China e Brasil: candidatos a bolhas financeiras...
Diplomacia e Relações Internacionais

China e Brasil: candidatos a bolhas financeiras...


ENTREVISTA: MICHAEL PETTIS VÊ RISCO DE BOLHA NA CHINA E NO BRASIL
Agencia Estado, 25.10.2010;

Nova York, 22 - O economista Michael Pettis, professor de Finanças da Universidade Pequim, alertou que a China decidiu tarde demais aumentar os juros e que já pode estar experimentando uma bolha em sua economia. "Infelizmente, uma bolha chinesa se torna uma bolha brasileira também", disse. Pettis se mostrou especialmente preocupado com a dependência do País em exportar commodities para a China. "Há quem argumente que essa mudança de manufaturados para commodities representa um movimento favorável ao Brasil no longo prazo. Eu argumento que as evidências históricas sugerem que não", avalia, em entrevista esta manhã, por telefone, de Pequim, à correspondente da Agência Estado em Nova York, Luciana Xavier.

Ele está pouco esperançoso de que os líderes do G-20 consigam chegar a um acordo cambial, na reunião de novembro em Seul, e não vê um fim próximo para a guerra das moedas. "Será um período difícil. Meu palpite é de que até que tenhamos uma contração muito grande no comércio internacional, os países não se juntarão para resolver o problema", disse.

A seguir, leia a íntegra da entrevista:

Agência Estado - O senhor teme uma bolha nos emergentes?

Pettis - Acabei de ler hoje um artigo interessante no "South China Morning Post" sobre um tipo especial de jade que agora está sendo negociada a US$ 3 mil a onça, duas vezes mais do que o ouro. Isso é muito interessante porque o preço da jade está no pico, os preços da arte chinesa estão no pico, assim como os preços do chá tipo premium. Tudo isso costuma acontecer quando há uma bolha. Arte, colecionáveis, pedras preciosas, tudo está em patamares muito elevados na China, o que me leva a crer que definitivamente estamos experimentando algum tipo de bolha.

AE - Só na China?

Pettis - Infelizmente, uma bolha chinesa se torna uma bolha brasileira também.

AE - Falando em Brasil, o governo aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para capital estrangeiro duas vezes em cerca de 15 dias, de 2% para 4% e depois para 6%. Esse segundo aumento em tão pouco tempo deve surtir algum efeito?

Pettis - Isso é uma das coisas com as quais devemos ficar bem preocupados. Basicamente o que acontece em circunstâncias é que todo mundo está usando algo para desvalorização cambial, seja impostos sobre capital ou para importações, tudo com o mesmo objetivo: proteger ou aumentar a participação na demanda global declinante. Isso será muito difícil. Com os EUA embarcando em mais afrouxamento quantitativo, países que estão intervindo em suas moedas vão sofrer o impacto do aumento rápido da liquidez. Esses países estão reclamando, dizendo que os EUA deveriam parar de fazer isso, mas os EUA dizem que não, que estão agindo assim por razões domésticas e que eles é que devem parar de intervir. Ambos estão certos. As perspectivas são mesmo muito pessimistas.

AE - Podemos dizer que uma bolha também está se formando no Brasil?

Pettis - O que mais me preocupa é que, se você se lembrar, no ano passado a China ultrapassou os Estados Unidos como o maior mercado exportador do Brasil. As pessoas viram isso como indicação da ascensão da China. Minha interpretação foi um pouco diferente. O Brasil exporta mais bens manufaturados para os EUA e mais commodities para a China. Para mim, o que realmente aconteceu foi a ascensão das commodities em relação aos manufaturados no Brasil. E isso é algo que os brasileiros devem começar a questionar. Há quem argumente que essa mudança de manufaturados para commodities representa um movimento favorável ao Brasil no longo prazo. Eu argumento que as evidências históricas sugerem que não. Precisamos pensar muito nisso dentro do contexto do Brasil. Os preços das commodities estão altos basicamente por causa do rápido crescimento da China baseado nos investimentos, que muitos acreditam que não irá se sustentar, e estoque de commodities na China, como parte da estratégia de diversificação deles além do dólar. Se essas duas coisas pararem, então haverá maior pressão para baixo nos preços das commodities.

