O racismo oficial do Estado brasileiro: o Apartheid em construção
Diplomacia e Relações Internacionais

O racismo oficial do Estado brasileiro: o Apartheid em construção


Já protestei, neste mesmo espaço, contra o racismo do CNPq, na verdade da Presidência da República e da republiqueta dos companheiros: o CNPq foi obrigado, provavelmente contra a opinião de seus dirigentes e da maioria dos seus integrantes, a colocar essa exigência de autodefinição racial no Currículo Lattes.
Eu, obviamente, não desejando escolher entre ser branco, preto ou amarelo, simplesmente marquei que "Não desejo declarar", o que parece uma confissão de vergonha ou de covardia, quando deveria sinplesmente não existir essa exigência obrigatória.
Depois, pensando bem, resolvi que queria ser negro, e convidar TODOS os pesquisadores que tem necessariamente de se classificar a escolher a mesma opção: se declararem NEGROS.
Esta é a única maneira de denunciar e de inviabilizar a classificação RACISTA que nos pretendem impingir: pronto, agora somos todos NEGROS, e exigimos um tratamento condizente com a nossa condição de NEGROS.
Como Vinicius de Morais, que no seu Samba da Benção, se declarava o branco mais preto do Brasil, seremos agora todos brancos absolutamente negros, já que se trata de autodefinição.
Simplesmente vergonhoso.
Paulo Roberto de Almeida

Currículo racial
Editorial O Estado de S.Paulo, 5 de maio de 2013

Parece não haver desvão da sociedade brasileira que esteja livre do germe do racialismo patrocinado pelo Estado. A mais recente investida se deu na Plataforma Lattes, sistema que agrega informações sobre o universo acadêmico, organizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Na Plataforma, os pesquisadores devem manter seu perfil acadêmico e atualizá-lo regularmente com sua produção, para que as instituições de fomento possam medir seus méritos antes de conceder financiamentos. É o chamado Currículo Lattes, sem o qual praticamente nenhum pesquisador hoje no País é reconhecido. Pois agora o CNPq solicita dos acadêmicos uma informação que nada tem de científica ou meritória: a "raça" ou a "cor".

Os pesquisadores que tiveram de atualizar seu Currículo Lattes nos últimos dias depararam-se com essa exigência esdrúxula: "O campo 'Cor ou Raça' é de preenchimento obrigatório para a publicação do Currículo Lattes. Essa informação é solicitada para atender à Lei n.º 12.288, de 20 de julho de 2010". Trata-se da lei que institui o chamado Estatuto da Igualdade Racial, um projeto que, prenhe de boas intenções, oficializou a desigualdade racial no Brasil.
Ao estabelecer uma série de mecanismos que visam a "combater a discriminação de cidadãos afro-brasileiros", o estatuto parte do princípio de que os cidadãos brancos são invariavelmente favorecidos nos concursos e no trabalho graças somente à cor de sua pele, e não a seus méritos pessoais. Portanto, para combater essa suposta discriminação, criou-se outra, que nada tem de hipotética. Pretendeu-se resgatar uma "dívida histórica", referente à escravidão, à custa do artigo constitucional segundo o qual "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza".
Essa aberração jurídica foi corroborada pelo Supremo Tribunal Federal em 2012, ao avalizar a adoção de cotas para negros e pardos nas universidades públicas. "A pobreza tem cor no Brasil", justificou a ministra Rosa Weber, como se a pobreza fosse uma característica inerente aos negros. Poucas vezes a consolidação de um estereótipo social negativo como esse contou com o apoio de tão doutos jurisconsultos.
O resultado é que a sociedade está agora legalmente dividida em negros e pardos de um lado e brancos de outro. Por esse motivo, pareceu natural ao governo exigir uma declaração racial formal dos pesquisadores e acadêmicos - como parte de seu currículo pessoal. A Secretaria da Promoção da Igualdade Racial informa que esse dado agora é necessário para "orientar os órgãos públicos federais na adoção de ações de promoção da igualdade racial" e que isso "atende a uma das mais antigas reivindicações do movimento negro brasileiro". A julgar pela explicação da secretária de Políticas de Ações Afirmativas, Angela Nascimento, isso significa que o Estado poderá discriminar pesquisadores em razão de sua raça ou de sua cor na hora de decidir se deve ou não financiá-los, pois o "quesito raça/cor" é "instrumento fundamental da ação governamental no planejamento, avaliação e alcance de tais políticas públicas".
Sofisticou-se, assim, o racialismo. Até aqui, as políticas de ação afirmativa tinham como base apenas levantamentos demográficos genéricos, feitos pelo IBGE, nos quais se preservava o anonimato. Agora, no caso dos pesquisadores, seus nomes estarão vinculados a rótulos como "negro", "branco" ou "amarelo", como se essas definições fizessem parte de suas qualificações. Em artigo no jornal O Globo (18/4), sob o apropriado título O ovo da serpente, a antropóloga Yvonne Maggie se disse "chocada" com a exigência do CNPq, expressando dúvidas pertinentes: "Como essa informação será utilizada? Será sigilosa?".
Há a opção "não desejo responder à pergunta", mas quem garante que o pesquisador que se recusar a informar sua raça não será discriminado por isso? O fato é que a pergunta nem sequer deveria ter sido feita, pois que mérito acadêmico há em ser "branco", "negro" ou "amarelo"?



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