Diplomacia e Relações Internacionais
Entre os vagalhoes e os penhascos (juros e cambio): dilemas reais
Ardil-22: a versão nacionalAlexandre Schwartsman*
Blog
A Mão Visível, 22/06/2011 17:32
...se não subir as juros a demanda se expande e a inflação segue pressionada; caso suba os juros, aumentam os ingressos de capital, a demanda cresce e novamente aparecem as pressões inflacionárias. Esta seria a justificativa para a adoção de políticas de restrição ao crédito...
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo, edição de 22 de junho de 2011
Um dos temas mais "quentes" de política monetária refere-se às dificuldades de lidar com o ingresso de capital estrangeiro no país. O problema aparece, no entender de autoridades, porque o remédio típico para arrefecer as pressões inflacionárias - na ausência de um ajuste fiscal digno deste nome - é o aperto da política monetária, expresso na elevação da taxa básica de juros, a Selic. Entretanto, segue o argumento, taxas de juros domésticas mais altas relativamente às externas criam um fator adicional de atração de capitais, que então realimentaria a pressão sobre a inflação por meio da expansão da liquidez e do crédito que se seguiriam ao ingresso.
Esta visão foi resumida pelo presidente do BC quando afirmou: "Esse impacto inflacionário do ingresso de capitais não pode ser lidado com juros, porque, na realidade, quando apertamos as condições financeiras e monetárias, os indivíduos e as empresas buscam recursos lá fora" (Valor Econômico, 27/04/2011).
Tal tese, se válida, colocaria o BC face a um "Ardil-22": se não subir as juros a demanda se expande e a inflação segue pressionada; caso suba os juros, aumentam os ingressos de capital, a demanda cresce e novamente aparecem as pressões inflacionárias. Esta seria a justificativa para a adoção de políticas de restrição ao crédito (há algum tempo me recuso a chamá-las de "macroprudenciais", por não serem "macro", muito menos "prudenciais"), que permitiriam desacelerar a demanda, sem estimular novos ingressos.
Resta, todavia, saber se a tese é, de fato, válida. Acredito que sim, mas apenas porque o BC parece ter agora mais objetivos que simplesmente manter a inflação na meta.
Com efeito, sabe-se que a política monetária enfrenta desafios distintos sob regimes cambiais diferentes. Quando a taxa de câmbio é administrada, o BC se compromete a comprar e vender moeda estrangeira a um determinado preço. Neste contexto, se os capitais são razoavelmente livres para entrar e sair do país, a gestão de política monetária fica muito complicada.
Caso o juro doméstico suba além do externo, há incremento no ingresso de capitais, que deve obrigatoriamente ser comprado pelo BC, elevando a oferta de moeda e trazendo as taxas de juros para baixo, desfazendo à noite o que o BC tece de dia. Isto força a novas rodadas de elevação de juros, reiniciando o ciclo, de forma não muito distinta daquela descrita pelo presidente do BC. Sob um regime de câmbio administrado e mobilidade elevada de capitais, são escassas as chances do BC impor sua política monetária.
No entanto, o Brasil não adota este regime. Formalmente, pelo menos, nosso câmbio é flutuante, isto é, o BC não tem qualquer obrigação de comprar ou vender moeda estrangeira. Caso a taxa de juros aumente, há um incentivo adicional para o ingresso de capitais, que se manifesta, todavia, pela apreciação da taxa de câmbio. Em tese, o câmbio se aprecia até o ponto em que a expectativa de desvalorização iguale a diferença entre o juro interno e externo, eliminando os ganhos esperados com a arbitragem.
O interessante neste caso é que não há o Ardil-22. O encarecimento do real é quem "freia" os ingressos, pois encarece também todos os ativos (ações, bônus, empréstimos, etc.) denominados em moeda nacional. Posto de outra forma, à medida que o real se fortalece face ao dólar, menores são os incentivos para indivíduos e empresas buscarem recursos no exterior, pois aumenta o risco de uma desvalorização que encareceria estes passivos.
O ardil reaparece, contudo, porque o BC tem se engajado também na tentativa de conter o fortalecimento da moeda nacional, adicionando um objetivo à obrigação de manter a inflação na meta. Como o real não se aprecia, permanece o incentivo para o ingresso de capitais, já que - além da diferença entre taxas de juros - o risco de uma desvalorização é consideravelmente menor.
Visto de outra forma, a compra de moeda estrangeira pelo BC faz com que o regime de câmbio se assemelhe à descrição que fizemos do regime de câmbio fixo nos parágrafos acima: os ingressos de capital agora se traduzem em elevação da liquidez doméstica, em particular se direcionados a ativos privados e não à dívida pública, como argumentado por Márcio Garcia (Valor Econômico, 29/04/2011).
O Ardil-22 reflete o duplo objetivo do BC (inflação e câmbio). Sob tais circunstâncias, um instrumento adicional é requerido, a saber, as restrições ao crédito, cujo funcionamento, todavia, ainda se reveste de dúvidas, seja quanto à intensidade do seu impacto sobre a inflação, seja acerca do horizonte temporal em que tais efeitos se manifestarão.
A persistência da inflação, contudo, assim como os sinais de atividade econômica ainda forte no primeiro trimestre do ano, parecem estar reduzindo a ênfase do BC no seu objetivo cambial e reavivando seu interesse pela política monetária convencional. Resta saber se esta nova postura irá sobreviver à queda sazonal da inflação no segundo trimestre, ou se voltaremos à hesitação que marcou o final do ano passado e o começo deste ano.
Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley). [
[email protected]]
loading...
-
Inflacao: A Teoria, Os Fatos, E Os Inventores Fantasistas - Alexandre Schwartsman
Não tenho nada a acrescentar, ou a comentar, em relação a este artigo do Alexandre Schwartsman sobre os nossos "gurus" da inflação: basta ver os últimos números do IBGE sobre a dita cuja...Paulo Roberto de Almeida Derruba sim... Blog A Mão...
-
O Banco Central Ainda Nao Percebeu O Tamanho Do Problema - Alexandre Schwartsman
Entrevista exclusiva ao blog da revista Exame, em Veja.com: O Banco Central ainda não exergou a gravidade da crise, diz o ex-diretor da instituição20/08/2013 às 20:43Entrevista exclusiva com Alexandre Schwartsman sobre desvalorização do...
-
Politica Economica: Ok, Vamos Decidir Nao Decidir... - Celso Ming
A confusao continua... E nao ha' risco de melhorar. Como disse, ela nao e' apenas, hesitacao, mas o reflexo de um estado mental indefinido, mais proximo da ignorancia e do preconceito do que das duvidas razoaveis... Paulo Roberto de Almeida Fica...
-
Banco Central Fica Submisso Ao Governo (e Esquece As Metas De Inflacao)
A Ata do Copom parece ter sido escrita pelo governoEditorial O Estado de São Paulo, 27 de janeiro de 2012 A leitura da Ata da 164.ª reunião do Comitê e Política Monetária (Copom) deixa a estranha impressão de ter sido escrita pelo ministro da...
-
Faz Bem Ler Economistas Sensatos...
Num mundo (e no Brasil) onde tantos economistas malucos se disfarçam em conselheiros do príncipe -- e recorrem a velhos truques que nunca deram certo no passado em lugar nenhum (controles de preços, restrições a movimentos de capitais, manipulações...
Diplomacia e Relações Internacionais