Diplomacia e Relações Internacionais
Insulto a inteligencia - Ferreira Gullar
A crônica abaixo do conhecido intelectual Ferreira Gullar ilustra em grande medida o clima da atual campanha eleitoral.
O que eu poderia acrescentar como comentário?
O ambiente atual, dentro e fora da campanha eleitoral -- e eu me coloco apenas como um observador acadêmico do processo -- apenas confirma o que vem acontecendo com a chamada "inteligência" brasileira (que alguns já chamaram de "burritsia"): ela demonstra uma adesão acrítica ao governo atual, em especial à sua política econômica (da qual o governo se apropriou, desonestamente, depois de acusar uma "herança maldita" que nunca existiu) e à sua política externa, um tanto esquizofrênica e megalomaníaca, além de estar objetivamente a serviço de causas de não são exatamente as nacionais.
Caminhamos, infelizmente, para mais um período de desmantelamento das instituições públicas, uma nova fase de mediocrização geral de nossas universidades, e eu até diria de fascistização da vida cívica de maneira geral, com elementos neobolcheviques comandando a um processo de decadência mental do Brasil.
Estou seguro de que vamos pagar um alto preço por isso, que não é só o resultado de uma causa e de um partido, mas que, em parte, também é o resultado da incapacidade dos verdadeiros social-democratas e dos (pouquíssimos) liberais brasileiros em encaminhar adequadamente (quando podiam, ou quando estavam no poder) os problemas da pobreza e da desigualdade, que são reais, no Brasil. Não o fizeram, seja por que não tiveram capacidade ou por falta de oportunidade (concentração de esforços na estabilização, preocupações de outra ordem, impacto de crises externas, etc). Agora, por um conjunto de circunstâncias que lhes foram favoráveis, em especial a liderança carismática -- falsa e mentirosa, mas liderança mesmo assim -- temos os gramscianos de estilo fascista (sim, essa contradição nos termos existe e está atuando) comandando o processo político e deformando a economia brasileira, tanto quanto a própria moral pública e a ética política. Enfim, uma deterioração geral do que se esperava para o Brasil: progressos na cultura, na política, na economia, na vida social.
Em médio prazo, ou seja, entre dez e vinte anos, a sociedade brasileira vai, espero, corrigir esses traços regressivos de carater político e econômico, mas isso vai custar mais atraso relativo, mais deformações de caráter, mais algum tempo de máfias se apropriando dos recursos públicos, mais medíocres ensinando nossos jovens nas escolas e nas universidades.
Infelizmente para os concientes -- eles são uma elite, por mais que se tenha preconceito contra essa palavra -- eu vejo assim nosso processo político nos próximos anos. Tento compreender, mais do que lamentar.
Cada um que se considera pertencer a uma comunidade de homens de boa vontade e de pessoas dignas, todo e qualquer cidadão de caráter, a todos esses cabe resistir, sempre apontando os erros, os equívocos, as falhas de caráter daqueles que pretendem nos representar e nos dirigir, como nação, sempre denunciando a mentira e a falcatrua (e elas tendem visivelmente a crescer), mas também tendo a consciência de que estamos em absoluta minoria e que levamos um combate de retaguarda, de resistência, uma luta de quilombo contra os assaltos à razão, contra a mediocrização ainda maior do que ainda existe como instituições públicas.
Nosso dever é persistir, mesmo contra toda esperança de mudanca rápida na situação.
É o que farei nas trincheiras que são as minhas: o ensino universitário, a escrita sempre presente, a participação cidadã nos debates públicos.
Paulo Roberto de Almeida (21.09.2010)
Quebra de sigilo e outras bossas são coisas nossasFERREIRA GULLAR
Folha de S Paulo 19/09/2010
É da natureza do PT -do ruim sindicalismo- valer-se de todo e qualquer meio para atingir seus objetivos
A SOCIEDADE brasileira assiste hoje à despudorada manipulação da opinião pública, que é a campanha de Dilma Rousseff para a Presidência da República. Até alguns petistas não conseguem esconder seu constrangimento diante dos escândalos que surgem a cada dia e, sobretudo, do descaramento com que, de Lula a Dutra, os petistas pretendem, mais uma vez, passar por vítimas, quando são de fato os vilões.
