Miriam Leitão fez duas excelentes colunas no Jornal O Globo sobre o debate que tivemos no seu programa na Globo News junto com Gil Castello Branco, secretário geral do Contas Abertas.
A coluna de ontem no jornal o Globo foi sobre custo fiscal anual das operações do Tesouro Nacional com o BNDES (bolsa empresário) e a de hoje é sobre investimento público (investir pouco e mal). Recomendo a leitura das duas, pois são ambas bons resumos do debate que tivemos no programa.
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COLUNA NO GLOBO, 16/08/2013
‘Bolsa empresário’
Os empréstimos do Tesouro aos bancos públicos, especialmente BNDES, pularam de R$ 14 bilhões para R$ 438 bilhões. Como o Tesouro se endivida a uma taxa muito maior do que vai receber, o subsídio escondido nessa operação já é de R$ 24 bilhões por ano. Esse é o tamanho do “bolsa empresário”, que é equivalente à Bolsa Família. E o BNDES está neste momento pedindo mais empréstimos ao Tesouro.
No programa da Globonews, convidei dois economistas que olham de forma minuciosa as contas do governo: Gil Castelo Branco, da organização Contas Abertas, e Mansueto de Almeida, que trabalha no Ipea, mas não fala pelo órgão. As observações que faz são em caráter pessoal. É assustador saber os detalhes do que está sendo feito com o nosso dinheiro e comprometido em nosso nome.
Para Mansueto, o Brasil está fazendo uma agenda positiva, com as concessões, mas da forma errada. O BNDES está emprestando mais, porque o Tesouro está se endividando, e não porque ele tenha aumentado sua capacidade de financiamento. O marco regulatório não está claro, o governo tem fixado taxa baixa de retorno e, para compensar, aumenta o subsídio através do crédito, mas sem transparência sobre os custos embutidos.
Os empréstimos do Tesouro aos bancos públicos saíram de 0,4% do PIB em 2007 (R$ 14 bilhões) para 9,6% do PIB (R$ 438 bilhões hoje). Do total, 90% foram para o BNDES. Do resto, a maior parte foi para a Caixa.
Quanto custa isso para o contribuinte? Só uma parte desse preço está registrada e, mesmo assim, o governo diverge de si mesmo. Existem dois tipos de subsídio: o que o banco empresta abaixo da TJLP por determinação do governo e, por isso, recebe uma compensação do Tesouro a título de “equalização de juros”; e o que ele empresta a TJLP mais o spread, que também gera custos, mas não são contabilizados.
— No “restos a pagar”, o governo admite que deve R$ 6,3 bilhões ao BNDES a título de equalização de juros, mas o BNDES, no seu balanço, registrou que tem a receber R$ 12 bilhões — diz Mansueto.
Há essa discrepância, mas pelo menos nesse tipo de empréstimo, há um registro do subsídio. A maior parte dos empréstimos do banco é a TJLP mais 1%. Como o Tesouro se endivida a juros maiores, há um custo também, só que não contabilizado.
— O TCU fazia a conta desse custo global, mas mudou o critério de uma hora para outra. Teoricamente não se sabe, mas é possível calcular: o custo médio do financiamento do Tesouro foi, no ano passado, de 10% e a TJLP foi 5%. O estoque desses empréstimos em 2012 era de R$ 400 bilhões (agora já é de R$ 438 bilhões). O Tesouro pagou na sua dívida 10% e receberá do BNDES 5% de juros. Calcule-se essa diferença sobre o estoque de R$ 400 bilhões e dá R$ 20 bilhões por ano. Se forem somados os R$ 4 bilhões por ano que o Tesouro tem que pagar na equalização de juros, o custo da “bolsa empresário” é de R$ 24 bilhões por ano, igual à Bolsa Família — calcula Mansueto.
É bom lembrar que o programa Bolsa Família beneficia 13,7 milhões de famílias, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social.
Gil Castelo Branco está preocupado com a confusão dos números brasileiros. Hoje, cada investidor, banco, economista faz sua própria conta sobre as contas do Brasil.
