Diplomacia e Relações Internacionais
Eleicoes 2014: Madre Teresa de Calcuta amazonica - Rodrigo Constantino
Artigo de Rodrigo Constantino no jornal O Globo, 3/09/2014, via Orlando Tambosi
Se os indianos tiveram a Madre Teresa de Calcutá, nós temos a Madre Marina de Xapuri. Cansado da “mamãe” Dilma, o povo agora quer sonhar novamente. Afinal, democracia que compara projetos e propostas, histórico e alianças é mesmo algo muito monótono. O brasileiro é mais afeito às utopias messiânicas, a um “salvador da Pátria”, ou salvadora, no caso.
Se tiver um passado da agruras, uma infância miserável, uma bela narrativa de vítima para contar, aí fica imbatível. O ex-operário que passou fome ia acabar com a fome no Brasil. Seu “Fome Zero” foi um fiasco, mas isso é detalhe. O crescimento chinês veio lhe salvar, e o povo carente logo o enxergou como o novo Padim Ciço.
Não teve mensalão que o fizesse acordar do feitiço. Lula iluminou seu poste e Dilma, que era ele mesmo em forma mais feminina, foi eleita. A “mãe do PAC”, o Programa de Auxílio a Cuba, seria a “gerentona” eficiente. Entregou apenas recessão e inflação. Dilma foi a pior presidente que o Brasil já teve. Mas justiça seja feita: foi a melhor para a ditadura cubana.
Cansado — com razão e muito atraso — do PT, o povo brasileiro quer uma nova esperança. Não quer o candidato mais bem preparado, com a equipe mais robusta, com as ideias mais estruturadas. Nada disso tem charme. Quer uma solução definitiva, alguém que represente a “nova política”, que carregue uma aura de santidade e paire acima dos reles mortais.
Viva Marina! Uma espécie de Curupira de saias, a guardiã das florestas e dos animais, que representa a “terceira via” contra a polarização entre petistas e tucanos. Foi do PT por décadas, ministra de Lula, e seu marido era do PT do Acre até “ontem”. Detalhes bobos, sem importância. A “nova política” significa entrar para o PSB, partido com socialista na sigla e membro do Foro de São Paulo, ao lado do próprio PT e da ditadura cubana. Mais dados insignificantes.
Com postura de quem recebeu um chamado divino, Marina pode tudo, não há contradição que grude nela. Goza do mesmo “efeito Teflon” de Lula. Ela pode, por exemplo, afirmar que vai governar usando o melhor tanto do PT como do PSDB, que ninguém questiona o que isso quer dizer na prática, se é um ou o outro. Afinal, não parece viável misturar Mercadante e Armínio Fraga.
Segundo Eduardo Giannetti, seu assessor para economia, o viés na área estaria bem mais para o lado tucano, o que é um alívio para quem entende do assunto. Resta saber: Marina vai mesmo escutar Giannetti? Ou seu assessor será Leonardo Boff? Ou será o MST, entidade da qual já vestiu, literalmente, o boné? Suas décadas de PT, partido do qual saiu triste e com “profundo respeito”, terão que tipo de influência em sua gestão? Você pode tirar alguém do PT, mas será que é possível tirar o PT de alguém?
De boba Marina não tem nada. Antes, representava um grito de protesto; agora, pelas artimanhas do destino, é a favorita na corrida presidencial. Quando o poder se aproxima e se torna factível, o candidato abandona certos radicalismos “sonháticos” e flerta com o pragmatismo. Ao defender em seu plano de governo um Banco Central independente e o tripé macroeconômico, Marina sinaliza que fará como Lula em sua “Carta ao Povo Brasileiro”.
Lula, de fato, respeitou a herança bendita da era FH no primeiro mandato, com Henrique Meirelles e Palocci. Mas em seguida traiu o povo brasileiro e abandonou o legado deixado pelos tucanos. Fez “o diabo” para eleger Dilma, e agora estamos aqui, nesse quadro de estagflação. Marina será fiel aos eleitores pragmáticos? Ou deixará vir à tona seu DNA esquerdista?
Saberemos a resposta em 2015, ao que tudo indica. A “onda” cresceu e se transformou num tsunami. Marina já é a grande favorita, com dez pontos à frente de Dilma no segundo turno, de acordo com o Datafolha. Mas, se é cedo para saber se os pragmáticos vão quebrar a cara com Marina, uma coisa é certa: a decepção dos “sonháticos” será total. Quem está à espera de um milagre, de uma mudança revolucionária na forma de se fazer política, vai cair feio do cavalo.
Dito isso, algo ao menos será motivo de regozijo para os mais esclarecidos: a derrota do PT. É verdade que, desesperados com a possibilidade real de perder suas tetas estatais e ter de trabalhar, os petistas farão de tudo para permanecer no governo Marina. Os vermelhos vão se pintar de verdes, até porque Marina está mais para “melancia”: verde por fora, vermelha por dentro. Mas ela seria eleita com um claro discurso de oposição, e ficaria muito feio compor com o PT depois. Portanto, adeus, PT. Já vai muito tarde!
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