Diplomacia e Relações Internacionais
Politica externa: balanco da era Lula
A política externa sem LulaSergio Leo
Valor Econômico, 04/10/2010
Ao aproveitar a reunião do G-20, na Coreia, em novembro, para apresentar seu sucessor à comunidade internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrará uma nova etapa da política externa brasileira, em que a crescente presença do Brasil nas instâncias de decisão mundiais foi impulsionada pela figura do carismático líder metalúrgico, capaz de persistir na via democrática para chegar ao poder e de combinar o respeito aos mercados com uma ativa política de distribuição de renda. Não à toa, Lula pretende fazer, de seu discurso na Coreia, um balanço de seu governo.
Há consenso entre os analistas que a saída de Lula obriga o próximo governo a modificar, se não a essência, a forma de atuação internacional. O Brasil de democracia consolidada, das enormes florestas, do petróleo no pré-sal, das imensas riquezas naturais e de atrativo mercado consumidor está destinado a ter presença importante no cenário internacional, mas quem o comandará a partir de 2011 não terá suas declarações recebidas com a mesma benevolência concedida ao presidente de metáforas exóticas e trânsito fácil, agora em fim de mandato.
Há, no Brasil, quem atribua o respeito adquirido pela política externa brasileira apenas à enorme popularidade de Lula também no exterior . É um equívoco. A influência e a visibilidade do Brasil nos órgãos multilaterais e nos eventos mundiais não se deve apenas à singularidade do presidente operário, o Lech Walesa que deu certo - na feliz definição do antecessor, Fernando Henrique Cardoso, em comparação com o ex-líder sindical polonês, que também foi presidente e mito internacional.
É grande a resistência à liderança brasileira nos países vizinhosHouve e há muito do trabalho de respeitados diplomatas brasileiros na configuração da política externa dos últimos oito anos. Foram também os êxitos dessa política, nem sempre reconhecidos no país, que garantiram ao Brasil presença nas mesas de decisão do mundo - ainda que tenha sido em vão, até agora, o esforço do governo para ter cadeira cativa em uma das principais dessas mesas, o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Faltou ao Brasil, no governo Lula, uma estratégia mais eficaz para prevenir e tratar as ameaças aos interesses nacionais surgidas nos países vizinhos, quase todos conturbados por profundas mudanças internas, reviravoltas políticas e, em alguns casos, na situação econômica. Ainda é grande a resistência à liderança brasileira, refletida na lentidão dos projetos sul-americanos de integração; e ainda surgem sem aviso ações contrárias à economia brasileira, como medidas protecionistas do principal sócio regional, a Argentina.
Seria injustiça, porém, negar os avanços. Com a criação de comissões de monitoramento de comércio com os sócios comerciais no continente, foram abortadas pela negociação preventiva discordâncias que poderiam se desdobrar em crises comerciais. Listado entre os governos confiáveis à comunidade financeira internacional, o Brasil conseguiu, nos últimos anos, evitar conflito direto com os chamados países "bolivarianos" de tendência estatista e agressiva retórica diplomática, estabelecendo com os governos desses países, onde é forte a interferência presidencial nos negócios, uma linha direta de defesa dos interesses de cidadãos e empresas brasileiras.
O esforço para institucionalizar mecanismos internacionais de decisão e solução de conflitos é, talvez, uma das principais marcas do governo que acaba, a ser herdada pelo que começará em 2011. Um dos resultados mais notáveis foi a transformação, em G-20 - com presença atuante do Brasil-, do G-7, o grupo de países ricos que, até a última crise financeira, decidia as ações conjuntas de governança econômica mundial. Nas negociações comerciais, o acordo de livre comércio entre Estados Unidos e Colômbia, assinado há quatro anos, e até hoje bloqueado no Congresso dos EUA, mostra o exagero dos que apontam a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) como oportunidade perdida para a economia brasileira. Não se pode culpar a diplomacia de Lula pelos impasses nas negociações internacionais comerciais, que, no caso da Organização Mundial do Comércio (OMC), até ressaltaram o protagonismo brasileiro, ainda que o único resultado prático tenha sido bloquear um acordo entre EUA e União Europeia, que ameaçava interesses nos países em desenvolvimento.
Na América do Sul, a heterogeneidade entre as economias e a situação política da Argentina (além de resistências no próprio setor privado brasileiro) impediram a consolidação do Mercosul. Mas evitou-se o retrocesso e houve pequenas conquistas, como a criação de um fundo, o Focem, para investimentos na integração, e um sistema para acabar com a cobrança dupla da tarifa de importação no bloco.
