Brasil: grande crescimento da presunção econômica - Ilan Goldfajn
Diplomacia e Relações Internacionais

Brasil: grande crescimento da presunção econômica - Ilan Goldfajn


ENTREVISTA ILAN GOLDFAJN
A pior bolha que ameaça o Brasil é a da presunção
SAMANTHA LIMA
Folha de S.Paulo, 20.07.2010

Economista-chefe do Itaú-Unibanco, Ilan Goldfajn, diz que perigo é achar "que não precisamos mais de reformas e que seremos a bola da vez sempre"

RIO - Nada de bolha imobiliária ou do consumo. Para o economista-chefe do Itaú-Unibanco e ex-diretor do Banco Central, Ilan Goldfajn, a maior ameaça à economia brasileira é achar que o crescimento nos livra da necessidade de avançar nas reformas fiscal, previdenciária e trabalhista.
"A bolha que nos ameaça é a da presunção. Não seremos a bola da vez sempre." Segundo ele, é possível aumentar rapidamente o investimento em 2011, mas, para o país crescer, é preciso também reduzir a burocracia. Goldfajn vê poucas chances de retrocesso na independência "de fato" do BC, seja qual for o candidato que vencer as eleições. A seguir, trechos de entrevista à Folha.

Folha - O sr. acha, assim como o FMI, que o Brasil crescerá abaixo dos emergentes em 2011?
Ilan Goldfajn - O mundo procura alguém para consumir. Emergentes têm mercado consumidor. É o mesmo na China, na Índia. Os recursos entrarão para financiar o investimento. China e Índia crescem mais porque não temos capacidade de investir tanto. Não temos poupança.

Como aumentar rapidamente a taxa de investimento dos atuais 18% do PIB para 25%, necessários ao crescimento sustentável?
Dá para ir para 22%, sem reformas, em 2011. Isso implica um ajuste no governo em 1% do PIB, realocando esse volume, de gastos para investimentos. E permitindo maior deficit em conta-corrente [troca de bens, serviços e rendas do país com o mundo], com algum limite. Não dá para ir para 25% porque temos limitação de oferta na capacidade produtiva.
Se fizer mais reformas, é possível conseguir até sem deficit externo. Aí nosso crescimento iria de 4% ou 5% ao ano para 6% ou 7%. Precisamos melhorar o ambiente de negócios, reduzir a burocracia, que trava o crescimento. Não se fala nisso porque é como obra em encanamento: é bom para todos, mas ninguém vê.

O sr. vê alguma ameaça à economia brasileira?
A ameaça vem de fora. A Europa ainda tem risco. Não vejo risco no sistema imobiliário. A alta de preço é isolada. As pessoas compram casa para morar, não para especular. A bolha que nos ameaça é a bolha da presunção, achar que já conquistamos o mundo, que não precisamos de reforma, que seremos a bola da vez sempre.
Temos muitos problemas: infraestrutura, educação, burocracia, impostos. Ainda somos o décimo pior país em distribuição de renda.

Temos pela frente Copa, Olimpíada, pré-sal. O que fazer para evitar que se gaste e sobrem elefantes brancos?
Temos que evitar fazer tudo de última hora. Veja os aeroportos. Há dois anos discutimos, tem gente que acha ruim privatizar. Ruim é não ter aeroporto. Se fizermos tudo minimamente estruturado, dá para fazer coisas que fiquem.

A desaceleração da economia, depois de o PIB ter crescido 9% no primeiro trimestre, é definitiva?
O segundo trimestre foi mais fraco. O mundo se desacelerou, o consumo de commodities, as exportações, o investimento, mas isso vai mudar. No Brasil, o consumo arrefeceu porque as pessoas perderam temporariamente a vontade de comprar e a isenção de IPI acabou. Agora, isso vai se reverter, porque as pessoas têm renda.

A taxa básica de juros voltou a subir, para segurar a inflação. Podemos sonhar com taxa de novo abaixo de 10%?
Mas estamos avançando. Tínhamos juros de 45% em 1999. Vai cair, mas não amanhã. Sem reformas, levaremos de cinco a dez anos; com reformas, cinco.
O mercado vai pensar: "O governo terá menos deficit, logo os juros vão cair". Aí compra títulos de longo prazo com juros mais baixos, antecipando a queda.

O senhor identifica risco de o mundo mergulhar de novo em uma crise em 2011?
Não. Nos EUA e na Europa, não vai haver recessão nem crescimento como antes. Depois da crise, o crescimento foi rápido e não se manteve, aí veio decepção. Não sejamos bipolares. O que tinha antes era bolha, percepção de riqueza inexistente.
Estamos em uma parada para respirar. Os europeus estão rolando dívidas, fazendo ajustes fiscais. E os emergentes vão voltar melhor porque na China, na Índia e no Brasil temos mais projetos.

Qual é sua impressão sobre as propostas econômicas dos candidatos a presidente?
O país precisa de mais investimento em infraestrutura, melhorar a educação, fazer a reforma da Previdência. Nossa carga tributária é alta. Em diferentes graus, os candidatos vão procurar no Orçamento espaço para investir e formas de reduzir gastos correntes.

Todos se preocuparão com o gasto?
Não, mas em aumentar o investimento, sim, porque haverá pressão. Até porque não tem outra fonte. Poderia ser com recursos externos, mas há o deficit no balanço de pagamentos [saldo de todas as transações do país com o exterior].
Além disso, a população quer menos tributos. Isso será possível porque a arrecadação cresce com a legalização das empresas e a formalização dos trabalhadores. Há pressão contra o exagero dos gastos. E, quanto mais se reduzem os gastos, mais cai o juro.

O sr. vê risco de intervenção no BC?
Todo mundo está satisfeito com a autonomia de fato. Mas os governos não querem perder o poder de trocar o técnico se algo estiver errado. A sociedade também não percebeu a vantagem de ter um BC independente. Com autonomia de direito, caem os juros porque as desconfianças do mercado diminuem. Mas não vejo risco de retrocesso, por mais que os candidatos critiquem.



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