Diplomacia e Relações Internacionais
Interrupcao eleitoral (6): a raiva como confissao de fraqueza...
Esse editorial do Estadão toca nos pontos corretos. O presidente está fora de si, pois a realidade não se conforma aos seus desejos.
Para ajudar a sua "criatura eleitoral", que jamais teria existência própria sem o seu "dedaço" (como se faz nos regimes autoritários, que podem ser até carismáticos), ele incorre em mentiras, em exageros, em xingamentos.
Como se diz nos EUA: tudo isso pode backfire, ou seja, pode ser um tiro no pé...
Paulo Roberto de Almeida
A compulsão fala mais altoEditorial -
O Estado de S.Paulo15 de outubro de 2010
Enquanto os condutores da campanha de Dilma Rousseff se perguntam onde foi que erraram, deixando escapar a vitória dada como certa no primeiro turno, e como conter o estreitamento da vantagem da candidata sobre o opositor José Serra nas pesquisas, eis que o presidente Lula reincide no comportamento belicoso que contribuiu para privar a sua afilhada dos votos que poderiam ter encerrado a contenda em 3 de outubro.
Foi um típico efeito bumerangue. Ao investir ferozmente contra a imprensa em três comícios sucessivos no breve período de 5 dias, Lula decerto buscava desqualificar as revelações dos escândalos na Casa Civil chefiada pela mais próxima colaboradora de Dilma, Erenice Guerra.
Diferentemente das notícias sobre as violações do sigilo fiscal de aliados e familiares de Serra, com as quais muitos não conseguiram atinar, essas outras repercutiram junto ao eleitorado.
Mas, em vez de cair no conto lulista de que as denúncias não passavam de calúnias, uma parcela dos eleitores que nas urnas se revelaria significativa entendeu que a virulência do presidente representava uma confissão de culpa, além de indicar uma ameaça potencial à liberdade de informar em um eventual governo Dilma. Na reta final, informado da mudança dos ventos, ele bem que tentou neutralizar a traulitada com uma autocrítica.
"A gente precisa de humildade para não ficar com muita raiva quando escrevem contra", penitenciou-se num comício em Porto Alegre, "e nem com muito ego quando é a favor." Foi muito pouco e muito tarde. Agora, diante de uma nova situação adversa - ou "problemática", como se ouve na ponte entre o Palácio do Planalto e o QG dilmista -, Lula torna a reagir pavlovianamente, atacando a oposição com renovado rancor.
Nessas horas, as suas palavras parecem atender antes a um arraigado sentimento, ou compulsão, do que ao objetivo de promover a sua candidata. Na noite de quinta-feira, num comício na cidade paraense de Ananindeua, em surto de livre-pensar, disse que as acusações a Dilma vêm "de uma parte da elite que fazia as mesmas acusações ao Ulysses (Guimarães), ao Tancredo Neves, às Diretas Já, a mim em 89, a mim em 94, a mim em 98 e 2006". E, virando-se para ela, disparou: "Estão transferindo para você o ódio que acumularam contra mim."
Ao que se saiba, nenhum dos políticos citados foi alguma vez acusado de ser "a favor do aborto" que é o que se passou a dizer de Dilma nos púlpitos, em panfletos e na internet. E ao que se saiba, os acusadores não são "uma parte da elite" - pelo menos não no sentido que Lula dá ao termo. Mas isso é detalhe quando ele dá vazão a si mesmo, quaisquer que sejam as consequências dessas irrupções para a sorte da candidata no tira-teima do próximo dia 31. Por sinal, num evento oficial em Teresina, a lava do ressentimento correu solta.
Também em fase de citar o nome de Deus a três por quatro, afirmou que Ele "fez a vingança que eu queria" contra os senadores piauienses Heráclito Fortes, do DEM, e Mão Santa, do PSC, que votaram contra a prorrogação da CPMF e não se reelegeram. De volta ao passado, atribuiu as suas três derrotas em eleições presidenciais às "mentiras" dos que o temiam. "Diziam que era comunista, porque tinha a barba comprida. Mas Jesus também tinha. Tiradentes também tinha", declarou, como quem se alça a uma esfera superior.
O resto foi repetição: o elogio da falta de estudo ("a arte de governar não se aprende em universidade, senão pegavam um na Academia Brasileira de Letras para ser presidente"), a divisão dos brasileiros entre ricos e pobres ("rico não precisa de governo, quem precisa de governo é pobre") e a alusão oblíqua a Dilma ("a arte de governar é como a arte de ser mãe, cuidar da família, garantir direitos e oportunidades a todos").
Descontados os "acertos de contas" sem os quais aparentemente Lula não consegue passar, é isso o que entende por politizar a campanha - a seu ver, a única estratégia capaz de revitalizar a candidatura que vem fazendo água. Os companheiros querem a sua presença no horário eleitoral como no primeiro turno. Compreende-se: para o bem ou para o mal, Lula é tudo que Dilma tem. Pior sem ele, pois.
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