Confucio: nova traducao dos Analetos por Giorgio Sinedino
Diplomacia e Relações Internacionais

Confucio: nova traducao dos Analetos por Giorgio Sinedino


Foi meu ex-orientando no Mestrado em Diplomacia do Instituto Rio Branco. Passou anos, na Embaixada em Beijing, estudando chines. Recomendo, portanto.
Paulo Roberto de Almeida

O Pensador da China
Gilberto Scofield
O Globo, Magazine Literario, sábado, 12/01/2013

Edição comentada da principal obra do filósofo, ‘Os analectos’, é caminho para se compreender as contradições do país hoje.

A emergência econômica da China nas últimas décadas tirou o pensamento do filósofo chinês Confúcio (551-479 a.C.) das compilações de frases feitas com propósitos de autoajuda e o inseriu na arena de debates intelectuais ocidentais sérios. Afinal, trata-se de um dos mais importantes filósofos do país, um sábio em torno do qual foi criada uma escola de pensamento que diz muito sobre o que é a China hoje. Quer entender porque a China avança tanto nos rankings das maiores economias do planeta quanto nas listas de países onde os abusos trabalhistas são uma constrangedora rotina? Mergulhe em Confúcio.
Até agora, tudo o que se publicou no Brasil a respeito de Confúcio são coletâneas de frases pinçadas de sua principal obra, “Os analectos” (ou mesmo traduções para o português de edições publicadas em outras línguas), o que resulta em um livro bastante sem sentido para qualquer um que busque entender o confucionismo sem pistas sobre a China de 2,5 mil anos atrás. Mas essa falha foi corrigida em alto estilo com a publicação, pela editora Unesp em parceria com o Instituto Confúcio, de “Os analectos” numa edição comentada e traduzida para o português diretamente do chinês pelo diplomata Giorgio Sinedino, que há sete anos dedica-se a estudar tanto a língua quanto a obra.
Contexto feudal
O esforço da Unesp resultou numa vigorosa obra — são 608 páginas — que faz juz ao desafio que é destrinchar o pensamento confucionista, um exercício ao qual se debruçam os chineses até hoje. Lá, “Os analectos” são publicados em edições comentadas, sendo a mais importante e influente delas a do também filósofo Zhu Xi (1130 a 1200 d.C.), justamente a usada por Sinedino como base para a tradução do livro editado pela Unesp. As dificuldades foram grandes, como o chinês arcaico dos textos, extremamente sintético. Como estudioso da cultura chinesa, o diplomata teve que contextualizar o pensamento chinês diante da realidade feudal da época em que o confucionismo começou a tomar forma. A tarefa levou três anos de pesquisa e um ano de tradução propriamente dita.
— A maior dificuldade na tradução de um texto em chinês arcaico está em administrar diferenças sintáticas com o português. Além disso, por ser uma língua muito sintética, o chinês arcaico deixa subentendidas coisas que para um estrangeiro teriam de ser comunicadas. Sendo assim, as traduções em geral têm que complementar o original com uma série de informações omitidas no original e aí está uma fonte de erros e manipulações do texto. Eu traduzi as citações literalmente, mostrando ao leitor aquilo que acrescentei por meio de colchetes. Esses acréscimos nada mais são do que ajustes sintáticos e semânticos, para que o texto não fique incompreensível em português. Nos comentários eu apresento aquilo que possivelmente ficou suprimido no texto principal e debato as diversas interpretações das passagens — diz Sinedino.
Só quem alguma vez teve contato com a língua chinesa pode dimensionar o grau de complexidade da tarefa. O chinês clássico do pensamento confucionista, do século IV a.C., é “radicalmente telegráfico e sintético, com muitas janelas de interpretação e dubiedades”, nas palavras do próprio Sinedino. O chinês dos comentários de Zhu Xi, por sua vez, é do século XI, conhecido como vernacular antigo. Entre este e o chinês moderno correm dez séculos de civilização.
