Roberto Civita: um retrato empresarial e humano - Alberto Dines
Diplomacia e Relações Internacionais

Roberto Civita: um retrato empresarial e humano - Alberto Dines


Um relato objetivo sobre o homem enquanto empresário, e sua trajetória pouco conhecida.
Paulo Roberto de Almeida

ROBERTO CIVITA (1936-2013)

Editor, empresário, professor

Por Alberto Dines 
Observatório da Imprensa, em 28/05/2013 na edição 748
A praxe sugere uma advertência que este observador cumpre a contragosto: ao assumir uma amizade de cinquenta anos fica parecendo que este texto estaria condicionado pelas emoções da perda pessoal. A pulsão de contar uma história (ou a compulsão do testemunho) geralmente obedece a motivações subjetivas, o que não as desqualifica nem as subordina a outros interesses. O relato acrítico, pretensamente objetivo, este sim é sempre deficiente. Ruim.
Os releases biográficos publicados na mídia foram pródigos em lembrar as façanhas de Roberto Civita ao criarRealidadeVeja e Exame num mercado de revistas até então dominado por O Cruzeiro e Manchete visivelmente dependentes do glamour da antiga capital federal.
Quando RoC (como assinava os bilhetes) procurou dar uma entonação verdadeiramente nacional à prospera editora de quadrinhos e revistas de serviços (fundada pelo pai, Victor Civita, na Marginal Tietê), deslocou para sempre o eixo jornalístico do país.
Os formidáveis aportes dos “anos de ouro” do jornalismo carioca (1949-1956) foram ultrapassados por um profissionalismo made in São Paulo jamais manifestado ou suplantado.
Em busca do modelo
Aqui entra o “professor” Roberto Civita com a sua obsessão por treinamento e qualificação. Parte do sucesso inicial de Veja deve-se ao curso pelo qual passou o seu quadro de jornalistas antes mesmo de impresso o projeto-piloto. O “estilo Veja de redação” (que tanta celeuma provocou nos primeiros anos) não aconteceu por acaso, foi seu subproduto.
O Curso Abril de Jornalismo, criado na década de 1980, mantém até hoje turmas anuais e, de certa forma, foi a matriz do seu projeto mais ambicioso em matéria de formação profissional: o Pós-Graduação em Jornalismo com Ênfase em Direção Editorial, em parceria com a ESPM, hoje na terceira edição anual.
Durante dois anos, Roberto Civita percorreu as principais escolas de jornalismo dos Estados Unidos, conversou com reitores, analisou grades curriculares, ajudou a selecionar o corpo docente e inclusive assumiu uma disciplina. Isso fazia parte de um postulado que não cansava de repetir: “Alguém precisa fazer o papel de chato, melhor que seja eu”.
Ironia, Veja foi o primeiro veículo de grande porte a atacar a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo (1982), mas a Editora Abril foi também a primeira organização jornalística a ter como publisher um graduado em Jornalismo (pela Universidade da Pensilvânia).
Impossível verificar se em 2009 Roberto Civita concordou com o ministro Gilmar Mendes, relator da questão do diploma no STF, de que jornalismo, não sendo profissão, dispensa uma formação específica. A verdade é que todo o seu currículo como editor, publisher e empresário representa uma aposta consistente na direção contrária.
Esta vocação ancestral para ensinar aliada à insaciável curiosidade intelectual e amparadas por um fabuloso tino comercial foram as responsáveis por um trunfo que os primeiros obituários não tiveram tempo de valorizar: a Abril Educação (herdeira da Fundação Victor Civita, criada nos anos 1980) é empresarialmente tão importante quanto a Editora Abril – um poderoso conglomerado de editoras de livros didáticos, cursos de idiomas, escolas técnicas e universidades particulares.
Enquanto o jornalismo impresso debate-se em busca de um modelo de negócios capaz de neutralizar alguns efeitos da formidável onda digital, a Abril aponta na direção da indústria do conhecimento, um binômio estável, composto por vetores convergentes e associados: Imprensa e Educação.
Empresas divididas
De todas as nossas indústrias a da Comunicação é a que se assume como a mais legítima representante do modo capitalista de produção. Contudo, nem todas as empresas e grupos jornalísticos nacionais seguem seus paradigmas. Como se a ruidosa filiação à iniciativa privada e ao capitalismo fosse suficiente para garantir o sucesso empresarial.
Não é. O fato de serem organizações familiares não chega a ser entrave. Mas a transparência permanece uma questão chave, mesmo quando não são empresas de capital aberto ou quando suas ações não estão cotadas em bolsa.
Os irmãos Roberto e Richard Civita sempre trabalharam juntos, depois se separaram agressivamente, dividiram a empresa (Editora Abril e Abril Cultural). Apesar do forte sacolejo, o processo seguiu os cânones modernos da administração graças à intervenção de consultores e árbitros respeitados pelas partes. Reconciliaram-se como irmãos, a sociedade acabou.
As débâcles do Jornal do BrasilGazeta Mercantil, Grupo Bloch, as precariedades do espólio dos Diários Associados e o susto por que passa o Grupo Estado exibem uma caricatura do sistema capitalista justamente numa indústria que deveria ser o seu abre-alas, carro-chefe.
***
Em aberto
Ao lembrar que a biografia de Roberto Civita começa a movimentar-se quando a família é obrigada a fugir da Itália fascista e antissemita, somos remetidos a um conjunto de situações e ingredientes geralmente desconsiderados ou atenuados em nosso biografismo e historiografia.
Por duas vezes os Civita foram obrigados a abandonar as editoras em que trabalhavam tocados pelo terror político. A segunda vez foi nos anos 1970, quando o ramo argentino, da noite para o dia, deixou a sua empresa e o país assustado pelas ameaças simultâneas das milícias de extrema esquerda e extrema direita.
O tópico lembra uma agenda de conversas infelizmente inconclusa. Roberto Civita, o racional, não a deixaria assim.
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O mesmo número do Observatório da Imprensa traz todas estas matérias, sobre Civita e sobre o outro morto ilustre do jornalismo brasileiro, Ruy Mesquita:


