Diplomacia e Relações Internacionais
Fidel Castro: ultimo pronunciamento televisivo (despedida do socialismo)
Absolutamente inédito, aliás ainda não aconteceu: é só o rascunho...
Paulo Roberto de Almeida
Fidel Castro: despedida da vida pública e do socialismoFidel Castro Ruz
Ex-Primeiro Secretário do Partido Comunista de Cuba, Ex-comandante supremo da Revolução, ex-comunista, ex-socialista, ex-várias outras coisas...
Via Política, 24/04/2011
Fidel Castro, por Gon
(Esboço de último pronunciamento público a ser transmitido em rede nacional na única cadeia de televisão existente na República de Cuba; obtido antecipadamente.)
Caros amigos, caros irmãos, caros concidadãos,
Esta é, provavelmente, a última vez que me dirijo a vocês, e já não o faço, como antes, de um palanque na Praça da Revolução, obrigando vocês a ficarem horas sob o sol causticante de nossa ilha, enquanto eu desfilava meus argumentos em favor da revolução e do socialismo.
Não, o Fidel Castro que aqui aparece já não é mais o mesmo; não que eu já esteja velho de decrépito, o que também é o caso, mas não é por isso que eu escolhi falar a vocês em pronunciamento gravado por nossa única rede de televisão. É que, tendo chegado, de fato, ao ocaso de minha vida, e acabado de renunciar ao cargo de Primeiro Secretário do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, cargo que eu já acumulei com o de presidente desta República, e tendo passado todos esses cargos a meu irmão mais jovem, resolvi que era chegada a hora de acertar contas com a História, e assim, de me despedir dignamente de vocês.
Este Fidel Castro que aqui se despede de cargos, de responsabilidades e de vocês, quer juntar-se a outras figuras históricas do século 20, mas quer fazê-lo na paz de sua consciência, e que por isso decidiu dirigir estas palavras sinceras a todos vocês.
Não sei bem o que farão depois deste pronunciamento, apenas espero que possamos realizar nossa transição política em paz, sem derramamento de sangue, sem vingança contra qualquer pessoa ou instituição, provando ao mundo que nós, cubanos, temos consciência e dignidade suficientes para tratar dos nossos próprios assuntos internos, sem interferências de qualquer poder estrangeiro.
Eis aqui, portanto, o que eu tenho a dizer a vocês.
Pronunciamento televisionado de Fidel Castro ao povo cubano Pueblo de Cuba, hermanos, compañeros, ciudadanos...
Enquanto estávamos ocupados realizando o 6o. Congresso do Partido Comunista de Cuba, minha mente estava longe, muito longe. Eu estava pensando naquele longínquo 26 de Julho de 1953, quando teve início nossa revolução popular contra a ditadura de um caudilho do imperialismo, o coronel Fulgencio Batista.
Naquele 26 de julho, que depois virou, talvez equivocadamente, nossa data máxima, eu e meus companheiros fizemos o assalto ao quartel de Moncada, dando início à nossa luta contra um regime ditatorial, submisso ao imperialismo ianque. Não fomos felizes naquele primeiro assalto, ao contrário: os mercenários da ditadura conseguiram debelar o nosso intento e acabamos na prisão. No julgamento, que me condenou logo em seguida, eu disse aquelas palavras que ficaram na memória do nosso povo: “a História me absolverá”.
De fato, ela me absolveu, mas, antes dela me absolver, eu fui beneficiado com uma anistia do próprio ditador, e pude me refugiar no México e dar início assim à nossa luta, uma segunda vez. Quase fomos derrotados novamente: dos companheiros que desembarcaram do pequeno bote Granma, hoje o glorioso título de nosso único e aborrecido jornal, poucos se salvaram para buscar refúgio na Sierra Maestra e dali continuar a luta de guerrilhas até a derrota final das forças da ditadura.
Vivemos então dias majestosos e inesquecíveis: pela primeira vez em sua história multissecular, Cuba, que tinha sido colônia espanhola até quase o alvorecer do século 20, e que depois virou uma colônia americana por quase 60 anos, podia colocar-se de pé e começar a construir seu destino soberanamente. As promessas eram de libertação da ditadura, da dominação imperialista, do analfabetismo, justiça e liberdade para todos, a começar pelos campesinos e pelo povo pobre. Fomos saudados entusiasticamente em nosso desfile triunfal pelas ruas de Santiago e de Havana, todos estavam conosco, e os que se opunham buscaram o exílio ou se aliaram ao imperialismo para tentar derrotar-nos.
