Diplomacia e Relações Internacionais
Mercosul desmoralizado? - Blog Denise Chrispim Marin
Mercosul desmoralizado
Blog Denise Chrispim Marin
O Estado de S. Paulo, 24/07/2014
Mercosul é irrelevante, dizem. É mesmo? Então, deve acabar, ser demolido, desmontado? Deve desaparecer? Ou ser fortalecido? Mas, como? Fato é que essas perguntas não são há muitos anos respondidas, e o debate sobre o Mercosul não tem passado do nível superficial. Ninguém sabe o que fazer com o patrimônio de acordos entre os quatro [...]
Mercosul é irrelevante, dizem. É mesmo? Então, deve acabar, ser demolido, desmontado? Deve desaparecer? Ou ser fortalecido? Mas, como? Fato é que essas perguntas não são há muitos anos respondidas, e o debate sobre o Mercosul não tem passado do nível superficial. Ninguém sabe o que fazer com o patrimônio de acordos entre os quatro sócios originais, que vai além do comércio, e com os compromissos do bloco com outros países. O velho Mercosul pode ser tudo, menos irrelevante. Que o diga a indústria brasileira. A dificuldade em saber que destino dar a ele deve-se à pobreza das políticas econômica e exterior dos governos de seus países-membros.
A reunião de Cúpula do Mercosul em Caracas, nos dias 28 e 29, será a de número 46. Deveria ser a 47ª. Não será a 47ª por causa do desleixo e da negligência dos seus sócios plenos, que descuidam há mais de 10 anos dos objetivos de aprofundar e dar mais consistência à integração regional. O Mercosul tornou-se um bloco isolado do mundo e internamente fraco. Suas regras têm sido contornadas, dilapidadas, ignoradas.
A reunião de cúpula de dezembro de 2013, na qual Caracas deveria ter entregue à Argentina a presidência pró-tempore do bloco, foi tão postergada que acabou esquecida. A Venezuela, justo o país que ingressou no Mercosul pela porta dos fundos em 2012, ficou um ano inteiro na presidência do bloco, que por regra deve ser semestral. Nenhum dos outros sócios se queixou, e poucos analistas se importaram com essa falha. Caracas avançou sobre o período da Argentina. Buenos Aires, que desafiou tantas vezes o Brasil na formulação e na aplicação das regras comerciais do bloco, deixou passar seu período sem uma única crítica.
O Brasil cederá seu direito ao semestre, e a presidência pro tempore será entregue ao Paraguai, o sócio suspenso do bloco em 2012 e punido com a negação de seu direito de votar sobre a adesão plena da Venezuela.
O Mercosul vem perdendo suas forças desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que muito acudiu à sua defesa retórica, mas que o preteriu em favor do lançamento da Unasul. Já estava falho e combalido pelos sucessivos desacertos entre Brasil e Argentina e pelas pressões paralisantes do Paraguai e do Uruguai, embrulhadas no conceito de “assimetria”. Nos últimos três anos e meio, o Mercosul teve destino pior: foi desmoralizado pelo governo da presidente Dilma Rousseff.
O ingresso da Venezuela, sem a conclusão prévia de sua adequação à Tarifa Externa Comum (TEC), às regras do livre comércio e ao patrimônio histórico do Mercosul, derrubou por terra o sentido original desse projeto de integração. O procedimento foi um dos mais tristes episódios da história diplomática do Brasil. A adesão da Bolívia, possivelmente na próxima semana, não se dará de forma muito diferente. Virão outros, igualmente pelos fundos e pelas janelas.
O comunicado final da 45ª reunião de cúpula, em Montevidéu, deu vazão a manifestações políticas que fariam melhor figura nas declarações da Alba, o bloco político bolivariano. Houve rechaço à vistoria do avião do presidente boliviano Evo Morales, em Viena. Cinco dias depois, as forças policiais bolivianas vistoriaram o avião que levara o ministro da Defesa, Celso Amorim, a La Paz. Houve também rechaço à espionagem e violação de privacidade pela agência americana NSA. Houve ainda clamor para a “preservação” do crescimento econômico dos países do Mercosul – algo que nem Brasil, nem Argentina e nem Venezuela poderão cumprir em 2014.
O único tema importante não negligenciado foi a reincorporação do Paraguai, que jamais deveria ter sido suspenso. O Banco do Sul, iniciativa tão reverenciada nos dias de lançamento do banco dos Brics, pode vir a entrar em operação em breve e ser aclamado como a grande iniciativa de integração. Mas não está vinculada ao Mercosul e, mais do que alavancar a integração física da América do Sul e diminuir as assimetrias, tenderá a servir de boia de salva-vidas aos países que erraram e insistiram no erro ao conduzir sua economia. A 46ª cúpula deve repetir promessas. Mas certamente não dará mais peso nem destino sensato ao Mercosul.
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