Diplomacia e Relações Internacionais
Edward Snowden e o Brasil: entrevista com Glenn Greenwald (Zero Hora)
Questão do asilo mostrará se Brasil tem medo dos EUA
Entrevista: Glenn Greenwald
Zero Hora, 15/06/2014
Jornalista e ex-advogado, o americano Glenn Greenwald é o mensageiro das revelações de Edward Snowden que fizeram a humanidade perceber que vive num mundo "sem lugar para se esconder". Esse é o título do livro que está lançando para contar sua história, um tenso thriller do sujeito que deu as plataformas para que Snowden desnudasse a inteligência dos Estados Unidos, escancarando os métodos de ética duvidosa da Agência Nacional de Segurança (NSA na sigla em inglês) para coletar informações. Nesta entrevista a Zero Hora, o "mensageiro" relata que o também americano Snowden, que de fonte se tornou amigo, tem dois países onde sonha viver: a Alemanha e o Brasil. Como Snowden, Greenwald se tornou um refugiado. No Rio de Janeiro, ele diz estar à vontade para manter o casamento homoafetivo com o brasileiro David Miranda, algo que se viu impossibilitado de concretizar no seu próprio país. Esse sentimento de aceitação da diversidade faz Greenwald, 47 anos, e Snowden, 30, quererem viver aqui do outro lado da América, longe do país onde nasceram e que os persegue sob a alegação de que promoveram um ato de alta traição. Dizendo ainda ter informações para divulgar a respeito da espionagem americana, Greenwald elogia a atuação da presidente Dilma Rousseff no episódio em que se envolveu. Mas não deixa por menos: se o Brasil não der asilo a Snowden, mostrará ter medo dos EUA. Confira os principais trechos da entrevista, concedida por telefone.
Dilma Rousseff cancelou a visita ao presidente dos EUA, Barack Obama, após revelações sobre espionagem. Foi dito, na época, que Dilma poderia estar na Casa Branca quando informações novas surgissem. Poderia ter ocorrido?
Temos mais reportagens a fazer sobre o sistema da NSA, e essas revelações têm impacto no Brasil, até porque o Brasil utiliza a mesma internet usada no mundo inteiro.
Se a presidente tivesse confirmado a visita a Obama, vocês teriam feito revelações naquele momento?
Não vou fazer isso de propósito, não vou decidir fazer denúncias baseado em uma viagem de Dilma. Publico o mais rápido possível, quando está pronto.
Vocês usam critérios políticos para decidir quando vazar informações?
Não, são critérios jornalísticos.
Mas também há cuidado com segurança...
Sempre analisamos vários fatores para decidir o que pode ser ou não ser publicado, mas o que estou dizendo é que não penso em quando e como uma presidente está visitando outro presidente.
O que é levado em conta?
Penso no debate que está ocorrendo, por exemplo. Levo em conta se há um projeto a ser votado no Congresso, se as pessoas desse país estão fazendo um debate intenso sobre algo. Aí, eu vou concentrar nesse país, porque há um desejo das pessoas desse país de saber mais.
Quando Dilma estava com viagem marcada, não era uma oportunidade?
Tinha a possibilidade de ocorrer, claro, porque ainda não havíamos terminado as reportagens. Com certeza, é possível que possamos fazer reportagens uma semana antes, dias antes ou no mesmo dia em que este ou aquele evento ocorra. Mas não estamos planejando isso.
A decisão de divulgar ou não alguns dados é tomada pelo senhor e por Edward Snowden?
Não, mas foi feito um acordo sobre como vamos publicar, e discutimos muito sobre como vamos publicar. E estamos mantendo esse acordo com a nossa fonte (Snowden).
O The New York Times (NYT) revelou que a NSA examina imagens de e-mails. Vocês estavam informados disso?
O NYT tem acesso aos documentos de dois jeitos. Antes, eles recebiam documentos do The Guardian, porque o The Guardian temia ser forçado pelo governo britânico a destruir seus arquivos. Por isso, repassava ao NYT para saberem que os documentos estavam em outro lugar. É uma forma de proteção. Agora, a fonte (Snowden) também repassa informações para o NYT, que fez um acordo com ele.
As revelações ajudam a pôr limites na xeretagem do governo americano?
Com certeza. Uma lei passou no Congresso americano para pôr limites a isso. Foi a primeira vez que isso ocorreu. Empresas americanas, como Facebook, Yahoo, Google, passaram a ter medo da espionagem, começaram a temer prejuízos a seus negócios no futuro e pediram para pôr limites à NSA. São empresas que têm muito poder. Também há outros países, como Brasil e Alemanha, que estão trabalhando juntos a fim de impedir que os EUA dominem a internet, talvez criando outra estrutura física que não dependa dos EUA. Acho que isso vai ajudar. E, finalmente, muitos indivíduos no mundo estão percebendo como a privacidade deles está sendo invadida pela NSA, que está utilizando novas tecnologias para fotografias, por exemplo.
