Pó sobre pó
Desastre da administração de Maduro na Venezuela em relação à economia só é proporcional aos tropeços linguísticos do folclórico presidente
Editorial O Globo, 11/01/2014É da Venezuela o novo recorde mundial de inflação: os preços ao consumidor subiram 56,2% no ano passado, informa o Banco Central local. Ou seja, avançaram em ritmo nove vezes superior aos brasileiros no mesmo período.
Significa forte corrosão da economia, com o consequente empobrecimento da maioria dos 30 milhões de venezuelanos, que habitam um emirado petrolífero e vivem numa época de petróleo vendido a US$ 90 o barril (valia US$ 30 em 2002).
A inflação venezuelana disparou, e em velocidade maior do que se observa em países cujos ditadores optaram pela guerra civil, na tentativa de preservar seu poder, como acontece na Síria de Bashar al-Assad (49,5%) e no Sudão de Omar al-Bashir (37,1%).
O cenário piora. Esse aumento (56,2%) nos preços ao consumidor de 2013 representa quase o triplo da taxa registrada na Venezuela no ano anterior (20,1%). É a média geral. Em alimentos e bebidas a alta de preços foi muito maior: 79,3%, na média do setor, conforme dados do Banco Central.
É obra da administração Nicolás Maduro. Desde dezembro de 2012, quando o caudilho Hugo Chávez se submeteu a uma cirurgia da qual não se recuperou, Maduro conduz o condomínio ditatorial chavista, em sociedade com Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional.
O desastre só é proporcional aos tropeços linguísticos do folclórico presidente. Segundo ele, os empresários “roubam como nós” e o governo tem de enfrentar a escassez de alimentos agindo como Cristo “que multiplicó los penes”.
A história ensina que a intolerância social com altas taxas de inflação costuma ser mortal aos governos politicamente falidos. Ensina, também, que a única alternativa é a negociação. No caso da Venezuela, tal possibilidade parece cada dia mais remota porque seus governantes, como disse Cabello dias atrás, julgam que a palavra negociação funciona na política como sinônimo de capitulação: “Nós não vamos cair na chantagem do diálogo”.
Na ausência de Chávez, o mestre da ilusão do “socialismo do século XXI”, Maduro e Cabello tentam moldar a dura realidade com exercícios de contorcionismo linguístico sobre a arte da incompetência. Nele, a escassez de alimentos em todo o país é resultado da “sabotagem intencional e internacional”; os apagões diários nas cidades, prometem, serão derrotados com um plano militar “de ordenamento e uso”, e a nova e iminente desvalorização da moeda (o bolívar) nada mais será do que um “mecanismo cambial alternativo”.
O delírio chavista se transformou em pura nitroglicerina política. É daquelas situações em cujo epílogo, como costuma dizer Maduro, pode não restar “pó sobre pó”.