Diplomacia e Relações Internacionais
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O decadente tirano da LíbiaLarbi Sadiki
Conectando Leitores, 23/02/2011
A Líbia não vai se livrar da infecção dos ventos revolucionários democráticos soprando por todo o Oriente Médio e Norte da África. Se o duradouro líder Muamar Kadafi cair, será uma doce vitória para os herdeiros de Omar AL-Mkhtar, o lendário herói anti-fascista e anti-colonial. Mas muito sangue ainda irá jorrar antes que o coronel Líbio abandone o barco.
Depois de Saddam Hussein no Iraque e Ben Ali na Tunísia, Kadafi é o pior sobrevivente entre os governantes ilegítimos árabes. Ele agora está colhendo o que semeou: terror, nepotismo, política tribal e abuso de poder.
Na Líbia de Kadafi, o chamado Congresso do Povo, universidades e outras organizações afiliadas ao regime tiveram que seguir a linha oficial: culto ao “irmão líder”, leitura do seu Livro Verde, e o rótulo de Pan-Africanismo que nenhum líbio, exceto Kadafi e seus comparsas, acredita.
Ao visitar o país com um grupo de estudantes da Exeter University, os slogans vazios da “Grande Revolução” de Kadafi cobriam todos os espaços públicos. “Parceiros não remunerados”, disse alguém. Outro afirmou “Governo do povo” (sultat AL-shab’ab). Nada poderia estar mais longe da verdade.
Kadafi tem governado o país com a grandeza delirante de um homem que subiu ao poder em um golpe em 1969 com ideais políticos cativantes que se foram abandonando e corrompendo. O socialismo fanfarrão de Kadafi transformou-se em distribuição de favores entre o clã do coronel.
Círculo Íntimo
Um círculo íntimo de confidentes e parentes próximos de Kadafi decidiu e executou os enforcamentos de 1970, com ajuda dos temidos homicidas “comitês revolucionários”.
Nenhuma consulta foi feita ao povo sobre as decisões tomadas e executadas nas guerras, como as que ocorreram no Chade e em outros locais da África. O povo nunca pode reclamar abertamente sobre o dinheiro prodigamente pago na conquista das aventuras estrangeiras de Kadafi, incluindo financiamentos a organizações terroristas.
O regime de Kadafi esteve ligado aos assassinatos do Setembro Negro de 1972 de atletas israelenses na Alemanha, ao desaparecimento do Imã Xiita Musa Al-Sadr em 1978 na Líbia, ao assassinato da policial britânica Yvonne Fletcher em 1984, ao bombardeio da Discoteca La Belle em Berlin em 1986, aos barcos carregados de armas destinados ao Exército Republicano Irlandês em 1987, ao sequestro do voo 73 da Pan Am em 1986, e da explosão do voo 103 da Pan Am em 1988. Isso tudo não esgota a lista.
O bombardeio de Trípoli e Benghazi em 1986 pelos Estados Unidos, ou a grande soma de dinheiro pago por Kadafi para compensar todos os tipos de reclamações contra a Líbia foram alguns dos preços pagos pelos líbios pelos erros de cálculo de seu líder.
As sanções e o status de pária só foram atenuados nos últimos 10 anos. Carregar um passaporte verde líbio fez dos cidadãos líbios ‘persona non grata’ em muitas partes do mundo.
O narcisismo de Kadafi é tal que apenas uns poucos de seus camaradas de armas da tropa dos Oficiais Livres que deram o golpe de 1969 contra o Rei Idris sobreviveram a sua brutalidade.
Alguns morreram em circunstâncias misteriosas (Omar Limheshi; Imhammad al-Muqrif). Outros se retiraram da vida pública voluntariamente (Abd al-Salam Jelloud).
Ato de repúdio público
Como o Egito, o levante na Líbia se caracteriza como um ato de repúdio a um regime existente. Estes são países que passaram por revoluções militares e hoje estão enfrentando revoluções civis.
Tal como na Tunísia, mas de forma muito pior, a Líbia investiu muito pouco em capital social ou em capacitação cívica. Todas as organizações estão comprometidas ou afiliadas à Grande Revolução de Kadafi. Literalmente, estas são células para espionar o povo ou milícias subornadas para defender o regime. Quando os manifestantes abanam bandeiras, ou entoam slogans pró-Kadafi ou anti-Ocidentais, eles o fazem sob ordens do regime.
Apesar disso, os líbios não têm sido passivos. Por exemplo, a Liga Líbia dos Direitos Humanos, a Conferência Nacional da Oposição Líbia (NCLO em inglês), e os Islamitas banidos, todos usaram a internet para expressar sua raiva. Em alguns casos, os dissidentes líbios usaram a Internet como uma ferramenta política, muito antes dos ativistas, em outras partes do Oriente Médio. A NCLO se reuniu em Londres em 2006 e planeja exercer um papel fundamental nas reformas da Líbia pós-Kadafi.
As tentativas de remover Kadafi iniciaram em meados dos anos 80. A mais famosa ocorreu em maio de 1984, no golpe da Guarnição de Abal Al Aziziya quando a Frente Nacional para a Salvação da Líbia, composta de militares e civis dissidentes, teve um papel fundamental.
O confronto mais sério contra a autoridade de Kadafi veio da mais populosa e poderosa tribo líbia, a Warfallah, em outubro de 1993. A rebelião acabou nos julgamentos fraudados de 1995. Diversos homens das tribos foram executados em 1997.
A região oriental, Benghazi, sempre foi uma fonte de dissidência contra o regime. Dezenas morreram nos protestos de 2006. O mapa atual do motim é tanto tribal como regional. Duas tribos ajustaram contas antigas com o regime de Kadafi, retirando seu apoio. Kadafi está agora pagando o preço por ter humilhado a tribo Wirfallah, que ele excluiu de seus favores em meados dos anos 90. Similarmente, a tribo Tabu no sudeste do país tem sofrido estarrecedora discriminação.
Os cinturões de miséria da Líbia estão agora liderando a rebelião. Cidades como Al-Baida, Derna, Ijdadia, todas marginalizadas, não têm dívida de gratidão para com Kadafi, pois nada ganharam do seu governo. Os subúrbios mais pobres de Trípoli, Zintan e Awiya, que têm estado sob fogo intenso, estão liderando a rebelião na capital.
Por que a revolução que depôs Ben Ali na Tunísia demonstra ser infecciosa? As razões podem ser resumidas pelos seguintes fatores: a presença de um tipo de hegemonia à Ben Ali; podridão dinástica e nepotista; republicanismo monárquico; corrupção desenfreada; marginalização dos jovens; violações dos direitos humanos; controle da informação e estado policial.
Todas estas condições se aplicam à Líbia. A única coisa boa na Líbia de Kadafi é a ausência de eleições, que poupou os comitês revolucionários de Kadafi a má conduta complementar de fraudá-las.
Além desses fatores, a região leste, ou seja, Benghazi, tem sido privada dos dividendos do petróleo. Em um país com uma das maiores faixas costeiras de alta produção de petróleo, receitas e oportunidades devem estar disponíveis aos cidadãos. Mas este não tem sido o caso. Agora, Kadafi está colhendo o que semeou.
Dr Larbi Sadiki é professor titular de Política do Oriente Médio na Universidade de Exeter, e autor de Arab Democratisation: Elections without Democracy (Oxford University Press, 2009) e The Search for Arab Democracy: Discourses and Counter-Discourses (Columbia University Press, 2004).
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