AE - Há algum modo de o Brasil evitar uma bolha?

Pettis - Há sempre modos de proteger uma economia de bolhas, mas não sem um custo. Elas são dolorosas e é muito difícil convencer os políticos a assumir alguma dor hoje para evitar uma dor ainda maior amanhã.

AE - Podemos esperar então por uma longa guerra cambial?

Pettis - Será um período difícil. Meu palpite é de que até que tenhamos uma contração muito grande no comércio internacional, os países não se juntarão para resolver o problema.

AE - Qual sua avaliação sobre essa guerra cambial?

Michael Pettis - Nos últimos dois anos vinha alertando de que isso seria inevitável. O problema é que por muitos anos, a demanda global cresceu muito rapidamente, alimentada primeiramente por um consumo muito forte nos Estados Unidos e nos países da Europa com déficit comercial - Espanha, Itália, Grécia e alguns outros. Desde a crise tivemos dois problemas. Primeiro, é que a Europa não pode mais continuar com esses déficits porque enfrenta uma crise financeira. Segundo, os EUA estão em processo de desalavancagem, com isso a demanda e o crescimento global desaceleraram significativamente. Quando ambos estavam altos, demanda e crescimento, era possível manter mais ou menos a participação de cada um na demanda global. Mas agora a desaceleração é tanta que o único modo de crescer rapidamente é aumentar sua fatia na demanda global. Todo mundo quer aumentar sua participação e é claro que isso é impossível. Logo, o modo para se tentar conseguir isso é por meio de uma guerra comercial. Toda a discussão em torno das moedas, como nos anos 30, é simplesmente um aspecto dessa disputa comercial.

AE - Podemos dizer que a China e seu fraco yuan é o vilão da história? Ou seriam os Estados Unidos e sua política monetária frouxa?

Pettis - Acho que uma das razões pela qual a guerra cambial é praticamente inevitável é porque todo país está procurando o vilão e o vilão tem que ser um estrangeiro. Nessas circunstâncias, é muito difícil chegar a uma resolução. O fato é que se você quer achar um culpado, você vai achar muitos culpados ao redor do mundo. Há poucos países que não colaboraram para os desequilíbrios vistos até 2007. Todos os países devem reconhecer isso e trabalhar para resolver esses desequilíbrios. Mas sinto que isso é pouco provável, especialmente porque em todo país que você for é muito claro a percepção de que "a culpa não é nossa, é dos estrangeiros".

AE - O senhor não acredita que um acordo possa ser alcançado na reunião de líderes do G-20 em Seul?

Pettis - Ficarei chocado se houver algum acordo nesse sentido. O fato é que o mundo hoje quer exportar. China, Japão e Alemanhadependem muito de aumentar os superávits comerciais para gerar crescimento, enquanto Estados Unidos e alguns países da Europa são os grandes deficitários comerciais. Você não pode ter as nações com superávit comercial aumentando esse superávit, enquanto você tem uma ou duas nações com déficit comercial em colapso. Vamos ouvir boas coisas vindas da cúpula do G-20, espero, mas sem se dirigir a essas questões eu não vejo realmente uma solução.

AE - A proposta de metas para superávits e déficits em conta corrente que deve ser discutida no G-20 pode ajudar a resolver ou minimizar os problemas entre EUA e China?

Pettis - Talvez. Mas acho que um dos problemas é que isso tem sido visto como uma questão principalmente entre EUA e China. Mas é claro que não é. O ministro da Fazenda do Brasil (Guido Mantega) chocou o mundo quando ele disse que havia uma guerra cambial, ainda que todo mundo soubesse que havia. Temos visto ações sendo tomadas na Indonésia, Tailândia, Coreia, Japão e outros países. Todos intervindo agressivamente no câmbio, adotando impostos para capital estrangeiro, importações, etc. A suposição de que isso seja uma questão EUA-China é errada. O problema é que o crescimento global está desacelerando e vai continuar desacelerando por muitos anos e a maioria dos países, especialmente aqueles com crescimento acelerado do superávit comercial, não possui mecanismos que permitam que desacelerem de modo saudável sua expansão doméstica. É muito difícil imaginar qual será a solução. Por exemplo, vamos dizer que os EUA e China cheguem a um acordo. O que seria esse acordo? Um declínio rápido no déficit comercial americano e no superávit comercial chinês? Seria muito doloroso para a China. Por outro lado, os EUA têm alta taxa de desemprego e parte da razão para tanto desemprego é o elevado déficit comercial. Então, os EUA iriam concordar esperar cinco, sete anos para resolver esse problema? Quase certo que não.