A crise da semana passada no Equador, tratada entre os vizinhos por meio da Unasul, uma iniciativa brasileira, mostra que o esforço institucional da diplomacia sob governo atual tem o potencial de deixar heranças positivas para a governabilidade da região. A reunião, que decidiu estabelecer uma "cláusula democrática" no continente, prescindiu até da presença de Lula, que, no Brasil, se empenhava na própria sucessão.
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Política externa pró-ativa de Lula deve ter continuidadeSílvio Ribas
Brasil Econômico, 04/10/2010
Aumento da importância do país no cenário internacional suplanta dificuldades criadas por lances polêmicas
A política externa pró-ativa que marcou os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá ter continuidade no próximo governo. Segundo especialistas ouvidos pelo BRASIL ECONÔMICO, descontados os tropeços motivados por excessos de ousadia, pragmatismo e simpatia ideológica, a diplomacia ampliou a inserção do Brasil na cena global.
Essa mudança de patamar acompanhada do crescimento econômico é a motivação para se manter o novo protagonismo internacional do país. O desafio a partir de 2011 é consolidar avanços e corrigir desvios de rota.
Amado Luiz Cervo, professor da Universidade de Brasília (UnB), afirma que a atual diplomacia verde-amarela colecionou êxitos e malogros. A maior vitória está na internacionalização da economia, com investimentos externos de empresas brasileiras alcançando R$ 200 bilhões até 2018. “É um processo típico da globalização e que deve continuar com os canais abertos pelo governo”, disse. O investimento em mecanismos para cessar conflitos globais e regionais também foi um sucesso, ao fortalecer foros de emergentes (Brics, Ibas e Unasul) e “levar o mundo a refletir sobre o multilateralismo”.
Para o especialista, as maiores derrotas do Itamaraty na Era Lula estão na costura de acordos de livre comércio entre blocos econômicos e os de perspectiva global. “As negociações entre Mercosul e União Europeia não avançaram. Caberá ao novo governo delinear nova estratégia”, explica. Em relação à América do Sul, Cervo vê resultados ambíguos do esforço diplomático brasileiro.
“A integração política e econômica do continente seguiu adiante. Mas esse projeto de criar um polo de poder se revela uma colcha de retalhos”, ressalta.
Carlos Pio, professor de economia política internacional da UnB, acrescenta que a eventual entrada da Venezuela no Mercosul, ainda dependente da aprovação pelo Legislativo paraguaio, em tese favoreceria o Brasil. A ampliação da área econômica do bloco levaria empresas brasileiras a vender mais para o país de Hugo Chávez e atrairia investimento venezuelano ao mercado brasileiro, cujos fundamentos macroeconômicos são melhores. O risco está na instabilidade jurídica.
Envolvido com campanhas eleitorais de aliados, Lula delegou ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a tarefa de fazer o último discurso de seu governo na Organização das Nações Unidas (ONU). O chanceler apresentou no último dia 23 durante a abertura da Assembleia Geral do órgão um detalhado balanço. Ele reiterou o pedido de reforma no Conselho de Segurança da ONU e a defesa do diálogo como forma de solucionar controvérsias.
Amorim destacou a necessidade de retomar negociações entre ONU e Irã, que sofre sanções por insistir como programa nuclear. “De volta à mesa de negociações, as partes resolverão os problemas”, aposta.
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Polêmicas marcaram atuação do ItamaratySílvio Ribas
Brasil Econômico, 4.10.2010
De Mahmoud Ahmadinejad (presidente do Irã) a Manuel Zelaya (ex-presidente de Honduras deposto em junho de 2009), os verbetes da atual política externa saíram da visão de Brasil Grande do presidente Lula. Dono de carisma mundial, ele foi protagonista de situações inesperadas no tabuleiro global, com repercussões nem sempre positivas.
“A aproximação de Lula com o presidente Ahmadinejad e a oposição do Brasil às sanções globais ao Irã não abalaram as relações com alguns países mais próximos ou que compartilham interesses estratégicos. Apesar disso, é inegável que esses movimentos provocaram estrago à imagem externa do país. Algumas reações negativas foram até fortes”, comentou um importante embaixador em Brasília.
A busca obsessiva para ser um dos principais atores da cena global levou o governo a ampliar o número de embaixadas no mundo, investir em ações humanitárias e a buscar maior influência em organismos multilaterais.
“Mas ao tentar ser amigo de todos, inclusive ditadores, Lula acabou desagradando alguns. E não é possível agradar a todos”, comenta Sérgio Gil Marques, professor das Faculdades Integradas Rio Branco. Segundo ele, os equívocos da diplomacia brasileira foram criados também por uma “disputa surda” entre posições divergentes internas do Itamaraty, o assessor especial do presidente para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, e o próprio presidente.
Diferenças entre o chanceler Celso Amorim e o secretário-executivo do ministério Antônio Patriota, candidato a sucedê-lo, tornaram-se visíveis.
S.R
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