Hermanos pero no mucho: Argentina trata mal a Vale
Diplomacia e Relações Internacionais

Hermanos pero no mucho: Argentina trata mal a Vale


Mais prejuízos impostos pelo 'risco Argentina'
Editorial O Globo, 13/03/2013

A extrema condescendência com que a diplomacia brasileira trata "hermanos" em geral e a Argentina em particular não pode ser seguida por empresa privada com responsabilidade na defesa do patrimônio dos acionistas. A Petrobras já teve uma refinaria expropriada na Bolívia, por exemplo, e nada foi feito em resposta. Com a Vale, privatizada há tempos, a história é outra.
O anúncio feito pela empresa da suspensão do investimento no projeto de potássio Rio Colorado, na província argentina de Mendoza, é resposta adequada a uma série de obstáculos colocados por autoridades do país vizinho diante da Vale.
Orçado em US$ 6 bilhões, dos quais US$ 1 bilhão já executado, o maior investimento privado da história argentina, o Rio Colorado tem, ou tinha, grande importância para a empresa, o Brasil - por ser muito dependente de fertilizantes importados - e também para Buenos Aires.
Mas a cultura antinegócios em vigor no país vizinho e o enorme descuido no relacionamento com o Brasil - apesar de todo o discurso da Casa Rosada em contrário - forçaram a Vale a suspender os investimentos e, assim, eliminar 6 mil empregos num país em crise.
O "risco Argentina", país já colocado à margem do mercado financeiro internacional, não para de subir. Há questões específicas em torno do projeto Rio Colorado. Aliado da presidente Cristina Kirchner, o governador de Mendoza, Francis Peréz, chegou a suspender as obras sob a alegação de que a Vale não havia cumprido acordos para contratar fornecedores e mão de obra locais.
Existem, ainda, dificuldades decorrentes da situação geral da economia do país, como o controle na remessa de divisas, um empecilho para a Vale. Pedidos de flexibilização foram negados.
E acrescenta-se ao cenário geral de crise uma grande insegurança institucional e jurídica, mortal para qualquer investimento, em especial um projeto desta magnitude.
O governador de Mendoza apenas repete o estilo intervencionista do governo peronista de Cristina K. Não é acidente de rota o caso da Vale. Derivam da mesma cultura política a pressão sobre grupos independentes de imprensa e um projeto da Casa Rosada de reforma da Justiça que visa a subordinar os tribunais ao Poder Executivo, objetivo de apurado pedigree chavista.
A trombada no campo dos negócios privados coincide com mais uma confusão diplomático-comercial, esta sobre o acordo automotivo entre os dois países. A Casa Rosada quer eliminar dispositivo do acordo para evitar que, a partir do segundo semestre, haja liberdade nas trocas de veículos e peças. E quer que o novo regime brasileiro para o setor preveja investimentos na Argentina.
O momento é especial para o Brasil enfim demonstrar que sabe defender interesses nacionais. Como há muito tempo não endurece este jogo, seus parceiros latino-americanos, em especial os bolivarianos e assemelhados, fazem o que bem entendem, sem qualquer cuidado.

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Balde furado

13 de março de 2013 | 10h 21
CELSO MING - O Estado de S.Paulo
 
A suspensão do projeto de potássio Rio Colorado que a Vale do Rio Doce colocava em desenvolvimento na Argentina dá uma ideia do tamanho do risco econômico, político e até mesmo jurídico, para investidores e parceiros, em que vai desembocando o governo de Cristina Kirchner.
A Vale já investiu no empreendimento US$ 2,2 bilhões. Teria oficialmente de desembolsar mais US$ 4 bilhões - número virtual, uma vez que os problemas da Argentina transformaram o projeto em balde furado. Pelos cálculos da Vale, hoje exigiria ao menos mais US$ 11 bilhões.
É fácil compreender a escalada dos custos. A inflação real da Argentina está em torno dos 28% ao ano, mas o governo não reconhece mais do que 9,9%. Em compensação, para garantir o apoio dos sindicatos, concorda com reajustes salariais destinados a recompor o poder aquisitivo do trabalhador muito mais próximos da inflação real. (A Vale tem 4 mil funcionários em Mendoza, onde está a mina de potássio.) Preços e tarifas já controlados de longa data agora estão congelados por determinação do truculento secretário do Comércio Interior, Guillermo Moreno.
O câmbio é outra anomalia. Para deter a corrida aos dólares, o governo de Cristina Kirchner restringiu drasticamente a troca de moedas por empresas e pessoas comuns. O câmbio paralelo (blue) ostenta cotação 54% mais alta (brecha) em relação ao câmbio oficial - veja no Confira.
As empresas (como é o caso da Vale) que têm de aportar dólares destinados ao investimento enfrentam perdas enormes nas trocas no câmbio oficial. Em contrapartida, seus custos em pesos argentinos disparam. Hoje, nenhum projeto de investimento se viabiliza.
Com o crédito externo cortado desde o supercalote de 2001, a Argentina ainda obtinha generoso comprador para seus títulos: o então presidente Hugo Chávez, da Venezuela. Mas a economia venezuelana, em franca deterioração, já não vinha permitindo extravagâncias do tipo, agora, com a morte do chefe que queria e podia tudo, ficaram ainda mais difíceis.
Para continuar o projeto Rio Colorado, a Vale pediu alto volume de "compensações" cambiais, fiscais e financeiras que o governo da Argentina não quer conceder, aparentemente por crer que os pode arrancar do BNDES e do governo Dilma - que se mostra cada vez mais tolerante com os despropósitos dessa ordem.
O surrado argumento de que é preciso ter paciência com a Argentina - algo que a diretoria da Vale, que lá enterrou US$ 2,2 bilhões, já perdeu - não faz sentido diante da falta de sinais de que um dia, próximo ou mais distante, a situação se reverta. Ao contrário, as condições econômicas só tendem a piorar por inconsistência dos fundamentos. Quaisquer cenários futuros apontam para acirramento da insegurança econômica e jurídica, seja a que pretexto for. Na semana passada, por exemplo, pequena refinaria da Petrobrás em Bahía Blanca foi interditada por inesperada decisão judicial.
Vale e Petrobrás não são as únicas empresas que perdem bilhões em consequência da política da Argentina e da tolerância brasileira. O Brasil não tem sido capaz de negociar novos tratados comerciais com outros países e outros blocos econômicos porque seus compromissos no Mercosul exigem que arraste junto o peso morto argentino. E isso prejudica as empresas brasileiras que não conseguem ampliar o mercado externo.




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