Fomos bem sucedidos na primeira tentativa de insurreição contra o poder popular, na invasão dos vermes de Miami, mercenários a soldo da CIA e esbirros da ditadura derrotada. Naquele mesmo momento, em 1961, Cuba dava início à construção do socialismo, tarefa que nos ocupou pelos últimos 50 anos. E que, a julgar pelos dizeres de meu irmão no congresso que acaba de se encerrar, ainda não terminou. Sinto discordar dele, para dizer claramente. Terminou, sim: a construção do socialismo acabou por aqui, e já não devemos persistir nesse caminho insano.
Pois bem, caros cidadãos de Cuba, o que eu tenho a dizer hoje a vocês é tão histórico quanto meu pronunciamento de abril de 1961, quando anunciei que Cuba era socialista, que estávamos fazendo nossa opção pelo marxismo-leninismo e que essa decisão era irrevocável. Muitos não concordaram, e se afastaram da revolução: o ritmo de saídas acelerou-se em poucas semanas. Todos os que não concordaram com a nossa opção se foram de nossa ilha e pudemos assim construir o socialismo com os que permaneceram. Foi uma decisão errada, pois dividimos a ilha, dividimos o povo, dividimos as famílias. Estima-se, hoje, que um quarto da população cubana tenha abandonado nossa bela ilha para ir viver no exterior, geralmente nos Estados Unidos.
Durante todo esse tempo, fomos sabotados pelo imperialismo, que manteve um duro embargo contra nossa economia, Não tivemos a compreensão de todos, mas persistimos em nosso ideal. Naquela oportunidade, o socialismo ocupava quase dois terços das terras emersas e grande parte da população mundial. Parecia destinado a enterrar o capitalismo, como vaticinou uma vez um líder da União Soviética, nosso principal aliado e financiador até seu pouco glorioso desaparecimento, 20 anos atrás. Nosso socialismo começou a patinar desde então, e nunca nos recuperamos.
Pensávamos que estávamos no sentido da História, e nisso, posso agora confessar, nos enganamos redondamente. O socialismo foi um sonho, um sonho nobre, em favor do qual tivemos de praticar algumas injustiças – fuzilamentos, restrições à liberdade dos burgueses, controle dos meios de comunicação e dos movimentos políticos e sindicais – mas que eram considerados incômodos passageiros, até atingirmos a situação ideal: um sistema igualitário, o homem novo, a abundância e um futuro radioso para todos. Belo discurso, não é mesmo?
Vejo agora, caros cidadãos, que nos enganamos terrivelmente, eu me enganei, e continuei enganando vocês durante muito tempo. Eu pensei, sinceramente, mas hoje reconheço que errei redondamente, que poderíamos conseguir realizar aquilo que pretendíamos, aquilo que tínhamos lido nos livros do marxismo-leninismo, nos textos que nos prometiam um futuro brilhante pela via do socialismo. Tudo parecia simples: bastava socializar a produção, construir o homem novo, e pronto: todos viveriam bem e satisfeitos na igualdade absoluta e na eliminação da pobreza.
Não é verdade: o sistema não funciona. E não funciona por um motivo muito simples, independentemente da falta de liberdade e do monopólio político no partido: faltam estímulos às pessoas para produzir e se enriquecerem. Como decretamos a propriedade coletiva dos meios de produção – de tudo o que fosse considerado patrimônio nacional, inclusive as habitações individuais das famílias cubanas – ninguém mais se sentia responsável pelo aumento da produção, pela criação de riquezas, pela acumulação de novos meios de produção. Todos queriam trabalhar o menos possível e esperar que o Estado, esse monstro insaciável, lhes desse tudo aquilo que necessitavam para viver. Muitos se acomodaram na mediocridade, mas os mais empreendedores foram embora, simplesmente foram buscar em outras terras os meios de enriquecer que lhes faltavam em Cuba.
Os companheiros chineses se aperceberam disso muito rapidamente, mas aquele ditador asiático que respondia pelo nome de Mao Tsé-tung não fez nenhuma reforma prática enquanto ocupou o poder. Todos sabem, hoje – embora os companheiros do Partido Comunista Chinês não o confessem de público – que as loucuras econômicas de Mao foram responsáveis pela morte direta ou indireta de dezenas de milhões de chineses, sem mencionar o sofrimento adicional trazido pela Revolução Cultural, que simplesmente destruiu as universidades chinesas.
