Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil inscreveu na Constituição de 1988, mais precisamente no art. 4º da nossa Carta Magna, os compromissos que temos, que o nosso País tem, que a República brasileira tem na ordem internacional. Entre outros, são esses os compromissos: guiar-se pela prevalência dos direitos humanos e também pela não intervenção e pela autodeterminação dos povos.
Estamos assistindo, Sr. Presidente, a uma escalada de radicalização política na Venezuela. Todos acompanhamos com enorme preocupação o que ocorre nesse país vizinho. O Presidente Nicolás Maduro, pupilo do falecido ditador Hugo Chávez, depois de haver exercido ilegitimamente, por algum tempo, a presidência da República – tempo necessário para preparar eleições nas quais se elegeu por uma margem diminuta de votos, num pleito contestado pela oposição –, defrontando-se com uma oposição crescente do seu povo, inconformado com a situação de caos econômico, inflação desenfreada, escassez de produtos e escalada do autoritarismo, esse presidente opta pela violência e repressão.
São mais de 500 presos, pessoas que foram detidas, algumas liberadas; 45 venezuelanos continuam na cadeia hoje. Há oito mortos, conhecidos até agora, a se lamentar. O presidente insiste em garrotear a liberdade de expressão, censurando a imprensa, pressionando os canais de televisão e de rádio. Chegou até, Sr. Presidente, a interferir no funcionamento da internet para impedir a comunicação entre os cidadãos em províncias consideradas por ele como inimigas, províncias onde prevalece o voto e a liderança da oposição. A cada dia, a ideia de que aquele país possa prosseguir sob a presidência de semelhante desequilibrado parece mais remota.
A Presidente Dilma, evidentemente, manifestou-se sobre esse assunto, provocada pela imprensa, na reunião de Bruxelas, e não poderia ter sido mais infeliz a sua declaração. Primeiro, ela começa por uma obviedade: a Venezuela não é a Ucrânia. Muito grato, Senhora Presidente, pela lição. Todos nós sabemos disso. Mas, a partir dessa obviedade, dessa platitude, a Presidente da República emite um conceito profundamente inquietante a respeito do valor que ela empresta à democracia na apreciação que tem de determinada situação, de determinado país, no caso, um país membro do Mercosul, que atualmente exerce a presidência rotativa desse organismo. Minimizando a situação democrática, minimizando e malbaratando o déficit democrático crescente e a escalada de violência promovida pelo governo Maduro, Sua Excelência diz apenas: “Precisamos levar em conta os avanços na área da saúde e na área da educação que a Venezuela tem conhecido.” Em primeiro lugar, eu não sei se são tão grandes assim esses avanços. O fato é que a Venezuela é um dos países mais violentos. Caracas, talvez, seja a campeã mundial da violência, medida pelo número de homicídios. Não sei até onde vão esses avanços, mas não há avanço econômico e social, ainda que fosse real, que possa ser alcançado ao preço do desprezo das instituições democráticas, da democracia, do respeito aos direitos humanos.
A Presidente da República do Brasil jamais poderia fazer esse tipo de balanço – de um lado, os avanços supostos ou reais na área da educação e da saúde; de outro lado, o sistema democrático em frangalhos –, para que prevalecesse a sua apreciação sobre o aspecto econômico e social da realidade da Venezuela de hoje.
É absolutamente inaceitável, Sr. Presidente, que a Presidente da República de um País democrático, que se orgulha da sua democracia – é a grande democracia do continente sul-americano – e que deveria ter na democracia o apanágio maior da sua presença nas relações internacionais, especialmente na América Latina, faça essa afirmação. É inaceitável essa afirmação da Presidente da República!
Soma-se a isso, meus caros colegas, uma nota da qual o Brasil é signatário, emitida pelo Mercosul, a respeito da mesma situação, a situação da Venezuela. Essa nota o Brasil teria feito muito melhor em não assiná-la. Se fosse compelido a renunciar ao seu papel de liderança, seria melhor que ele não a assinasse, pois o Brasil, desmentindo a tradição, a melhor tradição da diplomacia brasileira, nessa nota, condena a oposição venezuelana. É isso que se lê na nota emitida pelo Mercosul, quando chama os opositores de semeadores da violência, do caos e de ações criminosas. Pois criminoso é o regime chavista de Nicolás Maduro!
Evidentemente, não cabe ao Brasil interferir na vida de qualquer país, embora, na América Latina, recentemente, tenha havido intervenções no sentido de reforçar tiranetes, como o Presidente deposto de Honduras, Zelaya, e também ao patrocinar uma intervenção, uma violência contra o Paraguai, afastando-o do convívio do Mercosul, depois que, seguindo os trâmites da Constituição, o Presidente Lugo foi afastado.
Evidentemente – volto a dizer –, não preconizo nenhum tipo de intervenção, mas é preciso que o Brasil deixe claro, especialmente aos seus parceiros do Mercosul – alguns deles têm uma inclinação perigosamente autoritária, que se esconde sob um rótulo fantasista de bolivariano –, que, nas relações internacionais, o nosso compromisso é com a prevalência da democracia e dos direitos humanos.
Essa declaração da Presidente Dilma emitida ontem em Bruxelas e a vergonhosa nota do Mercosul são absolutamente inaceitáveis diante dos princípios constitucionais que regem a nossa política externa e diante da consciência democrática do povo brasileiro.
Muito obrigado.
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