AE - Um acordo nos moldes do Plaza Accord também estaria então fora de cogitação?

Pettis - Não. O problema do Plaza Accord é que ele também ocorreu tarde demais. Naquela época, a economia japonesa estava seriamente desequilibrada e a resposta do Japão para valorizar o iene foi expandir o crédito e reduzir os juros, o que só fez a situação piorar. [O Plaza Accord foi um acordo fechado no Plaza Hotel, em Nova York, em 1985, entre França, Alemanha Ocidental, Japão, EUA e Reino Unido para depreciar o dólar em relação ao iene e ao marco alemão]

AE - O Japão adotou a política do juro zero. Sobrou alguma bala na agulha a ser usada para desvalorizar o iene?

Pettis - Bem que eles gostariam. Mas desvalorizar contra quem? Todos estão tentando desvalorizar suas moedas. O problema no Japão é que eles também precisam subir os juros para reequilibrar a economia, mas os níveis da dívida estão tão elevados, que se eles subirem os juros, quase certamente teremos o risco de default do governo japonês. O Japão está emperrado. Eles não podem subir o juro. Eles até devem, mas não podem.

AE - O senhor avalia que a China está fazendo o suficiente para fortalecer o yuan?

Pettis - Eles estão numa situação muito difícil. Do ponto de vista externo, claramente eles não estão. Eles esperaram muito tempo e fizeram muito pouco. Mas do ponto de vista interno, se eles elevassem o renminbi muito rápido, haveria uma desaceleração muito veloz da economia. Por isso, sou tão pessimista. Pois é muito fácil para os americanos e europeus dizerem "a culpa é da China", por estar sendo lenta demais. E eles estão certos. Mas também é muito fácil para a China dizer "nós não tínhamos realmente muita escolha".

AE - O aumento de juros pela China pela primeira vez em três anos também veio tarde demais?

Pettis - Sim. Os juros não mudaram ao longo de todo ano e a inflação foi para cima. Então, os juros foram elevados em 0,25 ponto porcentual, mas a inflação talvez já tenha subido 1 ou 2 pontos porcentuais.

AE - Esse aumento tem tudo a ver com inflação e preços de imóveis?

Pettis - Bem, grande parte tem a ver com a inflação. Mas a razão pela qual os juros reais devem subir na China é porque a alta dos juros reduz a má alocação de capital, que é um problema grande na China, e aumenta a renda das famílias, que é também um grande problema no país. Ou seja, resolve de uma vez dois problemas. Mas se você faz isso muito rapidamente, pode aumentar o número de falências de bancos, pois a maioria dos que tomam emprestado na China consegue sobreviver apenas por causa dos juros muito baixos.

AE - O senhor acha que esse deveria e será apenas o início de um ciclo de aperto monetário chinês?

Pettis - Acho que deveria, mas não que será.

AE - Se houvesse mais aumento, quanto mais os juros deveriam subir, por exemplo, nos próximos 12 meses?

Pettis - Há três coisas que a China precisa aumentar: os juros, a moeda e os salários. Todos têm o mesmo impacto, de reduzir os investimentos e aumentar a renda das famílias. Não se pode só falar de um desses três componentes, porque se a moeda valoriza rapidamente e os juros caem, é como se nada tivesse acontecido. Eles têm realmente que subir os três juntos. Os juros são os mais importantes, mas a moeda e os salários também têm sua importância. Se você fizer apenas dois deles muito rápido, claro que o desemprego irá subir e é isso que todos querem evitar. (Luciana Xavier)



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