“O governo funciona como nas capitanias hereditárias”, disse o executivo de uma grande empreiteira com quem conversei longamente nos últimos dias. Em cada área do governo que uma empresa vai, para discutir projetos, ela é enviada para falar com um político. Num dos negócios que fez, há dois anos, o executivo teve que conversar com Paulo Maluf. Ministros da presidente Dilma sabiam do encontro.
Os detalhes das abordagens são sempre espantosos. Meu interlocutor nega pagamento de propina, mas conta que às vezes fala-se abertamente que a área “pertence” a um partido. Há quem apenas diga indiretamente, mas há quem seja franco, como um prefeito de uma cidade de Tocantins, que pediu “luvas” apenas para não revogar negócio já feito na administração anterior. Concessões, mesmo depois de ganhas, passam a ser pontos de chantagem porque a autoridade sempre pode decretar a caducidade do contrato. Ministros do governo admitem nada poder fazer diante do veto de uma pessoa de terceiro escalão, sob o argumento de que aquela é a “área” de outro grupo ou líder político. É uma total inversão da ordem hierárquica. De fato, tudo funciona como nas velhas capitanias.
Nada me convence, no entanto, de que as empreiteiras, principalmente as maiores que têm décadas de comprovada capacidade, atuação no exterior, não tenham o dever de quebrar o pacto de silêncio. Por que se submetem a ouvir de pessoa do segundo ou terceiro escalão do governo, ou de um gerente da Petrobras, que negócios líquidos e certos só poderão ser feitos se eles pagarem?
Portanto, elas não são vítimas. Se ficam em silêncio, pagando ou não, são cúmplices, são parte da mesma tragédia que se abate sobre o Brasil.
A pessoa com quem conversei sobre as entranhas dos negócios com o setor público brasileiro, e outros executivos com quem tenho falado, não tem dúvidas em dizer que a corrupção, evidentemente, não é coisa nova, mas a escala a que se chegou nos governos do PT não tem precedentes. E justifica o bordão do ex-presidente para louvar seus feitos: “Nunca antes na história deste país."
— Quando o sub do sub se dispõe a devolver US$ 100 milhões, como é caso de Pedro Barusco, é porque a escala do roubo é grande demais — disse o empresário.
A explicação dele é que os governos do PT abriram ao mesmo tempo várias frentes de obras, depois de um período de paralisia dos investimentos no governo Fernando Henrique. Na Petrobras, por exemplo, que não fazia refinaria há 20 anos, foram iniciadas quatro. Ele acha que isso explica a escalada da corrupção. Isso não explica, no entanto, os vários casos de sobrepreço em cada contrato de importação, fretamento de navio, cada operação de compra da empresa. Tudo era pretexto para se armar a cena em que o empresário é enviado ao “operador” de um dos partidos da base.
A justificativa inicial é que o partido precisa de financiamento, mas, quando se oferecem doações legais, em geral eles ouvem que não é o suficiente. Nos últimos tempos, ficou claro para os empresários que era também para enriquecimento pessoal.
Há empresas que cresceram rapidamente da noite para o dia, sempre à sombra dos seus protetores, verdadeiros fidalgos da corrupção e que têm o poder de abrir a torneira de recursos públicos, ou garantir a vitória em licitação mesmo com todas as evidências de que não estão tecnicamente preparadas.
O dirigente de uma empresa fornecedora de serviços procurou um ministro influente do governo Dilma e explicou que era possível apenas com bom gerenciamento melhorar muito um setor no qual o Brasil tem deficiência crônica. “Parem de gastar dinheiro”, disse o executivo, e mostrou como era possível. Em vez de fazer novas obras, usar a eficiência no que já fora construído para elevar a qualidade do serviço. Foi despachado do gabinete com a afirmação de que não era isso que se procurava.
A presidente Dilma está se comportando como se a operação Lava-Jato fosse patrocinada por ela. A operação é sim uma oportunidade para o país, mas é seu governo que está no meio do turbilhão. Há fios soltos demais que, se puxados, levarão a decisões e negócios feitos nos últimos quatro anos, ou nos últimos 12 anos, no setor de energia, que sempre esteve sob seu controle.