Educacao: um comeco de diagnostico, possiveis solucoes - Claudio Moura Castro
Diplomacia e Relações Internacionais

Educacao: um comeco de diagnostico, possiveis solucoes - Claudio Moura Castro


Um dos melhores, senão o melhor especialista em educação no Brasil, faz um diagnóstico muito claro dos problemas e oferece as possiveis soluções para a tragedia que é a educação brasileira. Como depende de mudar a cabeça de milhares, centenas de, professores, talvez dure certo tempo, algumas dezenas de anos, provavelmente. Enfim, não é para ficar desesperado, mas também não dá para achar que estamos no caminho certo. Não, não estamos, sequer existe consenso na sociedade sobre o que fazer. E o governo, então, está fazendo tudo errado.
Paulo Roberto de Almeida

Entrevista
Educação é ensinar a pensar
Cláudio de Moura Castro economista e especialista em educação, 72
Jornal O TEMPO, 10/10/2010

Conselheiro de Ciência e Tecnologia da Presidência da República, além de membro de órgãos consultivos de instituições como Inhotim, CNI e Fiesp, esse carioca criado em Minas Gerais é crítico mordaz do sistema educacional brasileiro, além de frasista da melhor qualidade. Para Cláudio, o grande gargalo da educação brasileira é a chatice - matérias que nada têm a ver com o aluno - e, por isso, uma reforma é urgente.

Temos hoje no Brasil alguns cientistas reconhecidos internacionalmente. São casos isolados ou bons frutos do sistema educacional brasileiro? Veja bem, o caso brasileiro é parecido com a Índia, onde a taxa de analfabetismo é da ordem de um terço da população, e os que estão frequentando escolas estão em instituições tão ruins ou piores do que as brasileiras. Não obstante, a Índia tem sete institutos federais de tecnologia que são padrão de grandes universidades e recrutam dentro do bilhão de habitantes. Cria-se um filtro dentro do filtro e acaba com gente extremamente competente e dedicada. A comparação é válida porque mostra que se pode ter um sistema educacional muito ruim e bons doutores. Essa solução não é boa, nem no Brasil, nem na Índia. Bom seria que partisse de uma base muito maior. Veja a Suíça, que tem uma grande produção de prêmios Nobel com uma população de 7 milhões.

Por que o sistema brasileiro é ruim? Porque começamos com vários séculos de atraso. Em 1450, apenas 15% da população da Europa era alfabetizada. Em 1.500, com Guttemberg, passou para 30%. Em 1900, 15% da população de Portugal era alfabetizada - estava no nível da Europa pré-imprensa -, e nós herdamos esse sistema educacional. No Brasil de 1900, 10% da população era alfabetizada. Há 50 anos, as estatísticas educacionais brasileiras eram bem pior do que as do Paraguai, Bolívia, Equador, para não falar da Colômbia. Começamos atrás desses países, já os passamos e estamos nos aproximando de Argentina, Uruguai e Chile, que são os melhores na América Latina.

Qual a razão dessa - comparativamente - rápida alfabetização por aqui? A economia brasileira cresceu mais em termos de PIB bruto do que qualquer país no mundo entre 1870 e 1980. A melhoria da educação do Brasil é fruto dessa demanda do setor produtivo que precisa de gente mais competente. Muito mais do que um voluntarismo de um setor público iluminado como houve por exemplo na França.

O que é necessário para melhorar a educação no país? Pesquisa recente mostrou que 70% dos pais estão satisfeitos com a escola no Brasil. Ou seja, não estão dispostos a brigar por uma escola melhor, e os políticos não vão brigar por isso porque não têm o apoio da sociedade. Esse é o maior entrave: a falta de percepção de que não basta ir para a escola e passar um monte de anos como hoje, pois o aluno não aprende.

O currículo escolar brasileiro é ruim em relação ao de outros países? De uma maneira geral, a estrutura é muito parecida. Em todos os lugares tem direito, medicina, engenharia etc. Há um primeiro e segundo graus que têm a mesma cara. O grande problema é que tentamos ensinar mais do que aluno dá conta de aprender. Os currículos são frondosos, exagerados. Em Cingapura, um livro de matemática da quarta série tem oito tópicos. O livro brasileiro tem 56. Cingapura está lá em cima no índice Pisa da OECD (Programa para Avaliação Internacional de Alunos, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, nas siglas em inglês). Isso mostra que o brasileiro vai ouvir falar dos 56 tópicos e não vai aprender nenhum.