Isso ocorreu em um governo democrata, nos EUA, no mandato do primeiro presidente negro. Em tese, é um governo mais sensível ao diferente e ao contraditório. Se fosse um republicano, a situação seria ainda mais grave?
O presidente Barack Obama já prometeu impor limites para reverter esses sistemas. Mas, pelo contrário, isso até aumentou. Não sei dizer se um próximo governo republicano ajudaria ou pioraria esse problema. Obama mostrou que as promessas feitas pelos políticos nada têm a ver com a realidade. Ele quebrou todas as suas promessas sobre esses assuntos e, por isso, os EUA estão espionando muito mais do que antes.
São aceitáveis as justificativas de que ameaças terroristas levaram às escutas?
Claramente, isso é uma desculpa. A maior parte da espionagem, como mostram os documentos que publiquei no meu livro, evidencia que a intenção dos EUA era de interceptar todas as informações da internet, e não só comunicações de terroristas. Também está claro que um grande objetivo da NSA era de fazer espionagem econômica. Eles não interceptariam também ligações da Dilma Rousseff ou da Angela Merkel por causa de terrorismo, nem da Petrobras.
Então não há relação com terrorismo?
Os documentos mostram que o terrorismo não é o motivo do esquema de espionagem. Também tem uma investigação nos EUA para entender por que o governo não sabia que o ataque do 11 de Setembro estava sendo organizado, e essa investigação concluiu que não foi porque o governo coletou dados insuficientes. O problema foi o oposto: coletaram dados demais e não entenderam o que coletavam. Depois, aumentaram mais essa espionagem. Não tem como identificar atentados terroristas se estão coletando informações das pessoas todos os dias. Fica mais difícil de proteger contra o terrorismo quando a espionagem é contra todos.
Seu livro aborda essas questões?
No livro Sem Lugar para se Esconder, há muitos documentos mostrando que o objetivo da NSA não é monitorar comunicações entre terroristas ou pessoas que estão planejando violência. O objetivo é coletar informações na internet e no telefone sobre o que todas as pessoas estão fazendo.
Seu companheiro, David Miranda, chegou a ser preso durante 11 horas em Londres. Vocês são perseguidos?
Claro, o governo dos EUA tem me ameaçado desde que comecei a fazer essas reportagens. Veem minha atividade jornalística como crime. Talvez eu seja preso se voltar lá. Não voltei porque meu advogado diz que há um risco grande de que isso ocorra. Também tem investigação criminal na Inglaterra contra mim, contra David e contra meus colegas do The Guardian (que publicou reportagens sobre os vazamentos de informações). Tudo por causa do jornalismo que fazemos. Mas me senti muito protegido aqui no Brasil, porque o governo brasileiro me protegeu. Fiquei aqui e, claro, me senti perseguido por estar sendo ameaçado pelo país mais poderoso do mundo, os EUA, mas também me senti confortável para fazer as reportagens aqui no Brasil.
Vocês têm mais material a ser revelado?
Temos, sim, muito mais material para divulgar. Estamos trabalhando para fazermos isso o mais rápido possível. Nossa fonte insistiu para que façamos isso com muita responsabilidade, para cuidarmos que ninguém corra perigo com nossas revelações. Então, às vezes demora um pouco, mas estamos fazendo de tudo, todos os dias, para fazermos novas divulgações.
Vocês esperam o momento oportuno?
Estamos usando muitas ferramentas de segurança para nossas comunicações. Temos segurança nas nossas casas para produzir informações. O Snowden já foi processado pelo governo dos EUA, sabe que pode ir para a prisão por muitos anos. Mas ele sabia que isso poderia ocorrer quando decidiu tomar uma atitude. Sabemos que corremos muitos riscos com nossas reportagens. Estamos tentando evitá-los, mas sabemos que não temos como evitar todos os riscos.
A perseguição de seu país ao senhor o prende aqui no Brasil?
Estou há nove anos aqui. Gosto muito de viver no Brasil, adoro este país. Construímos uma vida aqui. No começo, ficamos aqui porque lá (nos EUA) não estavam dando direito de imigração para casais gays. No Brasil, consegui obter meu visto permanente por causa de meu casamento com David. Vamos ficar por aqui por muito tempo.
O senhor e o David Miranda sentiram, desde o vazamento das informações, algum tipo de perseguição a mais por serem um casal gay?
Não. Mas, claro, tem muito preconceito, de muitas pessoas. Quando o David foi detido e esse aspecto da minha vida se tornou público, fui atacado por isso também por pessoas que têm preconceito. Claro, isso contribui para mais obstáculos.
