coluna de Merval Pereira no jornal O Globo:
A convenção do PT que aclamou a presidente Dilma como sua candidata à reeleição trouxe a boa notícia de que o partido, fora algumas poucas exceções, decidiu não incorporar a política do ódio às elites à sua estratégia eleitoral, como sugerira o ministro Gilberto Carvalho em uma extemporânea entrevista a blogueiros chapa-branca.
Carvalho parecia fora do tom oficial, mas estava apenas alertando que o caminho escolhido estava errado, já que reconhecer os problemas é a primeira coisa a fazer para tentar superá-los.
O próprio ex-presidente Lula, com uma modéstia que não é de seu feitio, ontem comparou a candidatura de Dilma à seleção da Costa Rica, que vem fazendo furor na Copa do Mundo ao derrotar seguidamente o Uruguai e a Itália e classificar-se antecipadamente no chamado "Grupo da Morte".
Como a presidente Dilma continua liderando as pesquisas de opinião, embora em decadência na avaliação do eleitorado, aceitar que ela já não é a favorita deve ter custado muito a Lula e ao PT. Também o ministro Gilberto Carvalho deu declarações no mesmo sentido, admitindo que é preciso reverter o quadro eleitoral, embora ele ainda seja favorável à candidata do PT: "Vocês não tenham dúvida de uma coisa, eu tenho convicção, quando a campanha eleitoral começar e nós pudermos mostrar o nosso projeto...
nós vamos reverter esse processo", disse ele.
É legítimo supor que a direção do partido sabe exatamente para que lado o vento está soprando, justamente esse vento de mudanças que o principal candidato oposicionista, o tucano Aécio Neves, anuncia que se transformará em uma tsunami que varrerá o PT do poder.
As mais recentes pesquisas eleitorais mostram uma série de visões negativas sobre todos os aspectos do governo Dilma, que aponta para novas quedas de popularidade à medida que o tempo passa. Aos que pensam em reverter esse quadro apenas com a propaganda eleitoral no rádio e na televisão, o ex-presidente Lula fez uma advertência: não é só com propaganda bem feita que se vencerá a eleição, mas mostrando os resultados dos 12 anos de governo do PT em comparação com os governos anteriores, especialmente do PSDB.
Fora a obsessão por Fernando Henrique Cardoso, que beira o ridículo - ontem se referiu ao ex-presidente tucano como "ele", sem pronunciar o nome -, Lula deu algumas pistas interessantes sobre a eleição presidencial que se avizinha. O "nós" contra "eles" continua sendo a tática, mas, ao que tudo indica, pelo menos neste começo de campanha, a comparação será feita com dados e números, não com agressões.
Será uma tarefa difícil tentar convencer os cerca de 70% dos eleitores que querem mudanças sem a presidente Dilma que ela está capacitada a liderar esse processo de renovação, mas o slogan da campanha já mostra essa disposição: "Muda mais, Brasil".
Pode ser um tiro no próprio pé se não convencerem os eleitores de que o país pode mudar com mais quatro anos com o PT no governo. Mas não há dúvida de que a presidente Dilma começou bem a campanha, apresentando um "Plano de Transformação Nacional", tentando jogar para frente o debate eleitoral.
Certamente será questionada sobre sua capacitação para transformar o país, se nos últimos quatro anos não conseguiu fazer a economia se desenvolver. A desculpa dada no discurso de ontem de que ela e Lula herdaram uma herança maldita difícil de ser superada é uma desculpa esfarrapada, que certamente será contestada pelos adversários de oposição.
Mas começar a campanha sem salto alto e consciente de que esta será uma disputa presidencial mais difícil e dura que qualquer outra já travada pelo partido, como admitiram vários dirigentes petistas, mostra que o partido está em alerta e disposto a enfrentar as dificuldades, o que exige uma militância aguerrida nas ruas.
A questão é que essa militância já não tem mais aquela alma que a distinguia da dos demais partidos, assim como o PT transformou-se em mais um na geleia geral partidária brasileira. Porém, o PT é de longe o partido mais bem equipado para a disputa eleitoral, dado sua estrutura e organização nacionais e o dinheiro que vem arrecadando ao longo dos anos em que está no poder.