Por que sumimos da campanha americana?
Marcelo Coutinho
Folha de S.Paulo, 9.11.2012
Nosso poder militar não assusta nem Honduras. A influência do Brasil viria da legitimidade das suas bandeiras. Mas em épocas nervosas ninguém liga para isso
Acabou a eleição norte-americana para presidente. O Brasil não apareceu em nenhum momento da campanha. Obama nem Romney se lembraram do nosso país. Ficamos invisíveis ou o que foi que aconteceu?
Poucos anos atrás, éramos tratados como uma das grandes estrelas em ascensão. Na disputa de 2008, os candidatos democrata e republicano citaram o Brasil em mais de uma oportunidade, inclusive no debate sobre política externa. Agora nada, nem uma palavrinha, mesmo quando tantos brasileiros correm para fazer compras em Nova York.
Não é de todo ruim desaparecer das preocupações de Washington. Afinal, eles costumam prestar mais atenção a quem dá sérios problemas, como o Irã. Não é o nosso caso.
Os políticos americanos certamente não mudaram muito em relação à América Latina. Fora do radar, continuam sem saber o que fazer com ela. Mas com a Europa indo a pique e a Ásia crescendo, os olhares se voltaram para o Pacífico. Por isso, é natural que o futuro presidente dos EUA se interesse mais pela China do que pelo vizinho do Atlântico Sul. Mas o silêncio absoluto quanto ao Brasil parece um megafone de significados. O Brasil mudou para pior desde as últimas eleições nos EUA.
O governo brasileiro há anos incorre em uma "misperception", uma interpretação completamente equivocada da realidade. Ele acreditou em um conto de fadas, superestimando suas próprias capacidades internacionais.
Mais uma vez, como viemos fazendo desde o fim da Primeira Guerra, o Brasil teve certeza de que a cadeira fixa no Conselho de Segurança da ONU era sua, de que era o pivô da solução para conflitos históricos no Oriente Médio e que progredia "pari passu" às potências orientais.
A realidade se mostrou bem diferente disso tudo.
Nem sequer a elite paraguaia levou o Brasil em consideração antes de destituir Fernando Lugo. E Brasília sequer tomou parte da mediação definitiva no conflito colombiano, a última guerra da América do Sul, o que foge de todas as nossas melhores tradições diplomáticas desde Rio Branco. Um espanto.
Alguns poderiam argumentar que seriam os EUA que não fazem uma leitura correta e negligenciam o Brasil. Isso pode ter uma parte de verdade, mas não explica porque vizinhos sul-americanos não nos priorizam nem porque os investimentos e o crescimento econômico brasileiro viraram fumaça. Tampouco explica porque não alcançamos nossos objetivos de política externa.
As nossas estruturas militares não assustaram nem a pequena Honduras no episódio da embaixada. O risco de o porta-aviões São Paulo quebrar antes de alcançar o mar do Caribe seria um risco que não suportaríamos.
Somos a sétima economia do mundo, mas isso pode muitas vezes se resumir a uma conta cambial sem maiores impactos sobre a ordem internacional.
Uma questão importante é saber o quão distantes estamos das grandes potências EUA e China, e quais as chances que temos de influenciar o comportamento de outros de modo a atender os nossos interesses. Alguns caças a mais apenas nos equipararão ao Chile, e qualquer coisa que pareça cara de mais destoaria da precariedade das nossas escolas e hospitais.
Ainda não nos conscientizamos que a força do Brasil não está no mundo realista, medido pelo alcance das armas. Nossa força será tão maior quanto mais próximo o mundo estiver de uma verdadeira sociedade global, pois assim a influência é dada pela legitimidade do que dissemos e queremos, e não pelo que amedrontamos.
A projeção brasileira no mundo sempre esteve menos associada à ideia de projétil do que à de "soft power", de poder das ideias, cultural, dos valores. O problema é que esse poder suave, definido pelo cientista político americano Joseph Nye, não funciona em tempos de escassez e beligerância iminente como os de agora. Daí a indiferença das eleições americanas em relação a nós.
De um novo eldorado, fomos distinguidos agora pelo dom da invisibilidade. Inventaram um gigante sem altura, uma potência sem poder.
MARCELO COUTINHO, 38, é professor de relações internacionais do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
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