Durante os 12 meses em que a Ação Penal 470 tramita em fase final no Supremo Tribunal Federal (STF), não faltou quem suspeitasse que as notórias ligações do ministro José Antonio Dias Toffoli com o Partido dos Trabalhadores (PT) e com o réu José Dirceu, de quem foi subordinado na Casa Civil da Presidência, estariam em alguma medida influenciando seus votos que frequentemente beneficiaram os envolvidos no escândalo do mensalão. Essa é uma suposição que qualquer um tem o direito de fazer e vale apenas como tal: uma suposição.
Agora, porém, Dias Toffoli se vê envolvido em uma encrenca que pode dar margem a novas suposições, mas desta vez caracterizando clara e concretamente infração ética e legal. O ministro é devedor do Banco Mercantil do Brasil (BMB), que lhe concedeu dois empréstimos vultosos em condições, no mínimo, generosas. Simultaneamente, Dias Toffoli, como magistrado, é relator de duas ações judiciais de interesse da mesma instituição financeira.
O Código de Processo Civil, o Código de Processo Penal e o Regimento Interno do STF dispõem com todas as letras que o juiz deve se dar por impedido de julgar causas em que alguma das partes seja sua credora. Não se trata, portanto, de imaginar que Dias Toffoli, por qualquer razão, não deveria relatar ações judiciais de interesse do Banco do qual é devedor. Mas de constatar que está claramente impedido de fazê-lo. Mas Dias Toffoli, da mesma maneira que se declarou livre de qualquer impedimento para julgar o mensalão, sente-se perfeitamente à vontade para relatar processos de interesse do BMB.
O ministro assumiu seu posto no STF em 2009, por nomeação do então presidente Lula. Pouco depois se tornou relator de uma primeira ação de interesse do BMB. Em junho de 2011, três meses antes de tomar o primeiro empréstimo, Toffoli negou recurso por meio do qual o banco pleiteava compensação por contribuições que afirmava ter feito em porcentual maior que o realmente devido ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em janeiro de 2012, depois de ter recebido dois empréstimos do BMB, o ministro teria eventualmente beneficiado o banco, ao suspender provisoriamente o julgamento de outro processo.
Não se trata, no entanto, de saber se as decisões do ministro nesses casos atenderam ou não a interesses de seu credor. O fato é que, em obediência à lei, da qual é guardião supremo, Dias Toffoli deveria ter-se anunciado suspeito para atuar nessas ações.
Não faltam razões objetivas para que o comportamento do ministro seja considerado escandaloso, como revela reportagem de Fabio Fabrini e Andreza Matais publicada na edição de ontem do Estado. O BMB repassou a Dias Toffoli um total de R$ 1,4 milhão, em dois empréstimos. O primeiro, em setembro de 2011, no valor de R$ 931 mil, a serem pagos, até 2026, em 180 parcelas fixas de R$ 13,8 mil. Três meses depois, foi concedido um segundo crédito, de R$ 463,1 mil, a ser pago em 204 prestações fixas de R$ 6,7 mil, até 2028. A soma das duas prestações, R$ 20,5 mil, é superior aos vencimentos que eram auferidos na época pelo ministro no STF. Para os dois empréstimos Toffoli ofereceu a mesma garantia: a casa em que reside no Lago Norte.
Chamam a atenção os juros cobrados pelo BMB de seu cliente. Eram originalmente de 1,35% ao mês, mas foram repactuados, em abril deste ano, em 1% ao mês. Dois gerentes do banco em Brasília revelaram que as taxas habituais em casos da mesma natureza que atendem clientes importantes variam de 3% a 4%. A generosidade do BMB proporcionou a Toffoli uma economia de R$ 636 mil no total das prestações a serem pagas. O superintendente do banco em Brasília, José Alencar da Cunha Neto, admitiu estranhar tanta generosidade: "Confesso que não é muito usual".
Em nota oficial Toffoli informou, sem fornecer detalhes, que sua renda não se limita ao salário de ministro. E negou "qualquer relação" entre os empréstimos e os processos dos quais é relator. O fato é que há, sim, uma relação entre ele, o banco e os processos.