Mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue com rapidez os recursos que os advogados dos réus da ação do mensalão de certo impetrarão, o início da execução das decisões condenatórias demorará alguns meses. O motivo está num dispositivo do regimento interno da Corte que condiciona o início do cumprimento das penas à publicação, no Diário Oficial, do acórdão do julgamento. Outro dispositivo estabelece o prazo de 60 dias entre a decisão dos ministros e a data dessa publicação.
O problema é que, enquanto o primeiro dispositivo é levado a sério pelos ministros, o outro tem sido relegado para segundo plano, pois o regimento permite aos ministros ultrapassar o prazo nos casos de "motivo justificado". Os integrantes da Corte alegam que, diante do número de recursos que têm de relatar e das sessões de julgamento a que têm de comparecer, o prazo de 60 dias é muito curto. Segundo as estatísticas do Supremo, há 2.632 processos julgados em caráter definitivo pelo STF aguardando a publicação de seus respectivos acórdãos. Desse total, uma parte significativa já ultrapassou o prazo regimental - uma dessas ações, relativa à condenação de um prefeito do Paraná por crime de responsabilidade, foi julgada em maio de 2010. Como não se sabe quando os ministros entregarão seus votos devidamente revistos, a decisão se encontra numa espécie de limbo jurídico.
"É inacreditável", diz o ministro Marco Aurélio de Mello, pedindo providências ao futuro presidente do STF, Joaquim Barbosa, que assumirá o cargo no dia 22, em decorrência da aposentadoria compulsória do ministro Ayres Britto. Decano da Corte, o ministro José Celso de Mello Filho tem 689 acórdãos pendentes em seu gabinete. Ele é o magistrado com maior número de acórdãos não liberados para publicação, seguido pelo ministro Marco Aurélio, com 372 processos. O ministro com o menor número de processos pendentes é o presidente do STF, Ayres Britto. Ele só tem 7 acórdãos pendentes.
A morosidade na publicação dos acórdãos do Supremo decorre, basicamente, da prolixidade dos magistrados brasileiros. O acórdão é um resumo dos debates travados em plenário. É com base nele que as partes podem recorrer das decisões, apresentando embargos. Enquanto o acórdão de um julgamento não é publicado, a decisão fica em suspenso. Quando um julgamento é concluído, a responsabilidade pela redação do acórdão cabe ao relator, caso sua posição tenha sido a vencedora. Mas, se outro ministro discordar e tiver sua posição acompanhada pela maioria, ele é quem tem de preparar o texto. Além disso, os ministros que participaram do julgamento podem revisar a parte relativa aos seus votos e intervenções. Existe a possibilidade de votos sem revisão serem encartados nos acórdãos, mas seus autores têm o hábito de editá-los de forma meticulosa.
O problema é que, em vez de serem sucintos e objetivos, como ocorre nos tribunais anglo-saxônicos, nas cortes que seguem a tradição do direito romano - como é o caso da Justiça brasileira -, os juízes, desembargadores e ministros têm o costume de fazer longos votos e despachos extensos, recorrendo a uma linguagem empolada e a um grande número de citações doutrinárias, para demonstrar erudição. Nos Estados Unidos há ministros que - como Benjamin Cardoso e Willian Wendel Holmes, por exemplo - deram votos históricos em causas de interesse nacional de apenas três páginas, e em linguagem escorreita. Já entre nós, casos que interessam somente às partes de um litígio muitas vezes têm sentenças e acórdãos com mais de 50 páginas, em linguagem empolada e de duvidosa erudição.
A insegurança jurídica é só um dos lados do problema do não cumprimento do prazo para publicação dos acórdãos, por parte dos ministros do Supremo. O outro lado é a confusão que isso gera entre os cidadãos não afeitos aos meandros forenses. Eles acham que os tribunais julgaram um determinado caso, mas, do ponto de vista jurídico, a decisão ainda não existe. Considerando-se o número de réus e a complexidade do caso, o acórdão do caso da ação do mensalão pode demorar meses, se o STF mantiver a tradição de morosidade.