Apostasia no Islam: um crime passivel de morte
Diplomacia e Relações Internacionais

Apostasia no Islam: um crime passivel de morte


Como (hipoteticamente) católico, protestante, evangélico, enfim, cristão, tenho plena liberdade para trocar de religião, ou até para abjurar e ofender Deus (ou deus, como quiserem). Posso ser um iconoclasta, um ateu convicto e militante, ou um simples irreligioso, indiferente às religiões, a qualquer religião, oficial ou não. Nada disso me causa perigo de morte na maior parte dos países. Posso proclamar isso abertamente, sem temer pela minha vida.
Não, porém, se eu fosse muçulmano e vivesse num país islâmico que faz da lei corânica a base do sistema judiciário. No Afeganistão, na Arábia Saudita, no Irã, três países completamente diferentes em matéria de seitas religiosas, eu poderia ser condenado à morte por apostasia, impiedade, por simplesmente renunciar à religião muçulmana.
Este não é um direito de alguém que "nasceu" muçulmano (uma óbvia falsidade, mas vale simplesmente a religião dos pais, preferencialmente a do pai, pois mesmo uma não muçulmana deve educar seus filhos como muçulmanos, se o pai o for), pois ele JAMAIS teria o direito ou a faculdade de mudar de religião, mesmo se fosse para uma das grandes religões monoteistas que o Islã reconhece, o judaísmo e o cristianismo. Menos ainda o direito de abandonar simplesmente a religião, já não digo virar ateu, mas simplesmente laico, irreligioso. Isso não existe.
Trata-se de ofensa grave, punível com a morte.
Não é preciso lembrar aqui a fatwa que até hoje, depois de proclamada contra o escritor indiano (ex-muçulmano) Salman Rushdie pelo Aiatollah Ruholla Khomeiny, vigora e está sempre sustentando qualquer muçulmano piedoso que se disponho a matá-lo por seu livro "Versos Satânicos" (no qual se faz uma alegoria com as mulheres do profeta Maomé).
Esta mulher, entrevistada por Thais Oyama nas Páginas Amarelas da Veja desta semana arrisca-se ser simplesmente assassinada por um devoto muçulmano, que seria distinguido e homenageado em seu país de origem por cometer um ato de "respeito a Allah".
Não é alucinante? Mas esta é a realidade...
Paulo Roberto de Almeida

Páginas Amarelas
"Eu renunciei ao Islã"
Entrevista: Mina Ahadi
Revista Veja, edição 2202, ano 44, n. 5, 2 de fevereiro de 2011


A iraniana Mina Ahadi mora há catorze anos na Alemanha, mas pouquíssimos amigos sabem exatamente onde. Desde que ela criou o Conselho de Ex-Muçulmanos, entidade de apoio a pessoas que abdicaram da fé islâmica, passou a receber ameaças de morte que a obrigam a viver quase reclusa. Renunciar ao Islã é considerado entre muçulmanos uma ofensa grave, punível com pena de morte em países como o Irã, que Mina foi obrigada a deixar depois que os aiatolás tomaram o poder, em 1979. Então uma líder estudantil, ela foi perseguida pela Guarda Revolucionária, teve o marido executado e sua cabeça posta a prêmio. Conseguiu asilo político na Áustria e depois se mudou para a Alemanha, onde hoje chefia os Comitês contra a Execução e o Apedrejamento. Mina Ahadi falou a VEJA em um hotel em Colônia.

A senhora foi uma das pessoas que mais lutaram para que Sakineh Ashtiani - acusada de adultério e, mais tarde, de participação na morte do marido - não fosse executada por apedrejamento. Como se sentiu ao ouvi-la dizer em entrevista à televisão estatal: “Mina Ahadi, afaste-se de mim, não é da sua conta se eu sou uma pecadora”?
Sei que Sakineh está sob pressão e foi forçada a dizer isso para se salvar. Isso não me incomoda. Também seu filho foi obrigado a declarar diante das câmeras que acredita na culpa da mãe. Mas eu penso que Ahmadinejad (o ditador iraniano Mahmoud Ahmadinejad) vai precisar de outra vítima para demonstrar a sua força. Sakineh já está salva. Por quê? Graças à repercussão que o caso alcançou, o regime não pode mais executá-la - nem pública nem clandestinamente. O governo já está convencido disso. Apenas busca achar um meio de não sair desmoralizado do episódio. Todo esse processo, no fim, foi bom para o Irã. Chamou a atenção do mundo para a barbárie do regime. Antes do caso Sakineh, a preocupação dos países em relação ao Irã se limitava à questão nuclear.

(…)
Execuções públicas são freqüentes em Teerã?
Não. Fazia muito tempo que isso não ocorria. Trata-se, claramente, de uma nova tática do regime para infundir o terror na população. As prisões estão lotadas. Há, inclusive, crianças e adolescentes aguardando fazer 18 anos para ser executados. Praticamente todos os dias eu recebo chamadas de condenados me pedindo ajuda.
(…)
A senhora pode descrever uma execução por apedrejamento?
Ela acontece em geral ao amanhecer. A pessoa condenada tem as mãos amarradas nas costas e é envolta em uma mortalha branca. Fica totalmente embrulhada nesse pano, o rosto também. Então, é colocada de pé num buraco fundo e coberta de terra até o peito, no caso das mulheres, e até a cintura, no caso dos homens. Dependendo da condenação, é o juiz quem atira a primeira pedra. Mas pode ser também uma das testemunhas. Se a vítima é uma mulher sentenciada por adultério, por exemplo, tanto o seu marido quanto a família dele podem lançar as primeiras pedras. A lei diz que elas têm de ser grandes o suficiente para machucar a vítima, mas não para matá-la no primeiro ou segundo golpe.
(…)
A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, posicionou-se publicamente contra a prática do apedrejamento, que classificou de barbárie. Qual a expectativa que a senhora tem desse novo governo?
O que eu espero da presidente Dilma é que ela faca o que seu antecessor não fez: que condene a situação dos direitos humanos no Irã e se recuse a manter relações diplomáticas com um regime assassino como o de Ahmadinejad, a quem Lula chamava de “amigo”.
(…)
Aqui, na Alemanha, a senhora criou um comitê para muçulmanos que renunciaram à fé islâmica, o que lhe rende ameaças de morte até hoje. O que a motivou a fazer isso?
Acredito que, como eu, muitos imigrantes de países muçulmanos vieram para cá em busca de uma vida melhor, o que inclui mais liberdade. E essas pessoas não precisam estar fadadas a viver em uma sociedade paralela, em que as crianças não podem ter amigos de outro sexo ou freqüentar aulas de natação por causa de uma religião na qual, eventualmente, elas não acreditam mais. O que nós queremos é romper esse tabu, é apoiar as pessoas na decisão de libertar-se desse Islã que se voltou contra os muçulmanos.

A senhora se considera uma ex-muçulmana?
Sim, desde os 15 anos, quando deixei de fazer minhas preces. Nas últimas décadas, em muitos lugares, o islamismo tornou-se uma ferramenta de manipulação política, e não uma religião restrita à esfera privada. Há muito tempo esse Islã deixou de fazer sentido. Hoje, para mim, ele significa apenas barbárie e crueldade.



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