— Eu não sei a quem o governo pensa enganar. Um fundo de investimento com seus bilhões de dólares que queira investir no Brasil vai querer saber detalhadamente tudo: em quanto os dividendos das estatais estão sendo superestimados, qual é o verdadeiro superávit primário, de quanto seria a inflação se os preços das tarifas públicas não fossem represados, quanto o dólar vai impactar. E hoje não se tem clareza sobre nada disso — diz Gil.
Mansueto lembra que se o investidor não acredita nos números, se ele acha que há gastos escondidos que vão aparecer um dia, ele exige mais taxa de retorno para investir no Brasil. Conto amanhã mais erros nas contas públicas.
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COLUNA NO GLOBO, 17/08/2013
Investir pouco e mal
É desanimador olhar as contas do governo, com a ajuda de especialistas. O economista Mansueto de Almeida avisa que a despesa primária do governo cresceu 13%, ou R$ 49 bilhões, no primeiro semestre e o investimento teve um ligeiro aumento nominal de apenas 1%, ou R$ 333 milhões. Gil Castelo Branco conta que até julho o governo investiu apenas 27% do que está no orçamento.
Gil diz que o DNIT investiu R$ 400 milhões a menos do que no ano passado, em parte por causa da greve de um mês do órgão. Ele afirma que este ano tem sido uma enorme frustração.
— No orçamento foram previstos R$ 91,2 bilhões de investimentos, e até julho só foram aplicados R$ 24 bilhões, sendo que dos R$ 4,5 bilhões, R$ 1,9 bilhão são de compras no exterior que não geram impacto na cadeia produtiva — afirma o secretário-geral da organização Contas Abertas.
O investimento público ajuda a estimular o investimento privado. Mansueto diz que o Brasil é o país que todo empresário estrangeiro demonstra interesse em apostar no setor de infraestrutura. Ainda assim há reticências.
— A gente deveria estar preocupado com o que está travando o investimento. Somos um país de US$ 10 mil de renda per capita e uma carga tributária de 35%, alta para o nosso nível de desenvolvimento. O investimento público federal é de 1,1%; em 2002 era mais ou menos isso. O público total (federal, municipal, estadual) era de 2,5% em meados da década de 90 e continua no mesmo nível. Só que em meados de 90, a carga tributária era de 26% e agora é de 35% — lembra Mansueto.
O governo arrecada muito, investe pouco, eleva o gasto e escolhe mal onde investir.
— Em dez anos, o governo investiu R$ 9,8 bilhões em saneamento básico, rural e urbano, num país em que metade das casas não tem coleta de esgoto. O trem-bala custará R$ 38 bilhões. Com os estádios padrão Fifa gastou R$ 7 bilhões; com a transposição do Rio São Francisco, que acabaria com a seca do Nordeste, foram gastos desde 2005 R$ 4,2 bilhões. Essas opções precisam ser mais bem discutidas — diz Gil Castelo Branco.
Precisam mesmo. Vários especialistas sustentam que a transposição não atingirá o objetivo e, além disso, a obra está parada no meio do caminho. Ficando assim, tanto os estádios quanto a transposição e o trem-bala foram ou serão escolhas erradas com o parco dinheiro do investimento.
Há outros problemas nas contas públicas, explicaram os economistas que entrevistei essa semana na Globonews. Gil alerta que está havendo um retrocesso de dez anos na transparência do Orçamento Geral da União. Primeiro, as ações que estão registradas no Plano Plurianual não têm correspondência com os nomes registrados no orçamento. Segundo, os nomes dos programas do OGU foram englobados em “iniciativas” e isso impede que os especialistas calculem o gasto por segmento da sociedade.
— Diminuíram os programas que estavam em categorias específicas. Antes, era possível fazer subextratos do orçamento e saber quanto era o orçamento mulher, orçamento criança. A Cfemea (ONG feminista) sempre fez isso. Estamos em agosto, e ela ainda não conseguiu calcular. Nós fazíamos a conta para a Unicef, e não estamos conseguindo. Diminuiu a transparência — diz Gil.
Mansueto afirma que há uma contradição. Para criar uma despesa não continuada é fácil, mas um investimento permanente é difícil.
— É mais fácil fazer um trem-bala do que aumentar o investimento em educação em R$ 100 milhões — diz Mansueto.
O governo está gastando muito, investindo pouco, mal, e minando a confiança nos indicadores fiscais. Difícil haver mistura pior.