Há diferenças entre Brasil e EUA na aceitação aos gays?
É difícil falar, porque vivo numa cidade grande, que é o Rio de Janeiro. Nas cidades grandes, as diferenças são mais aceitas do que nas cidades do Interior. Não tive problemas aqui. O Brasil foi mais progressista nessas questões do que os EUA, porque aqui o governo aceitou meu casamento e me deu direitos de imigração. O Brasil me aceitou mais do que o meu país, nesse sentido.
Essa aceitação maior de diferenças é um dos motivos que levam Snowden a querer vir para o Brasil?
O Snowden não é gay. Mas ele acabou conhecendo o Brasil muito bem porque eu estou morando aqui. Também gostou muito do discurso que Dilma fez na ONU sobre o assunto das escutas (em setembro de 2013, a presidente disse que a espionagem feria a soberania). E ele gostaria de viver numa democracia. Ele gosta muito do clima político e da cultura brasileira, ele vê aqui muita liberdade, muita diversidade. E o mais importante é a forma como o país reagiu a essas revelações sobre as escutas.
Snowden comenta sobre a vontade de viver no Brasil?
O governo brasileiro informou que não recebeu o pedido de asilo, e ele conta que apresentou esse pedido formalmente quando chegou ao aeroporto de Moscou. Ele já me disse algumas vezes que adoraria morar no Brasil. Para mim, o que se estabelece com esse pedido é se o governo brasileiro é independente ou se tem algum medo de fazer coisas que vão contra os interesses dos EUA.
Por que o Brasil deveria dar asilo?
Considero muito claro que qualquer país que foi beneficiado pelas revelações de Snowden deve proteger os direitos humanos dele, concedendo asilo. A única razão para o governo brasileiro não fazer isso é a possibilidade de ter medo de que os EUA não vão gostar.
Além de fazer as reportagens que tornaram os documentos públicos, o senhor tem ajudado Snowden de alguma forma para ser acolhido no Brasil?
Meu companheiro faz campanha a fim de que seja conseguido o asilo para Snowden. Trabalha com a Anistia Internacional e com outras organizações. Não cabe a mim fazer isso, porque não sou brasileiro, mas creio que todos os países têm suas legislações, códigos morais e éticos para conceder o asilo a Snowden.
Conceder ou não asilo a Snowden define a independência ou não do governo?
Não é a única coisa que determina, mas é muito forte, porque o governo brasileiro foi muito beneficiado pelas revelações. Não há razões para Snowden ficar ameaçado de prisão, como o governo americano quer fazer.
A presidente não pareceu independente? O Brasil não deve ter medo de deixar os EUA zangados, e acho que qualquer país independente vai acolher o Snowden. Na Europa, os países são muito submissos aos EUA e jamais vão fazer algo que os EUA não queiram. A questão é se o governo brasileiro é independente, mesmo. O que a Dilma fez foi muito importante, ao cancelar a viagem aos EUA e, mais do que isso, ao fazer o discurso na ONU (Organização das Nações Unidas) denunciando a espionagem americana. Mas a questão do asilo mostrará se o Brasil tem medo dos Estados Unidos.
Então, para o senhor, se o governo não conceder asilo, está mostrando que tem medo dos EUA.
Sim, seria a única razão para não fazer, sobretudo porque o governo brasileiro foi muito ajudado pelas revelações do Snowden.
Além do Brasil, há outros países de preferência dele para viver?
São dois países onde ele demonstra mais vontade de viver: no Brasil e na Alemanha. São os dois países que mais foram ajudados pelas suas revelações. Há um debate nos dois países sobre asilo, mas, no caso da Alemanha, o país não tem independência em relação aos EUA. Então, para lá, creio que as chances são muito pequenas. Parte da população alemã quer fazer isso, mas o governo da Alemanha não é suficientemente independente para tomar essa atitude. Mas, enfim, ele diz que gostaria de viver em um desses dois países. Ele diz que são duas grandes democracias, dois países muito interessantes.
Onde ele gostaria de viver no Brasil?
Ele não escolheu o lugar ainda.
Qual a situação dele na Rússia?
Ele está com direito a asilo por um ano. Vai terminar no final de agosto ou começo de setembro. Talvez o governo russo lhe dê mais tempo para ter asilo temporário, mas isso não está garantido. O fato é que ele não escolheu morar na Rússia. Foi forçado a ficar lá em razão das condições impostas pelo governo americano. Ele diz que tem problemas com o sistema político de lá. Prefere uma democracia.
E como está o pedido para vir ao Brasil?
Ele diz que fez o pedido formal quando estava no aeroporto de Moscou. Foi para mais de 20 países, incluindo o Brasil. O governo brasileiro diz não ter recebido o pedido formal, mas isso é apenas uma questão burocrática, que pode ser resolvida de forma muito rápida.
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