Juizes cocaleros: sentencias al masticar, ao que parece...
Diplomacia e Relações Internacionais

Juizes cocaleros: sentencias al masticar, ao que parece...


Impagável esta crônica da irrealidade cotidiana na Bolívia, um bom caso para os casos de kitsch institucional, ou de surrealismo governamental, muito frequentes de serem encontrados em certos hermanos bolivarianos.
O autor da crônica poderia mencionar também que a Constituição boliviana reconhece mais de trinta línguas como oficiais, ao lado do espanhol, e igualmente válidas.
Mais um pouco e eles se aproximam da histeria de traduções e interpretações simultâneas da União Europeia, onde todos e cada um têm direito legítimo, e plenamente exercido de falar a sua própria língua.
Fico imaginando se deputados catalães, galegos, bascos, provençais, bretões, lapões, etc, não formularem também o desejo de se expressar nessas línguas regionais.
Vamos chegar perto da Bolívia, talvez...



A Justiça da coca na Bolívia

MAC MARGOLIS 
O Estado de S.Paulo, 18 de março de 2012 | 3h 06
Que a coca seja uma planta de propriedades possantes, ninguém duvida. Mastigada, a folha dessa árvore baixinha - uma dádiva da Pachamama, o nome indígena aimará para a Mãe-Terra - há milênios ajuda a espantar a fome e a fadiga. Triturada e composta com a química certa, produz cocaína. Agora, graças ao candor de um graduado juiz boliviano, ficamos sabendo que a coca também serve como acessório de jurisprudência.
Esta semana, Gualberto Cusi, magistrado da Corte Constitucional, revelou a uma emissora de televisão de seu país como resolve casos difíceis. "Quando o caso é complexo, jogo um punhado de folhas de coca em uma manta", explica. Dependendo de como elas caem, revela-se o veredicto. "Na coca, sai!", disse.
Não foi piada. O depoimento de Cusi causou celeuma nacional, incluindo colegas dos tribunais. "Absolutamente todos os magistrados, entre eles o doutor Gualberto Cusi, devem seguir estritamente a Constituição e a regra jurídica aplicável na resolução das causas", reagiu Ruddy Flores, presidente do Tribunal Constitucional. A oposição política clamou pela renúncia de Cusi enquanto Jaime Navarro, do Partido Unidade Nacional, lamentou que a "Justiça está nas mãos da coca".
Mas, na Bolívia, a doutrina é outra. A Bolívia não é mais uma república unificada. É um "Estado plurinacional". A distinção parece pequena, mas no fundo significa que há nações distintas dentro do território boliviano. Todas elas informam e pautam as regras da vida nacional. Assim, na reforma judicial de 2009, mudou-se o sistema de selecionar juízes.
Hoje, as vagas nos diversos tribunais são preenchidas com juízes eleitos pelo voto direto, entre eles a Corte Constitucional, que tem como missão interpretar as leis máximas do país. Portanto, o doutor Gualberto Cusi, não é doutor, muito menos juiz. E nem precisa ser. É um líder comunitário, de origem aimará, diplomado por sua popularidade entre a maioria indígena, com uma forcinha da Mãe-Terra.
Cusi leva seu mandato a sério. O mais votado do pleito, brigou para ser indicado presidente do tribunal. Agora briga para justificar o injustificável. Surpreendido com a tempestade que criou, ensaiou um desmentido, dizendo que o tema não deve ter "essa transcendência". Mas não se retratou.
"A coca não é uma simples planta. Para nós, os aimarás, é um símbolo de resistência à opressão, contra o imperialismo", disse. "Por meio da coca nos comunicamos com a Pachamama."
Assim, admite consultar a coca "não para decidir uma sentença" senão para saber "se estamos sendo justos, corretos e definitivamente guiar-nos pelo caminho harmonioso e de paz social". De quebra, atribuiu a reação às suas declarações ao preconceito "da gravata contra o poncho".
Quando Evo Morales assumiu o poder em 2006, prometeu a refundar o país para expurgar séculos de injustiça social, convidando a maioria pobre e indígena a ocupar o poder. Sócio do socialismo do século 21, seguiu a cartilha do venezuelano Hugo Chávez.
Com sua maioria no Congresso e o estilo rolo compressor (a multidão governista barrou a entrada da oposição na assembleia) refez a Constituição. A Constituinte reinventou a Justiça, um sistema que Evo Morales alegou ser comprometido pelo compadrio elitista.
Teve certa dose de razão. Antes, os magistrados, embora diplomados, eram escolhidos pelo Congresso, deixando a Justiça vulnerável à agenda política partidária. O presidente Evo conseguiu piorá-la, abrindo caminho para a crendice togada.
Esta semana, em uma conferência em Viena, enquanto Gualberto Cusi se explicava aos compatriotas, o presidente Evo Morales fez apaixonada defesa da coca como patrimônio nacional da Bolívia. Ele ainda exortou seus magistrados a cumprir "o grande desafio" de "exportar a Justiça boliviana". Haja folha.



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