O PT não se cansa de jogar sujo. É de sua natureza sindicalista -do ruim sindicalismo- valer-se de todo e qualquer meio para atingir seus objetivos. E isso vai da falsificação dos fatos e a violação de sigilos fiscais à agressão física e a eliminação do inimigo, ainda que esse inimigo seja companheiro de partido.
É o caso, por exemplo, de Celso Daniel, então prefeito de Santo André, que foi assassinado, ao que tudo indica, por não compactuar com a corrupção dentro do partido. Lula e a alta cúpula petista jamais se empenharam na apuração do crime.
O mesmo procedimento se repete agora com o escândalo da quebra de sigilo fiscal de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB, de outros membros do partido e da filha de José Serra, por gente do PT. Revelada a falcatrua, a Receita Federal calou-se e a direção petista sugeriu que se tratava de um factoide, mas a imprensa foi para cima, a coisa virou escândalo. A Receita tentou desclassificar a denúncia até o ponto em que não dava mais. Foi então que o secretário geral da Receita Federal, Otacílio Carpaxo, veio a público para, constrangido, garantir que não havia na quebra de sigilo qualquer propósito político.
Era o prosseguimento da burla, conforme a dramaturgia petista: primeiro, negam o fato; confirmado, tratam de desqualificá-lo. Sucede que quem praticou a violação eram petistas, o que também foi logo negado, numa nota em que o PT afirmava que aquela gente não pertencia a seus quadros. Como, porém, é mais fácil pegar um mentiroso que um cocho, a mentira foi posta à mostra: tanto Atella quanto Amarante eram do PT, o primeiro desde 2003 e o segundo desde 2001.
É fácil perceber por que os acessos aos dados fiscais foram feitos em cidades do interior de SP e MG, por petistas de confiança e sem projeção. Sempre haverá um Cartaxo, num cargo de chefia, para salvar a face dos verdadeiros vilões, mentores da campanha de Dilma. Mas mesmo ele não consegue explicar -se não havia propósito político na violação do sigilo- por que as vítimas da violação são dirigentes do partido de Serra, sua filha e genro.
Não há por que nos surpreendermos com isso, uma vez que agir à revelia da ética e da lei é um antigo hábito do Partido dos Trabalhadores. Os fatos o comprovam. Alguém duvida de que aquela montanha de dinheiro que a polícia flagrou, em 2006, com os "aloprados", num quarto de hotel em São Paulo, era para comprar um dossiê anti-Serra? Embora os implicados fossem todos petistas próximos a Lula (um deles, o churrasqueiro do presidente), nem ele nem ninguém do PT sabia de nada, porque, como sabemos nós, são todos gente íntegra, defensores da ética na política; a ética petista, bem entendido.
Outro exemplo dessa ética foi o mensalão que, num país sério, teria levado ao impeachment de Lula.
Já aqui, pode ser até processado quem atribua a ele -que nunca sabe de nada- qualquer responsabilidade pela compra daqueles nobres deputados. Aliás, como em certas ocasiões, voto de deputado vale ouro, é até vantagem comprá-lo em reais.
Tem razão, portanto, Lula, em se indignar com mais essa acusação infundada contra seu partido. Por isso, com a fina ironia que o caracteriza, pulando e berrando num palanque, indagou: "Cadê esse tal de sigilo, que ninguém vê?".
A graça é besta, mas ele sabe muito bem para quem fala. Por isso mesmo, quando a situação complica, como agora, põe a Dilma de lado e entra em cena, para confundir ou ameaçar, conforme lhe convenha.
Meu consolo é saber que, em menos de três meses, ele deixará a presidência. Garantiu que até lá vai fazer "muita miséria". Disso, não duvido, mas, após dezembro, não terei que vê-lo todos os dias na televisão, insultando a nossa inteligência.
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