O descalabro nas contas publicas do Brasil
Diplomacia e Relações Internacionais

O descalabro nas contas publicas do Brasil


Um editorial político e um editorial econômico no jornal O Estado de S.Paulo sobre a deterioração das contas públicas no Brasil.

Ilusionismo nas contas públicas

Editorial - O Estado de S.Paulo
02 de setembro de 2010

Com os gastos em alta, meta fiscal em perigo, compromissos pesados para os próximos anos e às vésperas da complexa capitalização da Petrobrás, o governo decidiu apelar para a criatividade contábil e para o método Chacrinha - "eu vim para confundir, não vim para explicar". A estratégia inclui um emaranhado de transações entre o Tesouro Nacional, o Fundo Soberano do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Caixa Econômica Federal, a Petrobrás e a Eletrobrás. Quem suceder ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá muito trabalho para avaliar os efeitos fiscais dessas manobras. O esforço resultará, quase certamente, em revelações nada agradáveis.

A última manobra foi a edição da Medida Provisória (MP) 500, para autorizar a União a ceder ao Fundo Soberano, ao BNDES e a outros entes federais seu direito de preferência na compra de novas ações da Petrobrás, mantida a maioria exigida por lei. O objetivo é evidente, embora o nome da empresa não seja mencionado. O Fundo, hoje com aproximadamente R$ 15 bilhões, poderá participar da capitalização da petrolífera, assim como o BNDES e outros bancos sob controle da União.

A nova medida repete os pontos essenciais da MP 487 - editada em abril e com validade até 5 de setembro - e explicita a possibilidade de compra de ações de empresas de economia mista pelo Fundo Soberano. Essa MP havia autorizado o Tesouro a fornecer recursos a uma estatal por meio do repasse de ações de outras empresas públicas ou de economia mista.

A MP 500 abre amplas possibilidades de intervenção do governo, por meio do Fundo Soberano ou de outros entes, em operações de capitalização. Tudo será possível, admitiu à reportagem do Estado um funcionário do Ministério da Fazenda. A capitalização da Eletrobrás, prevista para breve, e a de bancos estatais ficarão legalmente mais fáceis.

O objetivo imediato é abrir espaço para participação na compra das novas ações da Petrobrás. A União foi inicialmente autorizada a contribuir para o aumento de capital por meio da cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal. Mas uma participação maior poderá ser necessária, se o preço desses barris for fixado em nível muito alto e os acionistas minoritários absorverem um número insuficiente de ações. A MP facilita ao governo uma intervenção maior que a cessão dos 5 bilhões de barris. Além do mais, o presidente Lula já havia mostrado interesse em aumentar a parte da União no capital da Petrobrás.

Também o Decreto 7.279, publicado em 31 de agosto, contribui para o emaranhado de transações entre o Tesouro e entidades estatais. Esse decreto autorizou a União a transferir ao BNDES créditos no valor de R$ 1,4 bilhão. Esses créditos são relativos a "participações societárias no capital das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - Eletrobrás". Essa é uma cessão onerosa e a contrapartida é o pagamento ao Tesouro, pelo BNDES, do valor correspondente aos direitos transferidos. Esse pagamento entra no caixa do Tesouro como receita e reforça as contas federais, facilitando o cumprimento da meta fiscal ameaçada pelo excesso de gastos públicos. Com o mesmo objetivo, a Caixa Econômica Federal antecipou em agosto a entrega de R$ 958,5 milhões ao Tesouro. Em condições normais, a transferência desse dinheiro só ocorreria mais tarde, no momento de pagar dividendos. No fim de 2009, o BNDES já havia reforçado as contas do governo com a compra de R$ 3,5 bilhões correspondentes a dividendos esperados da Eletrobrás.

Há poucos dias o governo anunciou a transferência de ações da Petrobrás para capitalização do BNDES e da Caixa - manobra concebida para permitir a transferência de recursos sem endividamento do Tesouro. As duas entidades precisam da capitalização para participar dos enormes compromissos assumidos pelo governo - incluída a própria capitalização da Petrobrás.

Com essas manobras, as contas públicas tornam-se cada vez menos claras. O governo quer atender a muitos objetivos ao mesmo tempo - incluídos, é claro, os objetivos partidários e eleitorais - e não tem a mínima disposição de bem administrar suas contas. Ao contrário: torná-las cada vez mais obscuras é um requisito de sua política.

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Editorial econômico O Estado de S.Paulo:

Contabilidade sem disfarce em vez de contas criativas
O Estado de S.Paulo, 2 de setembro de 2010

O governo tem uma dívida atuarial equivalente a um PIB anual - R$ 3,5 trilhões, em valores correntes -, calcula o professor Hélio Zylberstajn, da USP, um especialista em previdência. Mas a responsabilidade não aparece nas contas públicas. Só será declarada - obrigando os governos federal, estaduais e municipais a pagar - quando forem adotados novos padrões de contabilidade semelhantes aos das empresas privadas. Como revelou o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado, ao jornal Valor, a decisão de mudar o padrão contábil brasileiro já foi tomada, valendo em 2012, para a União e os Estados, e em 2013, para os municípios.

O modelo contábil que as empresas privadas estão adotando, em todo o mundo, é o IFRS, padrão em mais de 100 países. O correspondente para contas públicas é denominado Ipsas, já usado na Inglaterra, França, Suécia, Suíça e Lituânia, segundo a consultoria Ernst&Young. Holanda e Noruega serão os próximos.

Para as empresas, a adoção do IFRS permite comparar as corporações brasileiras com as estrangeiras. Para os governos, permitirá avaliar a solvência do Estado no longo prazo. Nos dois casos, o objetivo é informar melhor os investidores, que assim farão escolhas mais objetivas.

Com o novo padrão, o Estado brasileiro informará qual é seu patrimônio - o valor de prédios, terrenos, máquinas, equipamentos e até bens públicos, como rodovias, ou ações de empresas como Petrobrás, Banco do Brasil, CEF, Eletrobrás e BNDES.

Sabe-se que é enorme - mas não medido - o patrimônio da União, de Estados e municípios. Esporadicamente são publicadas reportagens sobre os imóveis do INSS, muitos dos quais estão vazios ou alugados a preços baixos ou sem boa documentação e sem matrícula no registro de imóveis.

Algumas informações já são divulgadas pelo Ministério da Fazenda, que a cada ano publica um balanço contábil da União - o último, de 2009, indicou um patrimônio líquido de R$ 350 bilhões e ativos reais de R$ 2,81 trilhões. Santa Catarina antecipou-se, criando um grupo de trabalho para implantar a convergência contábil e divulgando o balanço de 2009 com uma dívida previdenciária de R$ 28,8 bilhões, sem que se conheça o valor dos ativos.

O que se espera é eliminar a "contabilidade criativa", dando lugar à transparência do Estado e a suas responsabilidades. Por exemplo, explicitando a dívida previdenciária atuarial, ficará claro por que a União tem de reformar o regime de aposentadorias, sem o que o equilíbrio fiscal será precário.



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