Mas, nas últimas reformas curriculares, aumentou-se esse currículo, com aulas de cultura negra, filosofia, sociologia, línguas. Estamos no caminho errado? Cada vez mais se torna mais remota a possibilidade de se aprender realmente. Quando se ensina assunto demais, o aluno aprende de menos (sic). Educação não é entupir o aluno com datas, lugares e eventos. Educação é ensinar a pensar, e isso se consegue com foco, tempo para praticar estilos de pensamento e se exercitar isso, o que não é possível com a avalanche curricular que temos, sobretudo no ensino médio, que é um desastre monumental.

Qual seria a alternativa? Reduzir o número de matérias, e a maneira de fazer isso é criar um currículo mínimo. Todos têm de fazer ciência, história, matemática português e deixar que as escolas completem o currículo com coisas que são de interesse e estão ao alcance dos alunos. Deveríamos eliminar a ideia de um currículo único para todos.

O grande gargalo na educação brasileira ainda é a seleção para o curso superior? Não. O grande gargalo chama-se chatice, no ensino médio, que é supremamente aborrecido, saturado de matérias desinteressantes. São matérias distantes do mundo do aluno e impossíveis de serem apreendidas. Os alunos estão saindo no meio e a deserção do ensino médio é alarmante, um terço apenas termina. A taxa de aproveitamento do médio para o superior no Brasil é das maiores do mundo - cerca de 80% daqueles que se formam no colégio vão para a faculdade. As escolas particulares têm mais vagas do que alunos. Hoje, o que não tem é aluno para o ensino superior.

O Enem melhorou o ensino brasileiro? Não tivemos tempo para saber se o novo Enem cumpre o que prometeu. Tivemos uma aplicação extremamente conturbada e não temos uma avaliação da prova. E o Enem foi mudado há um ano, pois antes era uma prova só de raciocínio e precisou de um pouco mais de currículo escolar para servir como vestibular. A ideia é perfeita, mas, se a dose curricular foi exagerada, eu não posso dizer e não há consenso hoje.

Sobre educação infantil, como lidar com a chamada geração Y, que chega à escola sabendo computação e por vezes tem mais informação do que o professor sobre determinado assunto? Se informação fosse educação, é esse o aluno que deveria dar aula para o professor. Mas educação é saber usar o conhecimento. É fazer sentido desse colosso de informação que está aí. Isso o aluno não sabe. O que o professor tem de fazer é botar o aluno para pensar disciplinadamente, usando problemas do nosso cotidiano.

Como o professor pode colocar limite nessas crianças? Ele deve oferecer um ensino relevante e não ser envergonhado em relação à disciplina. Hoje o professor tem vergonha de mandar no aluno. A escola tem vergonha de disciplinar. Essa confusão entre autoridade e autoritarismo faz com que as coisas se precipitem, até que o professor tem de usar sua autoridade para que a casa não venha abaixo, mas aí já está em um conflito.

Seria a volta da palmatória? Irrelevante, não estou pregando isso. Estou pregando que o professor tem de aceitar exercer a autoridade sobre o aluno desde o primeiro dia de aula e não achar que autoridade é autoritarismo. Uma pesquisa com os dez melhores alunos do Enem mostrou que todos vieram de escolas com disciplina muito forte e rígida. Essas são as pessoas que estão indo para as melhores universidades e tendo melhor desempenho.

Se o professor ganhar melhores salários, a educação no país melhora? Impacto zero. Se pegar os 27 Estados brasileiros e botar salários de um lado e desempenho do outro, seja Ideb ou Prova Brasil, a correlação é zero. Não há nenhuma associação entre o nível de salário dos professores e o desempenho do Estado.

O professor brasileiro é bem formado? Esse é o desastre. Se tivesse de mexer em alguma coisa seria na formação do professor, porque as faculdades de educação, públicas e privadas, têm uma reputação muito ruim e recrutam os alunos mais fracos, na média. Depois, essas faculdades viraram redutos ideológicos, e as pessoas ficam estudando luta de classe ou então teorias pedagógicas muito rarefeitas e complicadas. O que eles fazem é aprender as palavras, mas não aprendem nem o conteúdo nem a dar aula



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