja, se cortar todo o investimento e o crescimento esperado no ensino técnico e superior dá uma economia de R$ 6,5 bilhões.
OK, é muito pouco. Que tal então passarmos a tesoura no básico: transferências para educação básica (R$ 13,9 bilhões)? por favor, me deixem fora dessa parada.
Conclusão
Em resumo, o governo vai ter que tirar um ou dois coelhos da cartola para garantir o superávit primário de 2% do PIB em 2014. Estou torcendo para que eles consigam ver algo que não estou enxergando.
O que acho que seria mais salutar é encarar o problema de frente. Falar claramente para o mercado que, em 2014, o primário será menor mas que a trajetória será revertida a partir de 2015. Mas isso teria que ser feito de uma forma muito cuidadosa e com algum sinal de real de melhora para 2015. algo que o governo reluta em fazer.
Tudo isso é muito difícil, mas não precisa se preocupar, pois há economistas do governo falando que as condições macroeconômicas estão muito boas. E os juros reais de mais de 7% nas NTN-B longas? Bom, os economistas do governo vão culpar o Bacen. Eu não quero culpar ninguém porque ontem comecei fazer análise para me tornar um economista bonzinho e menos nervosinho. Por enquanto, vou culpar os astros.