Aliás, já matamos também muita gente: alguns de fome, muitos afogados ou comidos pelos tubarões, ao tentar escapar da ilha, outros de doença nas masmorras que herdamos da ditadura, vários outros, centenas deles, fuzilados nas primeiras horas da revolução. Talvez, proporcionalmente, tanto quanto os chineses. Chega!
Os companheiros chineses se aplicaram nos últimos 30 anos a construir um capitalismo de Estado, e nisso eles tiveram sucesso. Em sua versão oficial, eles dizem que construíram um socialismo com características chinesas, mas na verdade, como dizem os próprios chineses, se trata de um capitalismo com características chinesas, o que significa a preservação do monopólio do poder político do Partido Comunista.
Não creio que possamos fazer o mesmo em Cuba. Essa tentativa de meu irmão de introduzir o capitalismo, preservando o monopólio do Partido Comunista Cubano, simplesmente não vai dar certo. Só vamos prolongar os sofrimentos e as angústias de todos os nossos concidadãos, que esperam ver realizada a profecia de José Martí: homens livres, numa república democrática. O que temos hoje, vamos ser sinceros em reconhecer, são prisioneiros de uma ditadura, homens servos, numa ilha-prisão.
Caros irmãos, cidadãos,A situação de penúria, de sofrimento, de falta de liberdade em nossa ilha já alcançou limites insuportáveis, até mesmo para mim, que gozo de uma condição relativamente privilegiada. O único lugar em que se come bem, nesta ilha, é naquela porção de terra ainda dominada pelo imperialismo: Guantánamo. Desculpem a ironia.
Não tenho mais para onde ir; nenhum país me estende convites; só me restam uns poucos ditadores espalhados pelo mundo, alguns em situação ainda pior do que a nossa, como vemos um pouco em todas as partes, sobretudo no Oriente Médio. De socialista, mesmo, só sobrou um canto recuado na Ásia, cujo povo vive uma situação de miséria e de opressão ainda pior do que a nossa, se isso é possível conceber.
Sei que nosso irmão socialista do Caribe, um coronel com jeito de Mussolini, que nos financia generosamente, agora que perdemos os subsídios da falecida União Soviética, esse líder político diz que o socialismo não acabou, que ele está apenas começando a se renovar. Isto não é verdade! Quem tem olhos para ver, sabe que o socialismo morreu, o dele tanto quanto o nosso, e estamos assistindo agora à lenta deterioração da situação econômica em seu país, que antecipamos inevitável.
Por isso minha decisão irrevocável, agora tomada, só pode ser uma. A partir de agora, Cuba volta a ser uma república democrática. Esta é minha última vontade.
O Partido Comunista tem de anunciar, imediatamente, que não mais detém o controle absoluto do Estado e do país. Serão organizadas eleições livres, todos poderão participar, de acordo com sua vontade organizada em partidos autônomos do Estado, e os eleitos comporão uma Assembleia Constituinte que decidirá soberanamente sobre o nosso futuro, fazendo tabula rasa dos últimos 50 anos. Os cubanos decidirão o que querem ser e como vão organizar a economia. Vocês são livres para se manifestarem e se organizarem como desejarem.
Eu devia isto a vocês, e só tenho um pedido a fazer: deixem-me morrer com dignidade em minha terra, sem ter de ir para algum exílio indesejado. Não quero para mim aquilo que obriguei outros a adotar: o caminho do exílio e da reconstrução de suas vidas. Eu não tenho mais vida para construir, apenas um nome para preservar na História. E não quero entrar para a História como esses outros ditadores que depois são vilipendiados nos livros. Qualquer que seja o julgamento da História, gostaria de terminar desta maneira: como o líder máximo que resolveu, ainda que tardiamente, desfazer todos os erros que cometeu ao longo da vida, e pedir sinceramente perdão pelos sofrimentos que causei.
Cidadãos de Cuba, levantem-se, vocês estão livres.
Que a História os proteja! Fidel Castro Ruz
(com uma pequena ajuda de um escriba intrometido: Paulo Roberto de Almeida).
24/4/2011
Fonte: ViaPolítica/O autor
Diplomata, professor de Economia Política Internacional no Uniceub, Doutor em Ciências Sociais.
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