MEMÓRIA
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Editor, empresário, professor
Alberto Dines
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
O impacto do dono da Abril na mídia brasileira
Paulo Nogueira
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Empresário deu forma às ideias do pai
Carlos Costa
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Morreu o criador de ‘Veja’
Veja.com
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Morre Roberto Civita, aos 76 anos
Cynthia Malta
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
A morte de Roberto Civita
Luís Nassif
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Morre o empresário Roberto Civita
OESP
ROBERTO CIVITA (1936-2013)
Ele diversificou os negócios da Abril
Globo.com
RUY MESQUITA (1925-2013)
‘Um gesto de coragem em meio ao breu da ditadura’
Fernando Morais
RUY MESQUITA (1925-2013)
Funda melancolia
Mino Carta
RUY MESQUITA (1925-2013)
Uma vida dedicada ao jornalismo
Matías M. Molina
RUY MESQUITA (1925-2013)
‘Dr. Ruy’ era maior que o estereótipo que dele faziam
Leão Serva
RUY MESQUITA (1925-2013)
O legado de Ruy Mesquita
Paulo Nogueira
RUY MESQUITA (1925-2013)
O último dos moicanos
Roberto Salone
RUY MESQUITA (1925-2013)
Ruy, o justo e sincero
Flávio Tavares
RUY MESQUITA (1925-2013)
Jornalista Ruy Mesquita
Sandro Vaia
RUY MESQUITA (1925-2013)
Ruy Mesquita, o último grande ‘publisher’ brasileiro
Felipe Machado
RUY MESQUITA (1925-2013)
Ruy Mesquita morre aos 88 em São Paulo
Oscar Pilagallo
RUY MESQUITA (1925-2013)
Ruy e a História do futuro
José Serra



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