Diplomacia e Relações Internacionais
Nova geografia comercial: resultados brilhantes para o que se pretendia ter
Nova geografia comercial: resultados brilhantes para o que se pretendia ter
Paulo Roberto de Almeida
Desde o início do governo Lula, para disfarçar seu indisfarçável anti-americanismo primário – e sinceramente estúpido – os responsáveis pela política comercial do Brasil (coloquem aí os nomes que vocês desejarem, pois personagens tão bizarros não merecem sequer menção neste post) disseram que estavam criando uma “nova geografia comercial”, uma que seria capaz de “alterar as relações de força no mundo” (estou citando literalmente). Deve-se reconhecer, de imediato, que esses gênios do comércio internacional foram totalmente bem sucedidos no intento.
O presidente do “nunca antes”, uma notável sumidade em matéria de políticas comerciais e, certamente, especialista também na cláusula de nação-mais favorecida, chegou a dizer que era preciso fazer o Brasil escapar da “dependência comercial dos Estados Unidos” (sic três vezes; acreditem no que estou dizendo), pois para ele, ter muito comércio com a potência imperialista arrogante, unilateralmente hegemônica (acrescentem mais alguns xingamentos, ditos na calada da noite), implicaria ter “dependência comercial”, o que era visto como algo inerentemente negativo para o Brasil. Imaginem, vocês: ter muito comércio com um país que pretendia “anexar a América Latina” por meio desse projeto inerentemente perverso que era a Alca, esquema de livre-comércio que, segundo uma outra sumidade periférica, resultaria na destruição do Mercosul e na submissão econômica do Brasil.
Qual a solução, em face de tantos males projetados, antevistos, antecipados, confirmados com certeza matemática? Ora, desenvolver o comércio Sul-Sul, pois como vocês sabem, os produtos que voam para o Sul não voam para o Norte, e portanto não iriam alimentar a dependência indesejada em relação ao império do mal. A sumidade maior chegou até a recomendar aos importadores brasileiros, generosos como eles são, que importassem mais dos nossos vizinhos e dos pobrezinhos dos africanos, mesmo que seus produtos de exportação fosse mais caros e de menor qualidade do que os que eles normalmente importavam de parceiros desenvolvidos, só pensando, egoisticamente, no seu lucro e nos retornos fabulosos que teriam com tanto bagulho eletrônico, tanto foie-gras e champagne, horrorosos, de fato. O bom mesmo era chapéu de palha e sacos de juta daquele coitadinho periférico, e aquelas bananas grandes um pouco mais ao norte... Tudo isso em nome da nova geografia, claro.
Todos os esforços foram feitos para fazer promoção comercial em terras nunca antes descobertas, estender linhas de transporte por mares nunca dantes navegados, e foi assim que se deixou de fazer promoção comercial em mercados consagrados para desbravar terras pioneiras, num lampejo de gênio de inteligência comercial: os resultados viriam rápido, diziam esses gênios da lâmpada da nossa diplomacia comercial. Pode-se dizer que eles conseguiram, como se pode ver pelas estatísticas abaixo, da justa, necessária, bem-vinda, inversão das correntes de comércio com o Império:
Balança comercial do Brasil com os EUA (US$ bilhões)2002: + 4,7
2005: + 9,9
2008: + 1,8
2009: - 4,4
2010: - 7,8
Fonte: MDIC-Secex)
Creio que com base nisso, podemos realmente cumprimentar os gênios da política comercial brasileira: eles realmente conseguiram alcançar seu objetivo, que era o de diminuir a dependência do Brasil do comércio com os EUA. Aliás, o gênio maior dessa política comercial – ator de cenas de soberanismo explícito – chegou a se congratular – acreditem, pois é verdade – que eles tivessem conseguido implodir a Alca, pois do contrário, na crise de 2008-2009, estaríamos muito pior, caso “dependêssemos” muito do comércio com os EUA. Imaginem, disse esse gênio, se fossemos como o México: em lugar de uma mini-recessão, como tivemos em 2009, teríamos uma mega-recessão, como teve aquele país “dependente” do comércio com o grande Irmão. A crer nesse novo gênio das estratégias comerciais brasileiras, e a seguir a sua lógica inatacável, o ideal mesmo seria não ter NENHUM comércio com o império, pois assim não teríamos NENHUM efeito nas relações bilaterais. Claro, tampouco teríamos aqueles saldos positivos, que ainda conseguimos preservar pelo menos no começo do governo do “nunca antes” (enquanto eles não conseguiam entortar a tal de nova geografia para o Sul), mas tampouco teríamos surpresas desagradáveis, como essas que vemos aí em cima, desde que eles conseguiram, finalmente, “consertar” a tal de geografia.
Pessoalmente, não entendi essa lógica do gênio do soberanismo triunfante, mas eu tendo a acreditar que, ou ele falou sem pensar, ou, do contrário, o que ele disse revela uma tremenda desonestidade intelectual (se o adjetivo se aplica, o que me parece bastante duvidoso), pois nem comércio cria dependência, nem o Brasil chegaria aos níveis de “dependência” comercial que o México exibe em relação ao império do norte. Melhor mesmo, segundo o mesmo gênio, é ficar dependente da China, como eles se empenharam em estimular, pois assim podemos exportar todas as nossas matérias primas para lá, importando em troca todo aquela “bagulheira” vinda do país asiático. Esse coisa de ficar exportando manufaturados para os EUA pode nos submeter à dependência ideológica do império, como explicava ainda um outro gênio, aquele dos séculos e séculos de periferia. Na verdade, os EUA emergiram, como talvez não quisesse o homem do “nunca antes”, como a verdadeira nação-mais-favorecida, já que eles passaram a acumular saldos positivos contra o Brasil, o que de fato nunca antes tinha acontecido na relação comercial bilateral. Obra de gênio é isso aí...
Ao cumprimentar novamente os bem sucedidos estrategistas da “nova geografia comercial”, quero deixar registrado que jamais passou pela minha pobre imaginação, ao início da brilhante política comercial posta em prática a partir de 2003, que eles conseguiriam, de fato, criar uma nova geografia comercial. Em meu conservadorismo neoliberal, eu imaginava que nossos igualmente brilhantes homens de negócios conseguiriam resistir a essas ideias malucas, e continuariam com seus fluxos tradicionais de comércio. Que ingênuo eu fui: desafiar os poderes devastadores – literalmente – do mais popular dirigente do país desde Cabral (que aliás não ficou muito por aqui) e sua capacidade de provocar um verdadeiro tsunami nas relações comerciais do Brasil. Tiro meu chapéu: eles conseguiram afundar o comércio internacional do Brasil! Cumprimentos pela nova geografia, por mais esquálida que ela seja...
Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 15/03/2010)
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