Mohamad e Amer Masarani tentam trazer os familiares, sem sucesso, e criticam Itamaraty
Quando, há três meses, seu cunhado foi morto e teve o corpo atirado em frente à casa dos filhos na cidade de Homs, Mohamad encorajou sua família na Síria a fugir para o Brasil.
Em São Paulo há 14 anos, ele temia que outros parentes se somassem aos cerca de cem mil sírios que, segundo a ONU, morreram desde a eclosão dos conflitos no país árabe, em 2011.
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Desde então, porém, diz que nenhum deles conseguiu deixar a Síria – segundo ele, por causa de exigências irreais feitas pelo Brasil para lhes conceder vistos. "Os brasileiros estão com os braços abertos, mas o governo está complicando tudo", diz o sírio à BBC Brasil.
O Itamaraty afirma que as exigências buscam resguardar a segurança nacional.
Sede de uma das maiores colônias sírias fora do Oriente Médio, o Brasil concedeu refúgio a 258 sírios desde 2010, segundo o Ministério da Justiça. O número equivale a 0,01% dos 2 milhões de sírios que, de acordo com a ONU, fugiram desde o início dos confrontos.
Para analisar pedidos de refúgio, o governo determina que o solicitante esteja em território nacional. O problema, segundo Mohamad e outros sírios ouvidos pela BBC Brasil, é que muitos não têm conseguido sequer cumprir a etapa anterior: obter um visto para o Brasil. E, sem o documento, eles não podem voar até o país.
Mais de um milhão de sírios deixaram suas casas desde que o conflito teve início há dois anos
Membro da Coordenação da Revolução Síria no Brasil, grupo no Facebook que defende a queda do presidente sírio, Bashar al-Assad, o comerciante Amer Masarani diz que o número de refugiados no Brasil seria muito maior se as regras para o visto fossem menos rígidas.
Masarani, que vive em São Paulo há 17 anos, afirma ter sido procurado por ao menos seis compatriotas que tiveram pedidos de visto negados.
Junto de outros pequenos empresários árabes de São Paulo e de duas associações islâmicas, Masarani tem auxiliado sírios que tentam vir ao Brasil desde o pedido de visto até sua chegada e regularização.
Como o Brasil não emite vistos específicos a candidatos a refúgio, a alternativa aos que querem fugir para o Brasil são vistos de turista. Para concedê-los, o governo exige dez requisitos, entre os quais comprovante de emprego, extrato bancário dos últimos seis meses, certificado de antecedentes criminais e uma carta convite.
Para Masarani, as exigências não levam em conta o conflito. "A economia síria entrou em colapso, os bancos pararam de funcionar, muitos perderam o emprego, os prédios públicos fecharam. É impossível conseguir esses documentos."
"O governo brasileiro está tratando esses sírios como turistas, mas eles são refugiados que estão correndo risco de vida. Muitos fogem só com a roupa do corpo".
Joias por comida
Ao testemunhar a agonia de um sírio incapaz de obter um visto para o Brasil, a agente de turismo carioca A.A.C. passou a considerar um plano radical.
Ela diz ter conhecido o homem – morador de Alepo, segunda maior cidade síria – pela internet há um ano. Desde então, afirma que passaram a dialogar diariamente, tornando-se "amigos íntimos".
No período, ela foi apresentada a seus parentes, consolou-o quando um amigo foi morto e habituou-se a ouvir explosões durante suas conversas. Em março, estimulou-o a fugir para o Brasil.
"Ele quer muito vir. Lá está faltando luz, água, comida. Quem tem joias troca por uma dúzia de ovos."
A agente de turismo diz, no entanto, que ele jamais conseguiu reunir a documentação exigida. Além dos dez requisitos, ela diz ter sido informada por uma funcionária da embaixada brasileira na Síria de que ele precisaria comprovar movimentação bancária de ao menos US$ 2 mil (R$ 4,6 mil) mensais.
Desempregado – ela diz que a indústria em que trabalhava fechou por causa da guerra –, ele não pôde cumprir as exigências. Foi então que ela teve a ideia de se casar com ele, para que o sírio pudesse viajar com um visto familiar.
O matrimônio ocorreria por procuração, sem que ela precisasse estar na Síria, e reduziria as exigências para o visto. Ela diz estudar formas de tirar os planos do papel. "Eu seria capaz de fazer isso por ele, mas tenho que planejar tudo com cuidado".
'Riscos à segurança nacional'
Desde julho de 2012, a embaixada brasileira na Síria mantém apenas funcionários locais, que encaminham os pedidos de visto para o consulado em Beirute, no Líbano. Segundo Amer Masarani, da Coordenação da Revolução Síria no Brasil, a análise dos pedidos leva entre três e quatro meses.
Para agilizar o processo, ele diz que muitos sírios têm viajado para Beirute ou para Amã, na Jordânia, onde os serviços consulares brasileiros operam normalmente. Ele afirma, porém, que mesmo nas duas cidades muitos pedidos têm sido negados.
Masarani diz que o governo brasileiro dificulta a vinda de sírios porque, segundo ele, apoia Bashar al-Assad. "O Brasil não quer dar mais visibilidade ao conflito".
Já o Itamaraty diz que as exigências feitas aos sírios se aplicam a qualquer estrangeiro de países com os quais o Brasil não tenha acordo de isenção de vistos. Além disso, segundo um assessor de imprensa do órgão, "numa circunstância como a presente (na Síria), temos que tomar cuidado para não aceitar pessoas que possam pôr em risco a segurança nacional".
O órgão diz recusar vistos apenas quando uma série de requisitos é descumprida. A pasta estima que, desde agosto de 2012, apenas 10% dos pedidos de visto de sírios processados pelo consulado em Beirute tenham sido negados.
Para Masarani, o argumento da segurança nacional não se sustenta. Ele cita o caso da Suécia, que recebeu cerca de 15 mil refugiados sírios desde 2012, quase 60 vezes mais que o Brasil. A maioria ingressou no país com vistos de entrada regulares; outros, por uma cota de refugiados acordada com a ONU.
"Será que a Suécia não se preocupa com sua segurança nacional?", indaga.