— O papel dos comentários está em restringir as diversas leituras possíveis do original a um tipo particular de interpretação, no caso, a de Zhu Xi, que se tornou o comentário padrão de “Os analectos”. O comentário de Zhu foi o texto base para exames de acesso à carreira burocrática na China do século XIII até o começo do século XX. Hoje em dia é a interpretação padrão das ideias confucianas. Como há muitos manuscritos com pequenas divergências, adotei a edição consolidada e revista da conceituada editora Zhonghua Shuju, de 1982. Esse volume é a edição padrão usada para pesquisas confucianas nas pós-graduações chinesas, sendo também referência mundial — afirma o diplomata.
Editor-executivo da Editora Unesp, Jézio Hernane Bonfim Gutierre explica que a publicação faz parte da parceria entre a universidade paulista e o Instituto Confúcio, que busca traduzir diretamente do chinês para o português livros fundamentais da cultura chinesa.
— Gerações inteiras até hoje são influenciadas pelo pensamento confucionista, de modo que achamos fundamental apresentar esse livro devidamente comentado, como fazem os chineses. Acreditamos que a compreensão da obra extrapola a questão filosófica pura e simples. Para quem quer entender hoje a lógica do pensamento do governo comunista, e seus apelos sobre sociedade harmoniosa, não pode ignorar a lógica confucionista.
O pensamento confucionista nasceu quando a China era uma fração do gigante atual, um apanhado de reinos conhecido como Período da Primavera e Outono (770-476 a.C.). O sistema feudal já contava com uma estrutura de governo que buscava uma lógica administrativa infalível. Acreditava-se que o reino mais bem administrado seria, necessariamente, o mais poderoso.
Assim como na história da filosofia grega, o que existe até hoje do pensamento confucionista são interpretações e comentários de discípulos de Confúcio que foram transmitindo o pensamento do mestre por gerações. O próprio Confúcio fazia questão de dizer que sua sabedoria vinha de uma tradição anterior, revelando uma importante característica dos pensadores chineses, explicada no livro: os filósofos se definem apenas como divulgadores de tradições, não como criadores de pensamento propriamente dito.
Ensinamentos morais
Zhu Xi foi um dos mais importantes estudiosos do confucionismo, que ele sistematizou como corrente de pensamento em quatro livros de interpretações: “O grande aprendizado”, “Os analectos”, “Mêncio” e “A doutrina do meio”, considerados a leitura imprescindível para quem quisesse tornar-se um sábio preparado para governar. O conjunto de ensinamentos morais de “Os analectos” — impregnados de conceitos como a virtude de se praticar o bem, o respeito às hierarquias e à família, a submissão resignada dos populares e das mulheres, a predestinação, entre outros conceitos — é ensinado nos bancos escolares e universitários, transmitidos pelas famílias por meio de ditados populares, adaptado em livros para executivos associados a técnicas de gerência e administração e amplamente manipulado pelo governo de Pequim para tentar doutrinar a população chinesa. Presta-se a vários fins e faz parte do sistema cultural do país. A explicação é do próprio Sinedino:
“Se compararmos as escolas de pensamento gregas com as escolas chinesas, veremos que há uma importância menor do pensamento e da criatividade individuais no lado chinês. O pensamento na China é mais uma circunstância do convívio e da luta pelo reconhecimento da sociedade por uma escola de pensamento. Portanto, quando falamos em Confúcio devemos ter em mente não apenas o trabalho intelectual realizado pelos discípulos, mas também todo o trabalho político de busca de patrocínio político para a escola. Isso é regra para qualquer pensamento na China. Temos que ver o confucionismo não exclusivamente como obra de Confúcio, mas como um complexo de relações entre pensamento, o tipo de trabalho político que foi realizado com base nesse pensamento e o tipo de recepção que tal trabalho recebeu das elites e do governo”.



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