Diplomacia e Relações Internacionais
Brasil: nao perde oportunidade de perder oportunidades...
O título merece uma correção. A frase é de Roberto Campos, o genial diplomata maldito entre os diplomatas -- por ter concepções totalmente divergentes da maioria dos outros diplomatas, uma espécie de Raymond Aron numa (Santa?) Casa recheada de Sartres... -- que não queria obviamente referir-se ao Brasil enquanto tal, uma vez que países não possuem vontades próprias e sim os dirigentes que -- feliz ou infelizmente -- os governam temporariamente.
De fato, o Brasil é um país que tem perdido muitas oportunidades, como revelado ainda neste artigo do maior cientista "energético" brasileiro, um homem com experiência e longevidade suficientes para confirmar tudo o que escreveu, inclusive a informação (que espero não estar errada) de que desde 1973 o Estado de São Paulo já apoiava a fabricação de motores flexfuel (ele devia ser secretário de tecnologia nessa época, talvez).
O fato é que o governo dos companheiros, depois de um repente de lucidez no comecinho, ao impulsionar a produção e exportação de etanol, e ao pretender transformar o Brasil no grande país das energias renováveis -- o que é o certo e já estava sendo feito anteriormente, ao ter o governo anterior colocado o programa do alcool combustível em corretas bases de mercado -- despencou, logo depois, para uma série de políticas insanas, ao estabelecer um programa totalmente irracional de biodiesel, misturando matriz energética e preocupações sociais (e ao impor uma lei sem qualquer sustentação econômica), e sobretudo a partir da descoberta das reservas do pré-sal, quando o governo finalmente descambou para a irracionalidade total, provocando a confusão que aí está em torno dos royalties, do preço da gasolina e muito mais, com suas diretrizes alucinadas em relação à Petrobras.
O Brasil está perdendo oportunidades, e pode se atrasar décadas, com prejuízos totalmente dispensáveis se a lucidez predominasse. Mas esse é um artigo raro em Brasília.
Paulo Roberto de Almeida
Uma oportunidade histórica perdida?
O Estado de S.Paulo, 18 de março de 2013 | 2h 04
José Goldemberg *
A História está cheia de exemplos de que uma escolha errada tem consequências funestas e uma escolha certa produz milagres. O grande desafio é fazer as escolhas certas - e o próprio conceito de "governar" significa escolher entre as opções disponíveis.
O governo brasileiro, em pleno regime militar, fez em 1975 uma escolha de grande sucesso, que foi lançar o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), o único combustível, existente até hoje, capaz de substituir a gasolina em grandes quantidades, com as características que todos desejam: ser economicamente competitivo e renovável, isto é, sem os problemas que caracterizam os combustíveis fósseis.
O programa sofreu muitos tropeços ao longo dos últimos 35 anos, mas sobreviveu. E chegou a substituir 50% da gasolina que seria consumida no País se ele não existisse.
As expectativas de expansão da produção de etanol da cana-de-açúcar no Brasil sempre foram bem fundadas. Ele poderia ser exportado para os Estados Unidos, onde o uso do milho para produzir etanol não tem as vantagens econômicas e ecológicas do nosso álcool de cana. Tampouco dispõem de tais vantagens os países da Europa, que usam beterraba e outros produtos e nos quais o etanol é mais caro. Não é de admirar, pois, que esses países tenham adotado medidas protecionistas que impediram a conquista do seu mercado interno pelo etanol brasileiro.
Sucede que as barreiras adotadas pelos Estados Unidos já caíram. E as europeias vão acabar caindo também, porque simplesmente não há condições geográficas e climáticas para produzir grandes quantidades de etanol na Europa. O Brasil poderia, portanto, ocupar o espaço deixado pelos Estados Unidos.
Com a tecnologia existente atualmente, somente etanol produzido da cana-de-açúcar, em países tropicais, pode atender às necessidades de combustível renovável. Novas tecnologias, as de segunda geração, poderão mudar esse quadro. Isso, contudo, levará alguns anos. Até agora os trabalhos nessas áreas estão sendo testados em diversas plantas-piloto, que não se mostraram ainda economicamente viáveis e em alguns casos, até mesmo tecnologicamente inviáveis.
Além disso, a produtividade em litros de álcool produzidos por hectare da tecnologia em uso no Brasil tem aumentado sistematicamente em cerca de 3% ao ano desde 1980, o que é realmente extraordinário. Novos ganhos de produtividade são ainda possíveis. Não é preciso esperar pela segunda geração para competir.
Há, pois, uma janela de oportunidade para o etanol do Brasil e de outros países com clima adequado e terra abundante, o que significa, principalmente, a África abaixo do Saara e alguns países da América Latina. Apenas para dar um exemplo, a União Europeia acaba de sobretaxar a importação de etanol dos Estados Unidos - cerca de 600 milhões de litros por ano - para proteger sua indústria. Essa sobretaxa não se aplica ao Brasil, que poderia facilmente conquistar esse mercado.
Os países da Europa e os Estados Unidos acabarão por se render à evidência: produtos tropicais são produzidos nos trópicos, mas podem ser importados e comercializados pelas empresas europeias e norte-americanas. Isso é verdade desde os tempos da Roma imperial, 2 mil anos atrás, quando o trigo consumido na Itália, produto essencial para o Império, era produzido no Norte da África, que na época era bem mais fértil do que é hoje. Parte da riqueza do Império Britânico veio da produção de chá na Índia - que não era produzido na Inglaterra, mas era comercializado pelos ingleses.
Isso é o que deve acontecer com o etanol da cana-de-açúcar. Existem no mundo mais de cem países produtores de açúcar (usando cana), a maioria na África e na América Latina, e eles poderiam com relativa facilidade usar parte da produção de cana para produzir etanol. Aos poucos isso está ocorrendo na Colômbia, em Angola, Moçambique e vários outros países. Neles é que existe uma grande oportunidade de expansão e o governo brasileiro precisa acordar para ela.
Quando houver muitos produtores, o etanol se transformará numa commodity, como é o açúcar, e contratos de fornecimento a longo prazo - que são raros hoje - passarão a ser a norma. Para não perder a oportunidade histórica de liderar a adoção do etanol da cana-de-açúcar como substituto da gasolina no mundo o governo brasileiro precisa, contudo, remover com urgência os obstáculos que estão asfixiando a sua produção, no momento, como o congelamento do preço da gasolina desde 2007, o que viola as mais elementares regras de uma economia de mercado.
Que a Venezuela, que é um grande produtor de petróleo, o faça, em nome de beneficiar sua população mais pobre, é até compreensível. Mas importar gasolina a preços internacionais de hoje e vendê-la a preços de 2007 é irracional. E a Petrobrás está pagando caro por isso.
O Programa do Álcool no Brasil já enfrentou outros percalços no passado, como o de não ser capaz de abastecer os carros usando etanol puro - em motores especialmente construídos para tal no nosso país -, o que quase destruiu o programa quando o petróleo baixou de preço. O desenvolvimento de motores flexfuel, cuja introdução no mercado foi entusiasticamente apoiada pelo governo do Estado de São Paulo, em 1973, resolveu, todavia, esse problema.
As dificuldades que o setor enfrenta agora, entretanto, são de âmbito nacional e só o governo federal pode resolvê-las. Ao fazê-lo, ele estaria tomando uma decisão histórica: hoje mais energia renovável é produzida como o etanol do que com qualquer outra opção - eólica, fotovoltaica, geotérmica ou solar.
O programa brasileiro de etanol não representa o passado, mas o futuro.
* José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo.
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